quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Brasil Afora: de Vigia a Cheiroso, clube alagoano mantém tradição de apelidos

São Luiz joga na Segunda Divisão profissional sem pagar salários e chama a atenção já na escalação do time. Zé Carlos e Thiago são estranhos no ninho

Por *GLOBOESPORTE.COM Maceió-AL

O tempo mudou o futebol brasileiro. Numa época gloriosa, jogadores como Pelé, Garrincha, Zico e Tostão foram imortalizados com seus apelidos estampados nas capas dos jornais do Brasil e do exterior. Craques com a bola nos pés, até eles estranhariam se fossem chamados na rua de Edson, Manuel, Arthur e Eduardo, respectivamente. Hoje, o esporte nacional está repleto de nomes compostos e até certo ponto pomposos, na opinião de alguns boleiros. Rogério Ceni, Everton Ribeiro, Diego Tardelli e Renato Augusto são apenas alguns dos exemplos de atletas que ganham força nas escalações das partidas mais badaladas.

Mesmo assim, no interior do país ainda conseguimos encontrar exemplos de "resistência". Mais próximos das peladas, jogadores de clubes pequenos não entram na moda da elite. Sem pressão de empresários ou constrangimento, preferem usar seus apelidos. Alguns deles até ganham fama não por conta do futebol apresentado em campo, mas pelos nomes curiosos que escolheram.

Equipe do São Luiz-AL (Foto: Leonardo Freire/GLOBOESPORTE.COM) 
Time do São Luiz no jogo contra o Coruripe, dia
 27/10: Dinho; Branco, Tchã, Zé Carlos, Vigia,
 Fio e Tiago; Agachados: Coroa, Cheiroso, PH
 e Hominho (Foto: Leonardo Freire/
GLOBOESPORTE.COM)
 
É o caso do São Luiz, time do interior de Alagoas, que manteve intacta a tradição brasileira dos apelidos na Segunda Divisão do Estadual de 2013. Nas semifinais, a equipe foi eliminada pelo Coruripe com um empate sem gols, mas sua escalação não vai ser facilmente esquecida.
O clube de São Luís do Quitunde também chama atenção pela falta de salários. Em comum acordo com a diretoria, nenhum atleta do grupo recebeu para disputar a Segundona. Uns entraram em campo por amor ao esporte, outros para tentar mostrar serviço e, quem sabe, chegar à Série A do futebol alagoano.

Quase um time de apelidos
Antes da primeira partida do mata-mata contra o Coruripe, o São Luiz ganhou destaque na imprensa de Alagoas. Chamou a atenção para a formação anunciada pelo técnico Hélio Miranda Filho. Na defesa, o goleiro Dinho e os laterais Zé Carlos e Branco não despertaram a curiosidade. Seus apelidos estão até batidos entre os boleiros. Mas o miolo de zaga reserva "pérolas" para quem defende a velha cultura do futebol nacional: Hominho e Tchã ganharam a missão de passar o ferrolho na equipe e, com muita disposição, livrar o São Luiz de atacantes oportunistas e matadores.

Hominho, um dos zagueiros do São Luiz (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Hominho comanda a zaga do Tricolor (Foto:
 Henrique Pereira/ GloboEsporte.com)
 
- Meu pai me chamava de Hominho quando eu era pequeno e assim ficou. Todo mundo só me conhece assim - explicou o xerifão do Tricolor.

Companheiro de zaga de Hominho, Tchã garante que seu apelido não faz alusão ao humorista Tião Macalé ou à banda baiana das ex-dançarinas Carla Perez e Sheila Carvalho.

- Muita gente acha isso, mas não (risos). Quando criança, os parentes chegavam lá em casa e diziam que eu era muito bonito e que, quando crescesse, ficaria o Tchã. Aí, não teve jeito. Caiu na boca da meninada e pegou.

