Grande promessa do Flu em 2006, atacante está há quase ano e meio sem disputar jogo oficial. Além de relembrar histórias, fala em volta por cima no Atlético Sorocaba-SP
Lenny Fernandes Coelho é um desses jogadores que têm histórias para contar. São tantas que podem até fazer com que ele pareça mais velho do que é na realidade. No entanto, não se engane: ele ainda é um garoto de 25 anos. E com o mesmo semblante moleque que em 2007 encantava a torcida do Fluminense. Veloz e habilidoso, viu o futebol carioca ao seus pés. Mas por pouco tempo.
Um ano depois, a má fase forçou uma saída pela porta dos fundos do clube rumo a Portugal.
Retornou ao Brasil para jogar no Palmeiras. Novamente virou uma esperança, mas as lesões foram vilãs. Rodou ainda por Figueirense, Boavista, Madureira, Desportivo Brasil e Ventforet Kofu (JAP) e praticamente desapareceu dos holofotes do futebol.
Lenny rejeita o rótulo de joia perdida: 'Ainda
tenho muito para brilhar'
(Foto: Marcos Paulo Rebelo)
Agora, há mais de um ano distante dos gramados, Lenny está próximo do retorno. Desta vez, pelo Atlético Sorocaba, clube que disputa a elite do futebol paulista. Para quem um dia já foi esperança de uma torcida como a do Fluminense e reforço de peso de um Palmeiras, atuar por um clube do terceiro escalão do futebol de São Paulo não deixa de ser um recomeço - cheio de esperança, é verdade. No entanto, a juventude de Lenny permite novas tentativas. Essa é mais uma delas.
- O campeonato é curto, tem que começar bem. Um objetivo de cada vez. O principal é fazer um bom Campeonato Paulista e aí, sim, pensar em voltar a um clube grande. Não tem como planejar, é viver esse Campeonato Paulista e tentar ter um bom rendimento - disse Lenny, que não disputa uma partida oficial há praticamente um ano e meio.
Uma das distrações de Lenny é o Instagram: já tem mais de 3 mil seguidores (Foto: Marcos Paulo Rebelo)
- Eu gostaria que ninguém, mas ninguém mesmo, falasse comigo na rua. Mas isso não tem como. Hoje em dia eu não gostaria. Eu acho que as pessoas admiram uma pessoa porque elas gostam do trabalho dela. A partir do momento que você não tem mais isso (o trabalho a ser admirado), acho que não existe necessidade (de idolatria). Eu queria andar na rua normal, ir ao restaurante e ninguém falar comigo. Fico incomodado. Eu não vou tratar mal a pessoa, mas quando for chato também... Sempre gostei muito de velho e criança. Adulto "normal" eu tenho minhas ressalvas. É porque vão falar comigo coisas que vão me irritar. São as perguntas: "Onde você está?", "Você está machucado?". A última impressão fica, e é chato. Comentar minha carreira é chato. Eu preferiria não ser reconhecido - disse o jogador.
O retorno fez Lenny pensar na carreira. Os acertos, erros... O GloboEsporte.com participou dessa reflexão. O divã - ou cenário - era a varanda da casa da mãe, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, com um belo entardecer ao fundo. Não foi fácil ouvir o jogador. Avesso à imprensa, Lenny prefere fugir das entrevistas. Depois de aceitar, a espera foi demorada Três horas até ele concretizar a venda de um carro - sim, Lenny hoje também é um investidor. A conversa foi longa, e a carreira de Lenny - contada pelo próprio jogador - você confere abaixo.
o começo e a explosão no flu
- Mudou em vários aspectos. Eu passei a ser o cara que ia resolver todos os jogos. Todo jogo eu teria que driblar todo mundo e fazer os gols. Depois da parada para a Copa, o time foi muito mal. Hoje em dia, você blinda o moleque novo e joga a responsabilidade para os mais velhos. Quem dá entrevista é o cara mais velho. Naquela época, não tinha esse aparato de assessoria. Não tinha esse pensamento com a joia do clube. O time foi mal, eu caía mais ainda. Com aquele peso da cobrança era ainda pior. Hoje, no Fluminense, o garoto vai mal, mas falam do Fred. O Wellington Nem ia bem em todos os jogos? Não. Mas quando ia mal, falavam dos mais experientes. São esses aspectos que não aconteceram comigo. Eu tinha 17 anos. Depois da 'Era Neymar', o pensamento com o jovem jogador mudou. O caso dele mudou a forma de trabalhar dos clubes - relembrou Lenny.
