Após um 2013 com um bom número de atletas assumindo sua orientação sexual, criação de lei antigay russa coloca o tema no foco nas Olimpíadas de Inverno de Sochi
Tom Daley conquistou o bronze na plataforma
nos Jogos de Londres (Foto: Getty Images)
Sem olhar para trás, tocou a vida como de costume. As fotos ao lado do namorado ganharam lugar em seu álbum virtual. Os rumores haviam acabado e o que veio depois foi apoio. Do público e da mídia. Tom agradeceu e entendeu que o ano de mudanças pessoais e profissionais não poderia ter começado de melhor maneira. Sentindo-se à vontade na própria pele, ele se vê ainda mais forte para buscar um objetivo: a medalha de ouro nos Jogos do Rio, em 2016. O passo dado por Daley foi mais um no caminho também trilhado por um bom número de atletas que em 2013 assumiram sua orientação sexual. O pivô da NBA Jason Collins foi o primeiro jogador de uma liga profissional americana a dizer que era gay. Atitude que o fez receber os cumprimentos do presidente Barack Obama. Orlando Cruz enfrentou mais resistência. Com seu calção nas cores do arco-íris, o boxeador de Porto Rico recebeu críticas de compatriotas e gritos homofóbicos durante uma luta. Lili e Larissa vestiram branco, trocaram alianças e jogaram seus buquês. Cada um, a seu modo, ajudou a alimentar a discussão a respeito da homossexualidade no meio esportivo.
Assim como a lei antigay da Rússia, que tem roubado os holofotes das Olimpíadas de Inverno de Sochi.
Nesse comecinho de 2014, o quebra-cabeças ganhou mais três peças: o saltador brasileiro Ian Matos, o nadador finlandês Ari-Pekka Liukkonen e Thomas Hitzlsperger, ex-meia da seleção de futebol da Alemanha que esperou se aposentar para sair do armário e provocar um debate nacional sobre tolerância. Sonha com o dia em que jogadores de futebol poderão conversar com os companheiros de time sobre seus namorados sem que isso pareça incomum.
De acordo com um levantamento do site Outsports, especializado na cobertura de esportes voltada ao público gay, os Jogos de Londres 2012 contaram com a participação de 23 atletas homossexuais assumidos. Número maior do que o registrado em Atenas 2004 (11) e Pequim 2008 (10), mas ainda considerado muito baixo num universo de 10.500 competidores. Em Sochi, são seis entre os 2.500 inscritos. Todas mulheres.
Tom Daley e seu namorado (Foto: Reprodução / Instagram)
Nos últimos anos, ela passou a perceber o interesse maior dos técnicos das modalidades com que trabalha a respeito do tema. Também viu se diluir uma preocupação comum nas décadas de 80 e 90: a preocupação de atletas heterossexuais de terem de dividir o quarto durante as viagens com companheiros de equipe que eles sabiam ou suspeitavam terem outra orientação.
- Isso foi sendo desmistificado. O respeito é a base. Com relação aos treinadores, eles querem entender melhor um pouco isso. Porque performance é uma coisa e preferência sexual é outra, e quanto mais o atleta se sentir bem com ele mesmo, mais terá uma performance melhor. Em 21 anos de profissão, nunca peguei um treinador preconceituoso. Pelo contrário. E sempre mostrei que o fato de um atleta ser gay não significa que não possa ser um craque, um goleiro extraordinário, por exemplo, e isso facilita. Eu fui bailarina profissional, tive que conviver com homossexuais e para mim isso é muito natural. Numa equipe é importante mostrar que performance é diferente de gênero e quanto mais o atleta for informado e formado, vai conseguir lidar muito positivamente com a identidade dele. Dentro de uma equipe o homofóbico tem duas saídas: ou começa a trabalhar isso ou sai. Se o esporte é coletivo tem que estimular a lidar com as diferenças sejam de personalidade ou sexualidade. Todos são profissionais. Nos esportes em que trabalhei isso sempre foi tratado naturalmente. Temos que, desde as categorias de base, orientar, não banalizar, não erotizar e nem colocar como uma doença.
