quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A humildade e o despontar tardio: um dia com Bruno Rangel, o caçula

Uma visita ao mais novo dos 11 filhos de Dona Maria e maior artilheiro da história da Série B, que passou carreira a limpo e trouxe à tona mania precoce de marcar gols

Por Campos dos Goytacazes, RJ

Essa é a história de um jogador que, não fosse a proeza realizada já aos 32 anos de idade, sem
dúvidas, vagaria despercebido por entre as páginas da história do futebol de anônimos. Seria lembrado, talvez, por Paysandu, Remo, Joinville. Quem sabe pelo Goytacaz, clube que o revelou. Mas nunca numa escala nacional – muito menos internacional, como, de fato, acontece hoje. O
atacante que defendeu as cores da singela Chapecoense no ano passado e a levou ao inédito acesso 


à Série A do Campeonato Brasileiro marcou nada menos que 31 gols na Segundona. É o maior
artilheiro da história em uma só edição da competição e acertou, esta semana, com o Al-Arabi, do Qatar.

Quem diria. Quem apostaria as fichas num jogador que já ultrapassara a terceira década de
vida? Quem era Bruno Rangel no início do ano? Na verdade, quem é Bruno Rangel agora? Ele
abriu a porta de sua casa no bairro Parque dos Prazeres, em Campos dos Goytacazes, Norte
do Rio de Janeiro – sua cidade natal – para que esses e outros questionamentos pudessem ser
respondidos.


Bruno Rangel (Foto: Aguante Comunicação/Chapecoense) 
Bruno Rangel e a filha Bárbara, de quatro anos 
(Foto: Aguante Comunicação/Chapecoense)

A humildade impressiona. Não que já não fosse previsível essa característica em
uma pessoa nascida na zona rural de uma cidade do interior. Mas a de Bruno Rangel realmente
chamou a atenção. Muito provavelmente por estar misturada até a uma certa inocência.
Afinal, para quem se acostumou a marcar gols a vida toda, o que seriam apenas mais 31?

- A ficha ainda não caiu. Quando eu paro para pensar, 31 gols parecem até pouco – foram
as primeiras palavras de Bruno Rangel, que parecia não ter noção da “besteira” que estava
falando. Trinta e um gols são muitos gols. Que o diga Zé Carlos, que marcou 27 defendendo o
Criciúma no ano passado e era, até então, o maior artilheiro da Série B.

A entrevista foi ali mesmo, na garagem de casa. Duas cadeiras, uma mesa e um punhado de
fotos que ilustrava uma pequena parte de sua carreira como jogador. A casa estava vazia.
Estranho para quem tem incríveis 10 irmãos e 18 sobrinhos. Sim, a família Rangel é grande, e
Bruno foi um dos últimos a chegar. É o irmão caçula – o mais velho já tem 55 anos. 

 Eles não me avisaram sobre o derrame. Só me contaram um dia depois do jogo, para eu não ficar preocupado. Fiquei arrasado
Bruno Rangel, sobre o AVC sofrido pela mãe
 Em casa, estavam, além de Bruno, sua mãe, Dona Maria Rangel, de 80 anos; a irmã, também de nome Maria; e dois sobrinhos, que logo correram para vestir suas camisas da Chapecoense, clube não do coração, mas que aprenderam a gostar. Dona Maria descansava na sala, mas fez questão de, com muita dificuldade, se dirigir ao lado de fora para ser fotografada com o filho. Ela sofreu um acidente vascular cerebral no dia 19 de fevereiro do ano passado, cinco dias antes de Bruno entrar em campo na “final” do primeiro turno do Campeonato Catarinense, contra o Guarani de Palhoça. As sequelas ainda persistem.

- Eles não me avisaram sobre o derrame. Só me contaram na segunda-feira, um dia depois
do jogo, para eu não ficar preocupado. Fiquei arrasado. Quando sai daqui, deixei minha mãe
andando normalmente. Eles disseram que ela ficou um tempo sem reconhecer as pessoas e só
foi voltando ao normal aos poucos – relata.

