Campo do time de Montevidéu fica na beira do Rio da Prata e é de estrutura simples. Clube é centenário, possui histórica rica, mas vive período de altos e baixos
Quando se chega de avião a Montevidéu, um olhar atento ainda
das nuvens por quem é apaixonado por futebol revela uma característica da
capital uruguaia: ela é repleta de estádios de futebol. Desde o imponente e
tradicional Centenário até os mais simples, um deles se destaca na paisagem,
colado com o Rio da Prata, na região portuária da cidade: o Estádio Olímpico,
do modesto Rampla Juniors, um dos times mais antigos do país.
- É o estádio mais largo do mundo, por causa da distância
entre as tribunas – brincou o presidente do clube, Lucas Blasina, em alusão ao
fato de, na verdade, só haver tribuna de um lado do campo; do outro, está um
muro e, em seguida, surgem as águas do Rio da Prata.
Esta é a casa do clube considerado o terceiro grande do
Uruguai. A alcunha deve-se mais à rica história do Rampla Juniors, que
completou 100 anos em 2014, do que propriamente aos resultados esportivos recentes.
Os Picapiedras, como são conhecidos, ganharam a liga nacional apenas uma vez,
em 1927, ainda na era do futebol amador, e jamais disputaram a Libertadores ou
a Copa Sul-Americana – em sua sala de troféus, há outros torneios de menor
expressão no país, entre eles a comemorativa Copa Maracanã, disputada sugestivamente
em 1950.
Campo do Rampla fica à beira do Rio da Prata,
onde casco de navio tem homenagem ao clube
(Fotos: Felipe Schmidt)
O Rampla está no humilde bairro Villa del Cerro, uma área
residencial, perto da parte mais badalada de Montevidéu. Ali mora o atual
presidente uruguaio, Pepe Mujica, que torce para o Cerro, grande rival dos
Picapiedras. As duas equipes, aliás, disputam um dos clássicos mais famosos do
país, considerado por muitos o segundo mais importante, perdendo apenas para o
dérbi entre Peñarol e Nacional.
- É como o clássico entre Peñarol e Nacional, mas em menor
escala. São dois times do mesmo bairro, o ambiente é mais familiar.
Historicamente, o Rampla é conhecido por jogar um futebol mais técnico,
enquanto o Cerro é mais aguerrido – explicou Edson Pérez, torcedor do Rampla.
VÍTIMA DO FUTEBOL MODERNO
A sede social do Rampla é antiga, e o estádio é dos mais simples. Quando a reportagem do GloboEsporte.com chegou ao campo, com entrada escancarada, havia dois técnicos da base, poucos torcedores e alguns cachorros, preguiçosamente deitados no caminho rumo ao gramado. Um ambiente intimista e pouco comum na elite do futebol.
Fachada do Estádio Olímpico do Rampla, com
o gramado e o Rio da Prata ao fundo - e o cão
ao lado (Foto: Felipe Schmidt)
Talvez esta característica do Rampla explique por que o
clube não conseguiu se manter entre os grandes, como Peñarol e Nacional. Para Lucas
Blasina, no comando do clube desde 2007, as mudanças pelas quais o futebol
passou nos últimos anos atingiram em cheio os Picapiedras.
- Até a década de 1960 fomos grandes, mas depois aconteceu
uma mudança importante na estrutura socioeconômica nesta localidade. Aqui em
Cerro havia muitos frigoríficos, que desapareceram. Isso fez com que o Rampla
mudasse sua condição, de ser grande com tradição de excelência para ter muitos
altos e baixos. Sentiu o golpe. Foi consequência da mudança no futebol e na
estrutura local. Em 1966, por exemplo, Luis Ubiña, que disputou a Copa do Mundo,
jogava no Rampla e trabalhava oito horas numa fundição. Bem diferente do
futebol de hoje. O Rampla trazia jogadores do interior e dava trabalho a eles
nos frigoríficos. Se não tem mais frigorífico, não pode mais fazer isso. O
futebol mudou também – explicou Blasina.
No ano em que completou 100 anos, o Rampla teve uma alegria:
retornou à elite do futebol uruguaio. Mas ainda está longe de uma situação
estável – terminou o Torneio Apertura em 14º lugar, entre 16 times, e convive
com a ameaça do rebaixamento. Para Edson Pérez, apaixonado pelo clube,
esta é a tônica da equipe. Questionado sobre as alegrias que tem com os
Picapiedras, ele demorou para responder, mostrou um semblante de resignação e filosofou:
- É preciso avaliar o que é alegria (risos). Com o Rampla,
até as vitórias são sofridas. Podemos estar vencendo por 1 a 0 até os 45
minutos do segundo tempo, mas a água está sempre no pescoço. Esperamos fazer um
bom Torneio Clausura para ficarmos mais aliviados.
SITUAÇÃO ECONÔMICA "AMEAÇA" VISTA DO ESTÁDIO
Fora de campo, o lema também é sobrevivência. Segundo o presidente Blasina, o Rampla tem um dos orçamentos mais baixos da primeira divisão. É preciso trabalhar com esforço para atender às demandas diárias. Valorizar as divisões de base é um dos objetivos da diretoria.
- Precisamos trabalhar de forma diferente, trabalhar na base.
O Rampla está sofrendo este processo de mudança. O clube trabalha sozinho, com
muitas dificuldades, tem um orçamento muito curto, e isso dificulta todo o
investimento na base. Além disso, não tem tradição de trabalhar neste sentido.
Estamos tentando fazer essa mudança, mas é algo difícil de fazer.
Presidente do Rampla Juniors, Luca Blasina
cogita construir tribuna do lado do rio
(Foto: Felipe Schmidt)
As necessidades econômicas fazem com que até um dos maiores
orgulhos do clube possa ser alterado. O Estádio Olímpico é um dos mais
inusitados do mundo, com sua vista para o Rio da Prata. Apesar do nome
imponente, tem capacidade para seis mil pessoas – foi batizado desta forma
porque o dono do terreno é grego e quis homenagear o país natal. Para aumentar
a estrutura, Blasinas não descarta erguer outra tribuna e atrapalhar um pouco o
visual.
- O estádio é um orgulho para nós, tem muito valor histórico
e uma vista maravilhosa. Mas já está em consideração uma tribuna. Vamos tentar
fazer uma tribuna bem baixa, para colocar umas 1500 pessoas, justamente para
manter a vista. Mas este projeto não é prioridade.
Assim, entre o orgulho de seu passado e os desafios do
futuro, o Rampla Juniors tenta se manter no futebol moderno: num estádio em que
as bolas caem na água, com torcedores apaixonados e exigentes.
- As pessoas pensam que ainda somos o terceiro grande e
exigem muito, mas a realidade é que não somos mais, porque os resultados
esportivos mostram isso. Para voltarmos a ser, temos que começar a nos moldar à
realidade do futebol uruguaio, ter um bom trabalho de base, o que implica
investir, e os recursos são limitados. Estamos melhores que há 10 anos, mas é
um processo lento de desenvolvimento – completou Blasina.
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