Seleção local é um dos poucos fatores de congregação entre as diferentes etnias do país, ainda marcado pela guerra. Liga nacional só foi unificada a partir de 2002
De
um lado, estava o tradicional Zeljeznicar, da capital Sarajevo, de
população majoritariamente muçulmana. Do outro, perfilava o Zrjinski,
reduto dos croatas da cidade de Mostar. Em jogo, a liderança do
Campeonato Bósnio. Mas, neste sábado, talvez sem saberem, os dois times
eram vitoriosos: o duelo, vencido pelo Zeljo por 2 a 1, foi mais um
exemplo de como o futebol tem ajudado na união da Bósnia, ao colocar
frente a frente duas etnias que num passado não tão distante estavam em
guerra.
Com o sucesso da seleção local, que disputará, no Brasil, sua primeira Copa do Mundo, houve um raro momento de união entre as três diferentes etnias do país: os muçulmanos bosniaks, os católicos bósnios croatas e os ortodoxos bósnios sérvios. Por outro lado, a partida entre Zeljeznicar e Zrjinski contou apenas com torcedores do anfitrião Zeljo - fãs visitantes estão proibidos desde 2011 por causa de constantes conflitos, a maioria deles de motivações étnicas.
Jogadores do Zeljeznicar e do Zrjinski se
cumprimentam antes do jogo
(Foto: Felipe Schmidt)
A divisão chega a tal ponto que, dentro do território da Bósnia, existe a República Sérvia, colada na fronteira com a Sérvia. Nesta região, o alfabeto é cirílico, como no país vizinho, ao contrário do latino utilizado no resto da nação. A principal cidade é Banja Luka, embora Sarajevo esteja dentro dos limites. Ali, há constituição, legislação e poder jurídicos diferentes e independentes da Federação da Bósnia e Herzegovina, a outra entidade política do país.
- Em Sarajevo as pessoas já começam a se integrar melhor, mas em outras partes do país, especialmente no interior, ainda há muito este problema de etnia. Os políticos também colaboram e incitam este pensamento - relatou Nerman Catic, de 26 anos, professor de Educação Física e muçulmano, morador da capital bósnia.
Durante a Guerra da Bósnia, as três etnias lutaram entre si por frações do território. Após a declaração de independência dos bósnios, os sérvios do país, apoiados pelo governo de Belgrado, cercaram Sarajevo por quase quatro anos e promoveram massacres em outras cidades, sendo Srebrenica o caso mais famoso - cerca de oito mil bósnios muçulmanos foram mortos no genocídio de 1995. Os croatas também se rebelaram: declararam a República Croata da Bósnia, com capital em Mostar, e pleitearam sua anexação à Croácia.
Torcida do Zeljeznicar durante partida contra o
Zrjinski (Foto: Felipe Schmidt)
O papel do futebol
Durante este período, a tensão respingou no futebol. O Zrjinski, por exemplo, foi fundado em 1905 e é o mais antigo clube da Bósnia. Entretanto, ficou fechado entre 1945 e 1992, durante toda a existência da Iugoslávia, por conta de sua forte ligação com o nacionalismo croata - o nome do time é em homenagem a uma família nobre da região.
A desconfiança mútua era tanta que, até 2002, a Bósnia não tinha uma liga nacional unificada - sérvios e croatas tinham seus próprios campeonatos. Somente na temporada 2002/2003 teve início a Premier League do país, com times de todas as etnias e regiões. O maior campeão é o Zeljeznicar, com cinco títulos, que ocupa atualmente a primeira colocação do torneio e pode conseguir a terceira taça consecutiva.
Apesar dos problemas, há um ponto que colabora para o rápido entendimento entre as partes: a seleção local. A classificação da Bósnia para a Copa do Mundo foi comemorada em todas as partes do país, sem exceções ou restrições. Por um momento, todos se sentiram simplesmente bósnios.
Bósnios em festa pela classificação para a
Copa do Mundo, em junho de 2013
(Foto: Reprodução / Instagram)
- Nossa seleção é o principal exemplo para as pessoas deste país. Os jogadores mostraram que, se estivermos juntos, podemos fazer muitas coisas. Fico feliz que os jovens do futebol mostrem isso às outras pessoas - disse Predrag Pasic, ex-jogador e fundador da escola Bubamara, que, desde o período da guerra, aceita crianças de todas as etnias.
De fato, a seleção é um caso raro num país tão fragmentado pelas diferenças étnicas e religiosas: a dupla de ataque formada por Dzeko e Ibisevic é muçulmana, mas o vice-capitão do time, o meia Misimovic, é sérvio, enquanto o zagueiro Pandza é croata. Vem deste time a esperança por dias melhores na Bósnia.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2014/03/o-poder-da-bola-como-o-futebol-ajuda-bosnia-no-caminho-da-uniao.html
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