Quanto ao jogo, Bruno Rangel deixou dois na vitória da Chapecoense por 5 a 2 que deu o título
do primeiro turno da competição de maneira antecipada ao time de Chapecó.


bruno rangel mosaico (Foto: Tébaro Schimdt)U
m dia com Bruno Rangel, o maior 
artilheiro em uma só edição da 
Série B do Brasileiro (Fotos: 
Tébaro Schmidt)

gols, gols e gols
- Por que demorou tanto para você despontar?

- Na verdade, eu sempre fiz muito gol. Mas, dessa vez, fiz muito gols na Série B.

Por um lado, Bruno Rangel tem razão. Não fez nada além do que já estava costumado a fazer
– mesmo sendo 31 gols um número para lá de expressivo. Só que, em 2013, fez na segunda
divisão do maior campeonato do país. E o Brasil todo viu.

Goytacaz, Americano, Ananimbê, Boavista , Macaé, Bonsucesso, Baraúnas, Águia de Marabá...
Por todos esses times, o atacante deixou seus gols. Mas foi no Paysandu, ele conta, que a sua
carreira deslanchou. Foram 17 as vezes que ele balançou as redes no ano em que defendeu
o Papão da Curuzu, em 2010. Foi campeão paraense e artilheiro da equipe na Série C do
Brasileiro. Ainda pelo Paysandu, marcou um dos gols, segundo o próprio, mais importantes
de sua carreira: contra o Palmeiras, pela Copa do Brasil. No ano seguinte, ficou ainda mais em
evidência atuando pelo Joinville. Conquistou a vice-artilharia do Catarinense, com oito gols –
atrás apenas do companheiro Lima, que fez 12 – e ainda se sagrou campeão da Terceirona do
Brasileiro, garantindo o acesso de sua equipe.


joinville campeão série c do brasileiro - bruno rangel (Foto: Tébaro Schmidt)Bruno Rangel aparece ao lado de Ramon e Renato Santos no Joinville (Foto: Arquivo pessoal)
 
Então, de repente, foi dispensado. O porquê, nem Bruno sabe explicar.

- Eu também não entendi. Ninguém entendeu. Quando começou a Série B , não sei se o
treinador Leandro Campos, que havia acabado de chegar, não gostou de mim. E acabei sendo
dispensado. Grande parte da torcida foi contra. Mas como no futebol tem isso, muita sujeira...
– criticava o jogador, até ser interrompido por uma garotinha que veio correndo lá dos fundos
da casa. Era a pequena Bárbara, de quatro anos: a única filha do jogador com a esposa,
Girlene, com quem é casado há oito anos.

De volta à prosa - que agora era dividida entre o chamego com a filha e a atenção à entrevista - conseguiu lembrar que passara pelo Metropolitano-SC antes de ser contratado pela Chapecoense, no final de 2012.


Badia FUTEBOL CLUBE
Conversa vai. Conversa vem. Àquela altura, os sobrinhos, Ygor e Yarlei, já haviam deixado a
vergonha de lado e se juntado ao bate-papo descontraído. Foi então que veio à tona um tal de
“Badia Futebol Clube”. Ora, que Badia era esse que não havia sido citado por Bruno quando
passara a limpo sua carreira?

Trata-se de um clube amador que pertence à família Rangel. Fundado ainda pelo avô do
atacante, foi passado ao seu pai e agora está nas mãos da geração de Bruno. O Badia sempre
foi tratado como uma diversão, nada muito sério, apesar de colecionar conquistas no futebol
do município. Logo, algumas taças conquistadas pelo time chegaram à garagem.


taças do Badia Futebol Clube, time de Bruno Rangel (Foto: Tébaro Schmidt)Algumas das taças do Badia Futebol Clube (Foto: Tébaro Schmidt)
 
- Essas são só algumas – disse um dos sobrinhos.
Descobriu-se, então, que o Badia tinha sido consagrado com os primeiros gols do jogador,
ainda pequeno. Quem lembra é o sobrinho mais novo, Ygor.

- Teve uma vez que o time estava perdendo de 4 a 1, num jogo de um campeonato aqui da
cidade. Meu tio entrou e fez os três gols que garantiram o empate – lembra, orgulhoso.

