Tricolor estreia na Libertadores com Nacional, com quem reserva íntima relação. Desde aos menos 1916, uruguaios atuam e fazem a diferença no clube gaúcho
Por Lucas RizzattiDireto de Montevidéu
Grêmio posa com bandeira do Nacional antes doamistoso que inaugurou Olímpico (Foto:
Reprodução)
Talvez
bastassem simbolismos como uma camiseta celeste e o orgulho de adaptar o
Maracanazo ao calar o estádio na final da Copa do Brasil de 1997, quase
50 anos depois do feito original, para notar a fascinação e a
identificação do torcedor gremista com a cultura do futebol uruguaio.
Que tende a ir muito além disso. É quase como um casamento oficial, de
papel passado e tudo. Até porque, como todo matrimônio, já houve briga
séria entre esses "hermanos" unidos pela bola.
Ao estrear na
Libertadores pela 15ª vez diante do Nacional-URU às 22h15m desta
quinta-feira no Parque Central, o Grêmio, além de deflagrar o sonho do
tri, reabre infindáveis janelas da linha do tempo de sua história. Com o
próprio Nacional e o povo charrua. Que faz do Tricolor um gaúcho de DNA
híbrido. Um legítimo "doble chapa".
A
sessão nostalgia foi aberta esta semana pelos próprios clubes, por meio
do Twitter oficial de ambos. Trocaram mensagens de respeito, com fotos
da inauguração do Olímpico, em 19 de setembro de 1954. O amistoso entre
as equipes terminou 2 a 0 para o Grêmio, gols do centroavante Vitor. Mas
os sentimentos no futebol são voláteis. Da cortesia ao ódio bastou um
passo. O árbitro Arthur Vilarinho apitou o final de jogo, um dos
uruguaios saiu em desabalada corrida atrás de Orli. O defensor usou a
sua boa força física e velocidade e conseguiu adentrar no vestiário
tricolor. Saiu ileso.
Confusão generalizada no amistoso inaugural do
Olímpico (Foto: Divulgação/Memorial
Herminio Bittencourt)
O
mesmo não vale para o Nacional, que, anos antes, sofreria derrota para o
Grêmio no Estádio Centenário. Um feito histórico para os azuis de Porto
Alegre na noite de 14 de maio de 1949. Pentacampeão uruguaio, o
Nacional tinha dois jogadores que seriam, no ano seguinte, campeões da
Copa do Mundo no Brasil. Tejera e Gambetta, no entanto, antes do
estrelato, viram o Grêmio virar, fora de casa. Castro fez 1 a 0 para os
uruguaios. Mas Teotônio, Geada e Alegretti remexeram no placar. A
vitória ganhou contornos ainda mais apoteóticos por ser o primeiro
transmitido para o Rio Grande do Sul de fora do país - méritos, na
ocasião, à Rádio Gaúcha.
primeiro jogo fora no uruguai
O
3 a 1 repercutiu imensamente, a ponto de o Grêmio ser convidado para
uma excursão pela América Central. Isso que nem havia sido o primeiro
jogo do Tricolor fora do país - embora tenha sido o resultado mais
expressivo. A partida pioneira ocorreu, lógico, no Uruguai. Em 1936,
batera o Oriental, de Rivera, por 2 a 0.
Uruguaios formavam quase metade do time que venceu tudo em 1917 (Foto: Reprodução)
Essa
relação tão profícua ganhou força muito antes. Um dos primeiros
registros de uruguaios no Grêmio aponta para 1916, quando a Celeste
visitou a Baixada, antiga casa tricolor no bairro Moinhos de Vento. Os
gaúchos venceram de virada, no maior triunfo do clube até então. O 2 a
1, no entanto, rendeu outros frutos. Quatro, na verdade.
O
centro-médio Julian Bertola se apaixonou pelo Grêmio e, no ano seguinte,
voltou para ficar. Trouxe a tiracolo mais três companheiros: o zagueiro
Eduardo Garibotti e os atacantes Nicanor Rodriguez e Eduardo Behegaray.
Com metade do time com sotaque espanhol, o Grêmio de 1917 foi
irresistível. Disputou 18 jogos no ano, com 16 vitórias e dois empates,
marcando 117 gols e sofrendo apenas 13.
na defesa: de ancheta a de león
Recorrer
a uruguaios para levantar taças não ficou restrito aos primórdios do
Grêmio. Em 1971, por exemplo, aportava no Olímpico Atilio Ancheta,
escolhido na temporada anterior o melhor zagueiro da Copa de 1970, mais
conhecido no Brasil por tentar desesperadamente evitar o gol que Pelé
acabou não fazendo, na semifinal. O atual cantor de boleros virou ídolo e
levantou o simbólico Gauchão de 1977, que limou oito anos de hegemonia
colorada. No gol daquele time... claro, outro uruguaio: Corbo.
De Léon com a taça do Mundial, em 1983
(Foto: Site oficial do Grêmio)
Mas
é evocar a figura de Hugo de León para que toda essa história de idas e
vindas, derrotas, vitórias e rusgas fazer todo o sentido. O ex-zagueiro
é a síntese. Em 1980, com o Nacional, venceu o rival Inter na final da
Libertadores. Em 1981, já acertado com o Grêmio, venceu o Mundialito em
Montevidéu, sobre o Brasil, que se transformaria naquela aclamada
seleção da Copa de 1982. Ao erguer a taça perante uma torcida
enlouquecida, mostrou que, por baixo da camisa celeste, vestia o manto
do Grêmio, em homenagem ao esforço feito pelo clube para contratá-lo.
Mal
sabia o Grêmio que reverência maior viria com o esforço em campo.
Capitão absoluto, líder nato e zagueiro técnico, De León levantou a
Libertadores e o Mundial em 1983. Que voltaria a levantar em 1988 pelo
Nacional. Agora, em 2014, ambos sem De Léon, querem voltar a sentir essa
rara sensação. É hora, portanto, de a amizade dar um tempo. Há uma nova
história a ser contada a partir das 22h15m no Parque Central.
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