No meio-campo, mais surpresas. Afinal, não é todo dia que se encontra um Vigia na posição de volante. Ai de quem tentasse dar uma pedalada em cima do bravo meio-campista, criado entre os valentes dos campinhos esburacados de usinas. E não para por aí: se Vigia tem a função de proteger a defesa, Cheiroso entra em campo para dar um toque refinado à equipe. O apelido incomum, conta o meia, surgiu de sua fama de conquistador incorrigível, uma espécie de Heleno de Freitas do Sertão.

Cheiroso diz que recebeu o apelido das meninas que se encontrava (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Cheiroso diz que recebeu o apelido das
 meninas(Foto: Henrique Pereira/ 
GloboEsporte.com)
 
- Eu já tinha esse apelido desde que saí da minha cidade natal, Passo do Camaragibe. Eu morava em uma fazenda lá, e as meninas com quem saía sempre diziam que eu era cheiroso (risos). Aí a turma ficou brincando com o nome e, desde que eu cheguei aqui no São Luiz, na categoria sub-18, o apelido pegou e acabou ficando – explicou Cheiroso ou Ewerson dos Santos, para os íntimos.
Bem-humorado, Vigia jura que não sabe a origem do apelido, mas não reclama dos companheiros e garante total proteção à defesa do São Luiz.

- Desde os cinco anos de idade meu pai me chama assim, e eu até hoje não consigo descobrir a razão. Mas tanto chamaram que acabou pegando, e hoje todo mundo me conhece por esse apelido. É Vigia, que está sempre vigiando a defesa. Pra passar por mim, só eu não vendo mesmo (risos).
Vigia, ou Cícero Luís dos Santos, é um dos poucos do time que têm duas profissões. Quando não está nos gramados, ganha a vida como operador de máquinas em uma usina na cidade.

- Pra mim foi muito gratificante chegar longe na competição. Eu treino muito pouco. Como eu trabalho na usina no turno da madrugada, largo de manhã logo cedo e não consigo acompanhar o ritmo dos outros companheiros. Mesmo com as dificuldades, essa é a minha sétima participação na Segundona. Esse tipo de campeonato é assim mesmo. É força de vontade. Queria agradecer muito ao presidente João Neto e ao professor Hélio, que sempre foram muito compreensíveis com a minha situação e nunca deixaram de me apoiar. E, se precisarem de mim ano que vem, estarei aqui pra ajudar.

Vigia é o responsável de estar de olho na meia do São Luiz (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Vigia é o responsável pela segurança do meio-
campo(Foto: Henrique Pereira/ 
GloboEsporte.com)
 
No imponente ataque do São Luiz, uma figura também merece menção honrosa. Ao lado do valente Fio e do habilidoso PH, Coroa carrega nas costas a 11 e a responsabilidade de encontrar os atalhos para o gol.

- Ele é até novinho, mas ganhou esse apelido porque jogava no meio dos mais velhos, dos coroas. O pessoal aqui é criativo (risos) - explicou o presidente do clube, João Neto.

O onze, como não poderia deixar de ser, ganhou força na voz dos locutores de rádio, que, com um toque de nostalgia, subiram o tom em todos os jogos do São Luiz para escalar do goleiro ao ponta-esquerda: Dinho; Zé Carlos, Hominho, Tchã e Branco; Tiago, Vigia e Cheiroso; PH, Fio e Coroa.

PH (dir) foi o artilheiro da Segundona (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
PH (à dir). foi o artilheiro da Segundona
(Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com)
 
Já o goleador do São Luiz poderia seguir a moda dos nomes compostos, mas para que complicar se a ordem é fazer do time uma extensão dos campos de peladas? PH é mais simples e facilita até na hora de colocar o nome na camisa.

- Mesmo sendo Paulo Henrique, desde pequeno a família e os amigos, lá em Passo de Camaragibe, até para simplificar, me chamavam de PH. Aí foi ficando. Os nomes da turma daqui são sempre motivo de resenha. A grande maioria aqui se conhece há muito tempo, e por isso o clima é sempre muito bom.