O dia seguinte também foi muito importante para Lenny. Guarda até uma história engraçada. O jogador havia marcado um encontro com uma garota - que, posteriormente, viria a ser sua companheira por sete anos. Ansioso para o compromisso, Lenny teve que enfrentar um batalhão de repórteres no aeroporto do Rio sedentos por suas declarações. E, acredite, esse não foi o único desafio.
- Eu ia sair com uma menina que viria a ser minha namorada. Na hora em que eu cheguei ao aeroporto, os jornalistas apareceram, e eu querendo ir embora para encontrar com ela. Eu falava com ela há um mês, menina que mexia comigo, e queria logo encontrá-la. Não conseguia ir embora. Depois, ainda tinha que escapar dos repórteres porque eu era menor de idade e não podia dirigir, né? - diz Lenny, entre gargalhadas.
O DINHEIRO E AS MOLECAGENS
O Lenny desconhecido ganhava R$ 400. Despontou, passou a ganhar R$ 2.500. O mundo dos carros já enchia os olhos do jogador de origem pobre. Após o jogo contra o Cruzeiro, o contracheque apontava R$ 20 mil. Com o aumento, Lenny não hesitou. Correu para uma concessionária. De lá, saiu com um Audi dourado e um carnê recheado de parcelas. No entanto, o salário atrasou, e faltou dinheiro, acredite, para a gasolina.
- Com 17 anos, a gente faz muita b... . Eu não acho errado o cara no primeiro salário comprar um carro. Naquela época, eu só queria comprar carro. Eu tinha um salário de R$ 2.500, mas no mês seguinte ia ganhar R$ 20 mil. Daí fui comprar um carro. Vi um Audi dourado e falei: "Quero esse carro". E eu nem tinha recebido o aumento, seria no mês seguinte. Não dei um real de entrada. Muita parcela. Parcelei e paguei quase dois carros. Ainda comprei um carro todo sambado. Mas aconteceu que o salário atrasou, e eu tinha um Audi, mas não tinha dinheiro pra pagar gasolina.
Tive que pedir ao meu empresário: "Me dá dinheiro aí que eu não tenho para colocar gasolina."
Eu tinha 17 anos, nunca tinha visto dinheiro na minha frente. Eu não tinha cabeça? Claro que não tinha cabeça. Tinha 17 anos. Fui ao shopping, aquilo parecia um parque de diversões pela primeira vez. Só ia em shopping pra comprar uma bermuda - disse.
Uma outra passagem de Lenny, ainda no Fluminense, mostra como a pouca idade - e uma certa imaturidade - se refletia também no profissional. Sob o comando de PC Gusmão, o atacante comprou um carro, que, coincidentemente, era o mesmo modelo do chefe. O meia Carlos Alberto levantou a história, PC Gusmão alfinetou, e Lenny rebateu.
- O Carlos Alberto veio me zoar: "Comprando carro igual ao do chefe, né, Lenny?." Eu falei para ele: "Cala a boca, cara!." O PC Gusmão ouviu e falou: "Mas o meu é todo completo." Eu não pensei duas vezes e mandei: "Mas eu tenho 18 anos, né?". Ele não gostou nem um pouco da brincadeira e me afastou por dois jogos ainda - contou Lenny, não segurando o riso.