Alessandra Dutra, psicóloga do time de handebol campeão mundial (Foto:Reprodução/Facebook)
- É difícil e isso pode prejudicar um desempenho. Você é um atleta carismático, é ovacionado por todos e, de repente, você é gay. E aí vão falar: E o que isso vai fazer na cabeça das crianças? Acho a questão aqui não é de ser gay ou não, mas de caráter. O exemplo que ele passa para a sociedade. É melhor dar exemplo ou mostrar que é machão e que está em balada toda semana traindo sua esposa? Precisamos trabalhar muito bem no esporte o que chamo de tríade: formação, informação e humanidade. O que leva alguém a esconder é não se sentir apoiado ou seguro no staff dele para se revelar. E aí a pessoa fica presa na profissão, não consegue evoluir. O que combate o preconceito é a informação e o Brasil ainda é um país atrasado nesse quesito. Lá fora o preconceito é menor.
sochi e a lei antigay
Não na Rússia. Até 1993 a homossexualidade era considerada crime no país e encarada como doença mental até 1999. Na metade do ano passado, a criação da lei antigay gerou polêmica. Ao promulgá-la, o presidente Vladimir Putin determinou a proibição de atos de propaganda homossexual diante de menores de idade e punição com multas para quem desobedecê-la. A reação contrária ultrapassou fronteiras. Fez ainda mais eco depois que Yelena Isinbayeva, rainha do salto com vara, mostrou discurso afinado com o governo russo.
No Mundial de atletismo de Moscou, ela disse que os estrangeiros que disputarão as Olimpíadas de Inverno de Sochi devem respeitar as regras e manterem a discrição. Ao saber que naquele campeonato algumas atletas competiram com unhas pintadas nas cores do arco-íris em apoio ao movimento gay, Isinbayeva declarou que os costumes de seu povo deveriam ser respeitados. Diante da grande repercussão, disse que foi um mal-entendido e que era contra qualquer tipo de discriminação, mas que os russos são totalmente diferentes das outras nações europeias com relação ao assunto.
Boicotes passaram a ser cogitados, campanhas tomaram a grande rede, protestos passaram a ser feitos, marchas em solo olímpico passaram a ser coibidas, patrocinadores viraram alvos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) passou a ser questionado e respostas políticas foram dadas. Em mensagem de clara oposição, a Casa Branca anunciou que o presidente Barack Obama decidiu incluir na delegação americana a ex-tenista Billie Jean King e a jogadora de hóquei, medalhista olímpica, Caitlin Cahow - as duas assumidamente lésbicas. Na quarta-feira, King comunicou que não poderia viajar devido a um problema de saúde da mãe, que acabou falecendo nesta sexta. Já o líder americano alegou problemas de agenda para justificar a sua não ida a Sochi. Os da Alemanha e da França também não estarão presentes.
Ativistas fazem protesto contra lei antigay em
Moscou (Foto: AP)
Pouco antes do início dos Jogos, o presidente do COI, Thomas Bach, confirmou em entrevista que os atletas estão livres para pedir igualdade nas coletivas de imprensa, sem risco de sanções. Mas durante as competições e cerimônias de premiação, os protestos não serão tolerados.
- Está muito claro que os Jogos não podem ser usados como uma plataforma para manifestações políticas, não importa o quão boa seja a causa - afirmou.
Na contramão de Bach veio Dmitry Chernyshenko. Presidente do comitê organizador, ele disse que os que quiserem falar sobre o assunto terão de fazê-lo nas zonas de protesto, a 18km da Vila Olímpica. Na tentativa de minimizar a polêmica, Putin disse recentemente que não haverá qualquer tipo de discriminação e que os Jogos estarão alinhados com o espírito olímpico.
Um grupo formado por 52 atletas e ex-atletas olímpicos de diversas modalidades e nacionalidades, fez uma petição para que as autoridades russas reconsiderem a lei antigay. Doze dele estarão competindo em Sochi. As críticas foram extensivas ao COI e patrocinadores oficiais. Os signatários entendem que eles poderiam ter feito mais e pressionado as autoridades russas.
Tomam por base o princípio 6 da Carta Olímpica que diz que "qualquer forma de discriminação no que se refere a um país ou uma pessoa por motivos de raça, religião, política, de gênero ou de outro tipo, é incompatível com a participação no Movimento Olímpico".
Entre os que se posicionaram estão nomes como Martina Navratilova, Andy Roddick, Steve Nash e Greg Louganis. O meio-fundista americano Nick Symmonds também faz parte da lista. Depois de ter conquistado a prata nos 800m no Mundial de Moscou, ele criticou a lei a seu modo. Aproveitou a presença dos jornalistas, inclusive russos, na zona mista do estádio e dedicou a medalha a todos os seus amigos gays. Sentiu a necessidade de falar sobre o assunto depois de ter visto um vídeo de pessoas do mesmo sexo sendo empurradas na rua por estarem de mãos dadas ou se beijando. A imagem de intolerância o incomodou.
