Medicamento já foi cogitado por Grêmio e Palmeiras em 2009. Médico do Tricolor se mostra aberto a futuras experiências, mas fisiologista do Fla vê só fator psicológico
As
máscaras e cilindros de oxigênio só apareceram para a foto, e entre
sorrisos. Depois de mostrarem fôlego na derrota por 1 a 0 para o Bolívar
nos 3.600m de La Paz, na última quarta-feira (gol sofrido apenas nos
acréscimos da partida), os jogadores do San Lorenzo comemoraram no
vestiário do estádio Hernando Siles a inédita vaga na final da
Libertadores. O clube não admitiu, mas segundo a imprensa argentina um
dos segredos para enfrentar as temidas altitudes do torneio foi o uso de Viagra - havia feito o mesmo contra o Independiente del Valle, nos 2.500m da região metropolitana de Quito, no Equador.
O medicamento, famoso no tratamento de disfunção erétil, dilata os vasos sanguíneos e aumenta a oxigenação do sangue, o que teoricamente amenizaria os efeitos causados pelo ar rarefeito e baixa pressão atmosférica de grandes elevações.
A tática ainda é vista como novidade por muitos clubes, mas já vem sendo debatida e pesquisada no meio esportivo há alguns anos. Na Argentina, a médica especialista Mariana Lestelle explicou à Rádio Del Plata que, apesar da possibilidade de ereção, o organismo humano é inteligente e dilatará os vasos em função da necessidade do momento, tendo ação sobre os pulmões dos jogadores devido à dificuldade respiratória nas partidas.
A Agência Mundial Antidoping (Wada) também já financiou um projeto nas universidades de Miami e Stanford, nos Estados Unidos, e concluiu que a substância não é considerada doping. O estudo trabalhou com ciclistas em diferentes simulações de altitudes, e a conclusão foi de que é improvável que o "Sildenafil citrate" (nome científico do Viagra) ofereça benefícios para exercícios em locais com menos de 4.000m acima do nível do mar. Esta é a altitude justamente do palco mais alto de um clube que já disputou a Libertadores: o estádio Víctor Agustín Ugarte, do Real Potosí, em Potosí, na Bolívia.
Fora da lista de substâncias proibidas e sem comprovação científica de benefícios, a eficácia do Viagra contra altitudes fica a cargo de experiências. Além do San Lorenzo, nas últimas duas temporadas a imprensa peruana divulgou que o Universitario, da capital Lima, usou o medicamento para jogar contra o Cienciano nos 3.400m de Cuzco, pelo campeonato local.
No Brasil, Grêmio e Palmeiras já cogitaram fazer o mesmo durante a Libertadores de 2009, quando os paulistas enfrentaram Real Potosí (Bolívia) e LDU (Equador), e os gaúchos, Boyacá Chicó (Colômbia) e Aurora (Bolívia). Só que ambos desistiram da ideia. Na época, o tema era novo, e havia receio de alguns por causa do doping, ainda em estudo na ocasião. Mas o exemplo de sucesso do Ciclón argentino - que, além da magra derrota para o Bolívar, conseguiu um empate por 1 a 1 com o Independiente del Valle na fase de grupos - retoma o assunto no país.
Médico do Grêmio, Márcio Bolzoni foi quem na época deu entrevistas, depois das especulações, avisando que o clube não iria utilizar o Viagra. Cinco anos depois, o doutor tem poucas lembranças do debate sobre o tema e não se recorda de onde surgiu a ideia num período em que a adoção do medicamento no futebol era algo novo. Mas, após o exemplo do San Lorenzo, ele se mostrou aberto a futuras experiências caso se comprove o benefício do remédio na altitude.
- Acho que a própria experiência deles vai nos dar subsídios para o uso futuro. Não só pelo resultado, que não quer dizer muito, mas pelo rendimento, pela análise... Lembro de ter falado (sobre o assunto) porque se chegou na época a dar uma pesquisada. A gente foi estudar o que havia. Ainda era especulação, não havia documentação científica que desse respaldo para usar. E em futebol a gente não faz experiência, não é? No Top 10, Top 20 (de clubes) no Brasil, usam o que é mais comum. Mas a gente não joga com altitude aqui, não se tem onde treinar para diminuir o problema, e quando se entra na Libertadores tem esse tipo de situação. O Viagra seria uma opção se ficar comprovado o benefício, é uma arma que a gente vai pensar em utilizar - admitiu.