a saída do flu e a mágoa
Lenny comemora gol com a camisa do Fluminense (Foto: Agência Fotocom.net)
- Eu senti o peso da responsabilidade de um Fluminense. E eu não sou como o Neymar, por exemplo, que é amado. Sou diferente. Não sou daqueles caras que têm 200 amigos. Sou mais fechado. O Neymar acho que tem quatro melhores amigos, tenho um e olhe lá. Acho que isso ajuda. Esperava um abraço maior. Estava lá há dez anos. Hoje tenho uma cabeça diferente. Claro que me faltou experiência, mas todo mundo precisa de um suporte. Principalmente quando se é jovem. Por tudo que eu fiz no tempo em que fiquei no Flu, acho que poderiam ter feito um pouco mais por mim. Acabou o ano de 2006, contrataram jogadores. Eu ainda tinha resquícios de não ter terminado bem o ano. Um exemplo: Neymar terminou mal 2009, mas começou 2010 voando. Tudo isso porque ele teve um suporte. Eu tinha 18 anos, era um garotão. Perdi espaço - analisou.
Em seguida, Lenny foi emprestado para o Braga, de Portugal. Ficou seis meses e fez apenas três partidas, marcando um gol. Durante o período de empréstimo, a Traffic comprou seus direitos federativos e o cedeu ao Palmeiras.
a tentativa e o grande erro
- Eu nunca fui de sofrer lesão. Tinha lesões comuns. No Palmeiras, acabei tendo mais problemas. Eu operei o pé, logo em seguida operei o joelho. Depois disso, comecei a ter problemas musculares. Ingenuidade minha ou burrice, não sei - contou.
Lenny diz que ainda guarda muito carinho pelo
Palmeiras (Foto: Marcos Ribolli /
Globoesporte.com)
- Sempre fui criado pelos meus avós. Não fosse por eles, eu não estaria em pé aqui agora. O certo é pai e mãe criarem. Nunca fui mimado. Sempre tomei sozinho as decisões da minha vida.
Inclusive, Lenny aponta e assume sozinho o que ele acredita ser o maior erro da sua carreira: a ida para o Figueirense. O atacante nunca escondeu sua chateação com o clube que, segundo ele, atrapalhou o tratamento de recuperação da cirurgia do joelho direito.
- Saí para ir para o Figueirense. Esse foi o maior erro da minha carreira, sem dúvida. O Kleber (Gladiador) falou para mim: "Mas tu é uma mula. Por que você não ficou aqui?". Nessa época, eu estava nos Estados Unidos, e então surgiu a proposta do Figueirense. Foi o meu grande erro. Quando eu cheguei lá, encontrei uma estrutura horrível, profissionais péssimos. E para quem está voltando de um problema no joelho, não adiantam só exames, tem que fazer um bom trabalho de reforço muscular. Meu futebol era muita velocidade e força. Lá (no Figueirense), eu não consegui recuperar nada disso - detonou Lenny.
Dívida com o flu ou palmeiras?
Lenny encheu de esperanças a torcida do Fluminense, que vivia tempos difíceis quando ele surgiu. No Palmeiras, foi contratado como reforço de peso. Em nenhum dos dois clubes o atacante conseguiu um sucesso duradouro. E quando a pergunta é se ele sente que tem uma dívida com os clubes, Lenny não titubeia.
- Se eu tiver alguma dívida, é com o Palmeiras. Lá eu passei um ano e meio machucado. Lá eu fui querido. Dentro do grupo e também da torcida, coisa que não enxerguei no Flu. No Fluminense, sinto que eu não tenho dívida nenhuma.
joia perdida?
Lenny vai reforçar o Atlético Sorocaba no Campeonato Paulista (Foto: Emílio Botta / globoesporte.com)
- Se eu puder jogar 10 jogos seguidos, vou ficar muito feliz. Eu quero ter uma sequência, coisa que não tenho há três anos. Claro que tem aquele lance de jogar em um estádio cheio. Sempre fui acostumado a jogar em estádio cheio. De um tempo para cá, não. Preciso só de sequência. Eu tenho ideia que eu não sou um jogador normal. Faço coisas que são diferenciadas. De qualquer forma, me sinto um vencedor, mas que ainda tem muito para vencer. Eu não sou uma joia perdida.
Sou uma joia a brilhar, mas isso só depende de mim.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/rj/serra-
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