Embora os protestos durante as Olimpíadas sejam esperados, a psicóloga Alessandra Dutra acredita que os movimentos organizados possam não ser a opção mais eficiente.
- Esses tipos de movimento anti-homofobia criam mais preconceito. Divulgam de forma errada. Acho que tem que ser uma coisa naturalizada, mostrar que o atleta é homossexual e é bom dentro da quadra, do campo e da pista. O fato de ganhar medalha e falar "eu sou gay", esse sim é o movimento mais forte.
a experiência de michael
Michael defende o time de São Bernardo (Foto: July Stanzioni / SM Press)
Antes do episódio, nunca viu necessidade de tornar pública sua orientação sexual. Desde os 12 anos, a mãe tinha conhecimento e mostrava preocupação com as dificuldades que o filho poderia vir a enfrentar no futuro. Naquela época, o tom das brincadeiras feitas por amigos e conhecidos nunca pareceu desrespeitoso. Quando ficou mais velho, a internet passou a mostrar seu lado mais cruel.
- As pessoas sempre tinham aquela curiosidade: "Será que ele é ou não?" Mas aquelas piadinhas na internet me incomodavam muito. Pensava: sou atleta, minha vida é pública, mas aquilo me irritava mesmo. Minha mãe, por ser lésbica, se preocupava. Só que depois que assumi não tenho mais preocupação em esconder nada, e não estou mais na boca do povo (risos). O esporte é um meio machista, mas sempre tive o respeito dos meus companheiros e eles o meu. Nunca vou poder dizer que fui discriminado ou cortado de um time ou seleção de base por ser homossexual. Tem gente que passou por situações mais difíceis. Tenho amigos que sofreram muito, de se trancar em casa, de se isolar e viver numa mentira. E tem atleta que sofre muito com isso. Deve ser angustiante.
Michael sentiu todos os medos. No entanto, conseguiu lidar bem com a pressão e os olhares que se voltaram em sua direção. Nunca deixou que eles o prejudicassem em quadra. Nem todos conseguem. E a maioria prefere resguardar a vida pessoal.
- Esse é um tema que está muito em voga
hoje, e que já é mais discutido do que nos meus tempos como jogador.
Acho que muitos não querem falar, vivem esse drama de não quererem se
expor para não serem julgados. Atletas e artistas veem a pressão do
escrutínio público do que fazem e não fazem. Eu acho que não é preciso
se expor, mas falar ou não é uma questão de foro íntimo.
Como treinador
me preocupo com problemas pessoais que possam interferir na performance
dos atletas. Quando se vive um dilema ou dúvida em qualquer área você
não tem a tranquilidade, a autoestima e a segurança necessárias. Temos
que lembrar que ali não está uma máquina, mas uma pessoa. Ao longo da
minha vida trabalhei com vários sem problemas. E sempre fui assim: se
quiser conversar sobre a questão, conversamos - disse o técnico
Bernardinho.
Florent Manaudou e Fred Bousquet participaram da campanha (Foto: Divulgação)
- Isso é legal porque tanta gente morre ou sofre com agressão... A homofobia assusta. Tudo que sirva para alertar as pessoas de que somos iguais, que temos os mesmos objetivos e condições de crescer é válido. Eu torci pelo beijo gay entre Félix e Niko em Amor à Vida. Então, vejo essa lei antigay e penso em como a Rússia está atrasada. Nesse momento quase o mundo inteiro faz campanha para aprovação do casamento e lá é o contrário. Eu tenho vontade de um dia casar e ter filhos. Assumir publicamente é algo muito particular e é preciso que a pessoa esteja bem resolvida. Não tem que fazer isso para agredir a sociedade e sim para estar feliz. Acho que como nos últimos tempos está sendo mais aceito, os atletas estão se assumindo mais e as pessoas estão vendo que ali, independentemente da orientação sexual, há um bom profissional, responsável, que tem sonhos e trabalha pelas vitórias. Isso ajuda a tirar um pouco o rótulo de homossexual - admitiu o jogador.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2014/02/homossexualidade-no-esporte-debate-aumenta-e-lei-gera-polemica.html
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