A recomendação médica para jogos em altitudes elevadas é a adaptação com vários dias de antecedência, o que quase sempre é inviável devido ao calendário das competições. Mas em 2009 o Palmeiras fez isso, dividindo o elenco em dois times - um para o início da Libertadores e outro para o Campeonato Paulista. Naquele ano, o alvo das perguntas sobre o uso do Viagra foi o fisiologista Cláudio Pavanelli, que atualmente está no Flamengo. Ele ainda se mostra cético com relação ao medicamento, enxerga apenas um possível benefício para o transporte de oxigênio pela circulação do sangue, o que não considera significativo.
- Sou rigorosamente contra, até que se prove que traz benefícios. No ano que vem, talvez se me entrevistar, posso falar que vou usar. A ciência é evolutiva, hoje é mentira, mas amanhã acontece outra coisa que vira verdade. Por enquanto, não vejo necessidade, porque num organismo, quando se faz atividade física, parte do aquecimento prepara seu corpo para o estresse e já tem uma dilatação vaso periférica. A ideia do Viagra é de ofertar mais oxigênio para chegar à musculatura como fonte de energia, mas existe outra linha de pensamento de que isso não adianta se o músculo não estiver pronto para a absorção. Além do mais, na parte respiratória, não existe relação direta entre maior dilatação e maior oferta de oxigênio. Não existe trabalho científico que eu conheça que prove uma melhora. Para corridas em altitudes, pode até achar um benefício, mas o futebol é uma atividade acíclica, que não é contínua: freia, para, muda a direção, corre de costas... É uma característica completamente diferente de outros esportes, não apenas de consumo de energia durante exercícios, mas de recuperação de oxigênio entre esses sprints - explicou.
O exemplo de sucesso do San Lorenzo na Libertadores não é o suficiente para Pavanelli, que acredita estar mais ligado à qualidade do time argentino contra os adversários equatoriano e boliviano. Além disso, ele vê um possível uso do medicamento mais ligado ao fator psicológico dos jogadores contra as temidas altitudes.
- O San Lorenzo é melhor tecnicamente, já começa por aí. Seria muito fácil falar depois do resultado. Eu, como fisiologista, não levaria em conta essa performance. Até gostaria, pois seria um trunfo. Eliminaria um monte de problemas fantasmas que a gente vê nos atletas. Quando vai à altitude, o mundo inteiro comenta, levanta situações de times que foram mal, e isso tudo cairia por terra. Seria fácil pegar o comprimido, dar aos jogadores e falar:
"Pronto, agora será como jogar no Maracanã" - imaginou o fisiologista, que brincou. - Deixa um aviso para o pessoal usar Viagra para outros motivos (risos).
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2014/08/viagra-contra-altitude-arma-do-san-lorenzo-retoma-discussoes-no-brasil.html
O medicamento, famoso no tratamento de disfunção erétil, dilata os vasos sanguíneos e aumenta a oxigenação do sangue, o que teoricamente amenizaria os efeitos causados pelo ar rarefeito e baixa pressão atmosférica de grandes elevações.
Necessidade ou brincadeira? Jogadores
do San Lorenzo posam com máscaras
de oxigênio no vestiário (Foto: Twitter)
A tática ainda é vista como novidade por muitos clubes, mas já vem sendo debatida e pesquisada no meio esportivo há alguns anos. Na Argentina, a médica especialista Mariana Lestelle explicou à Rádio Del Plata que, apesar da possibilidade de ereção, o organismo humano é inteligente e dilatará os vasos em função da necessidade do momento, tendo ação sobre os pulmões dos jogadores devido à dificuldade respiratória nas partidas.
A Agência Mundial Antidoping (Wada) também já financiou um projeto nas universidades de Miami e Stanford, nos Estados Unidos, e concluiu que a substância não é considerada doping. O estudo trabalhou com ciclistas em diferentes simulações de altitudes, e a conclusão foi de que é improvável que o "Sildenafil citrate" (nome científico do Viagra) ofereça benefícios para exercícios em locais com menos de 4.000m acima do nível do mar. Esta é a altitude justamente do palco mais alto de um clube que já disputou a Libertadores: o estádio Víctor Agustín Ugarte, do Real Potosí, em Potosí, na Bolívia.
Fora da lista de substâncias proibidas e sem comprovação científica de benefícios, a eficácia do Viagra contra altitudes fica a cargo de experiências. Além do San Lorenzo, nas últimas duas temporadas a imprensa peruana divulgou que o Universitario, da capital Lima, usou o medicamento para jogar contra o Cienciano nos 3.400m de Cuzco, pelo campeonato local.