Outra que também enche o peito de orgulho ao recordar as façanhas do irmão é a irmã Maria,
que teve o privilégio de acompanhar os primeiros passos daquele que, mais tarde, entraria
para a história do futebol brasileiro.

- Eu lembro quando o Bruno tinha 13 aninhos. Meu pai colocou ele para jogar no meio dos
adultos no jogo do Badia. Acho que estava faltando alguém. Ele entrou e fez o gol da vitória
por 1 a 0 – conta a irmã, que interrompeu a fala pelo menos três vezes com um carinhoso
“lembra, Bruno?”.


DEU SORTE, HERNANE!
Que Bruno Rangel foi o cara da Série B do Brasileiro, isso é inquestionável. Porém, por míseros
dois gols o atacante não acrescentou mais um ingrediente à brilhante temporada: a artilharia
do futebol brasileiro no ano. O prêmio acabou ficando com Hernane, do Flamengo, que
marcou 36 vezes em 2013 – Bruno fez 34 gols ao todo, assim como Magno Alves, do Ceará.

- Não fiquei triste, até porque o Hernane também mereceu. Mereceu por toda a história – foi o
primeiro discurso.


Hernane gol jogo Flamengo e Cruzeiro (Foto: Márcio Mercante  / Agência Estado) 
Hernane foi o artilheiro do Brasil em 2013; 
Bruno e Magno Alves ficaram em 2º (Foto: 
Márcio Mercante / Agência Estado)

Depois da insistência no assunto, no entanto, surgiu por entre aquelas respostas preparadas
e sempre humildes um Bruno Rangel competitivo. Ora, Hernane disputou o Carioca e a Copa
do Brasil. Foi, inclusive, artilheiro nas duas competições. Bruno, por sua vez, não foi titular no
estadual, e sua equipe também não jogou o torneio nacional que dá vaga na Libertadores. A
grande maioria de seus gols foi marcada mesmo no Brasileiro.

- Eu joguei um campeonato só praticamente. Ele jogou três. Se eu jogasse o estadual como
titular, talvez... Não é possível que eu não faria mais três gols (risos) – brinca.


O SONHO QUE NÃO É IMPOSSÍVEL
O contrato com a Chapecoense acabou. A renovação não foi muito cogitada. Ao clube
de Chapecó, ficou o agradecimento e o aparente carinho por lhe proporcionar a melhor
temporada da carreira.Em meio a algumas especulações sobre seu futuro, ficou definido esta semana que Bruno defenderá o Al-Arabi, do Qatar.

O Corinthians chegou a até tentar contratá-lo no meio do ano, mas a diretoria da Chape vetou
qualquer negociação. Apesar da proposta de um clube de Série A tê-lo seduzido, ele garante
que não se arrepende de ter ficado. O acesso e a artilharia fazem coro ao seu discurso.


Bruno Rangel em Campos (Foto: Tébaro Schmidt)Bruno Rangel vai defender time do Qatar
(Foto: Tébaro Schmidt)
 
- Se dependesse de mim, uma parte queria ir, e a outra não. Mas não me arrependi de ter
ficado e conquistado tudo isso – afirmou.


As metas para 2014 são muitas. Algumas até improváveis. “Mas não impossíveis", se defende
Bruno Rangel, que ainda sonha, quem sabe, com uma vaga na Seleção. Realmente, tudo é
possível para aquele que já se acostumou a surpreender.

- Estou feliz por tudo que conquistei, mas não me sinto realizado. Só vou me sentir assim
quando eu não tiver mais objetivos. Hoje eu tenho. Tenho o objetivo de jogar por um time de
Série A. Sonho é uma coisa que as pessoas acham que é impossível, mas eu não acho. Por isso eu tenho o sonho de jogar pela Seleção. Sei que é difícil, até pela minha idade. Mas é o meu sonho, e estou buscando.



FONTE:
http://globoesporte.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2014/01/humildade-e-o-despontar-tardio-um-dia-com-bruno-rangel-o-cacula.html

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