No Brasil, Grêmio e Palmeiras já cogitaram fazer o mesmo durante a Libertadores de 2009, quando os paulistas enfrentaram Real Potosí (Bolívia) e LDU (Equador), e os gaúchos, Boyacá Chicó (Colômbia) e Aurora (Bolívia). Só que ambos desistiram da ideia. Na época, o tema era novo, e havia receio de alguns por causa do doping, ainda em estudo na ocasião. Mas o exemplo de sucesso do Ciclón argentino - que, além da magra derrota para o Bolívar, conseguiu um empate por 1 a 1 com o Independiente del Valle na fase de grupos - retoma o assunto no país.
Médico do Grêmio, Márcio Bolzoni foi quem na época deu entrevistas, depois das especulações, avisando que o clube não iria utilizar o Viagra. Cinco anos depois, o doutor tem poucas lembranças do debate sobre o tema e não se recorda de onde surgiu a ideia num período em que a adoção do medicamento no futebol era algo novo. Mas, após o exemplo do San Lorenzo, ele se mostrou aberto a futuras experiências caso se comprove o benefício do remédio na altitude.
- Acho que a própria experiência deles vai nos dar subsídios para o uso futuro. Não só pelo resultado, que não quer dizer muito, mas pelo rendimento, pela análise... Lembro de ter falado (sobre o assunto) porque se chegou na época a dar uma pesquisada. A gente foi estudar o que havia. Ainda era especulação, não havia documentação científica que desse respaldo para usar. E em futebol a gente não faz experiência, não é? No Top 10, Top 20 (de clubes) no Brasil, usam o que é mais comum. Mas a gente não joga com altitude aqui, não se tem onde treinar para diminuir o problema, e quando se entra na Libertadores tem esse tipo de situação. O Viagra seria uma opção se ficar comprovado o benefício, é uma arma que a gente vai pensar em utilizar - admitiu.
Cruzeiro teve de enfrentar o Real
Garcilaso e a altitude de Cusco na
fase de grupos da Libertadores
A recomendação médica para jogos em altitudes elevadas é a adaptação com vários dias de antecedência, o que quase sempre é inviável devido ao calendário das competições. Mas em 2009 o Palmeiras fez isso, dividindo o elenco em dois times - um para o início da Libertadores e outro para o Campeonato Paulista. Naquele ano, o alvo das perguntas sobre o uso do Viagra foi o fisiologista Cláudio Pavanelli, que atualmente está no Flamengo. Ele ainda se mostra cético com relação ao medicamento, enxerga apenas um possível benefício para o transporte de oxigênio pela circulação do sangue, o que não considera significativo.
- Sou rigorosamente contra, até que se prove que traz benefícios. No ano que vem, talvez se me entrevistar, posso falar que vou usar. A ciência é evolutiva, hoje é mentira, mas amanhã acontece outra coisa que vira verdade. Por enquanto, não vejo necessidade, porque num organismo, quando se faz atividade física, parte do aquecimento prepara seu corpo para o estresse e já tem uma dilatação vaso periférica. A ideia do Viagra é de ofertar mais oxigênio para chegar à musculatura como fonte de energia, mas existe outra linha de pensamento de que isso não adianta se o músculo não estiver pronto para a absorção. Além do mais, na parte respiratória, não existe relação direta entre maior dilatação e maior oferta de oxigênio. Não existe trabalho científico que eu conheça que prove uma melhora. Para corridas em altitudes, pode até achar um benefício, mas o futebol é uma atividade acíclica, que não é contínua: freia, para, muda a direção, corre de costas... É uma característica completamente diferente de outros esportes, não apenas de consumo de energia durante exercícios, mas de recuperação de oxigênio entre esses sprints - explicou.
O exemplo de sucesso do San Lorenzo na Libertadores não é o suficiente para Pavanelli, que acredita estar mais ligado à qualidade do time argentino contra os adversários equatoriano e boliviano. Além disso, ele vê um possível uso do medicamento mais ligado ao fator psicológico dos jogadores contra as temidas altitudes.
- O San Lorenzo é melhor tecnicamente, já começa por aí. Seria muito fácil falar depois do resultado. Eu, como fisiologista, não levaria em conta essa performance. Até gostaria, pois seria um trunfo. Eliminaria um monte de problemas fantasmas que a gente vê nos atletas. Quando vai à altitude, o mundo inteiro comenta, levanta situações de times que foram mal, e isso tudo cairia por terra. Seria fácil pegar o comprimido, dar aos jogadores e falar:
"Pronto, agora será como jogar no Maracanã" - imaginou o fisiologista, que brincou. - Deixa um aviso para o pessoal usar Viagra para outros motivos (risos).
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2014/08/viagra-contra-altitude-arma-do-san-lorenzo-retoma-discussoes-no-brasil.html
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