Artilheiro da Segundona, com cinco gols, o atacante vive a expectativa de ser aproveitado por alguma equipe da Primeira Divisão do Alagoano.
- É isso o que eu quero. Acredito que fiz um bom campeonato, mas vamos ver no que dá. O presidente está cuidando dessa situação e, se pintar alguma coisa, eu vou ficar muito feliz, sem dúvida.

Os apelidos marcantes do São Luiz também ganham força no banco de reservas, onde se destacam o goleiro Guinho e o zagueiro Neguinho, além dos atacantes Big e Gordinho, sósia do ídolo nacional Walter, artilheiro do Goiás.

Heróis da resistência

Tiago, um dos poucos do São Luiz que não ganharam apelido (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Tiago, um dos poucos no São Luiz que não
ganharam apelido (Foto: Henrique Pereira)
 
O dramaturgo Nelson Rodrigues costumava desprezar as unanimidades. Assim, para quebrar a regra no São Luiz, há um meio-campista que ainda resiste aos apelidos. O experiente Tiago até brinca por ter escapado da onda.

- Situação bem divertida. Eu escapei porque cheguei depois (risos). Durante a semana de treinamentos, nós sempre brincamos muito com eles, principalmente com o Vigia e o Cheiroso. São pessoas muito boas e bastante competentes. Essa meninada que esteve conosco aqui nessa competição tem qualidade. Tenho esperança de que no ano que vem a maioria vai jogar na Primeira Divisão aí.

Foram dois meses de muita superação, mesmo com toda a imprensa nos tachando de saco de pancadas"
 Tiago
 
Capitão do time durante a Segundona, ele lamentou a eliminação do São Luiz nas semifinais, mas exaltou a união do grupo. Formado em sua maioria por jovens atletas vindos da base, o elenco teve poucos jogadores na faixa dos 30 anos, como é o caso do próprio Tiago e do atacante Edson Sá, que chegaram ao clube no decorrer da competição.

- Eu estava até conversando com os companheiros aqui sobre a nossa campanha. Foram muitas dificuldades, enfim, dois meses de muita superação, mesmo com toda a imprensa nos tachando de saco de pancadas. Mas futebol é jogado dentro de campo. Tivemos momentos de oscilação no campeonato, mas depois conseguimos nos acertar. No primeiro jogo, contra o Sete, tínhamos feito só um treino antes do jogo, e saímos de campo com um empate. Depois disso, só fizemos crescer e embalar. Foi muito gratificante, especial demais.

Presidente João Neto admite: "Ninguém recebe para jogar no São Luiz"

Presidente do São Luiz, João Neto montou um time que não ganha salários (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Presidente do São Luiz, João Neto montou
 umtime sem pagar salários (Foto: Henrique
Pereira)
 
Presidente do São Luiz, João Neto tem uma grande capacidade de convencimento. Não é fácil no futebol de hoje manter até um time de pelada sem pagar salários. Apesar da falta de recursos, ele colocou o clube nas semifinais de uma competição profissional.

- Fora do futebol, eu era encarregado da segurança em uma usina. Depois, sempre me dediquei a trabalhar com a criançada. Antes de me dedicar só ao São Luiz, eu ainda montei o América aqui da cidade. Mas há uns sete anos, depois que profissionalizamos o clube, a dedicação se tornou total.  Este ano, tivemos muitas dificuldades. Eu fiquei sozinho para montar o time, tive o apoio somente do meu diretor, o seu Péu. Eu sabia que não poderia pagar ninguém, porque a prefeitura não nos deu apoio, mas mesmo assim a turma que está aqui aceitou esse desafio – revelou o presidente.
João Neto elogiou o esforço dos atletas.

Inclusive o nosso treinador, Hélio Miranda, aceitou se juntar a nós nessas condições (sem receber)"
João Neto
 
- Ninguém aqui recebeu salário, jogaram todos por amor à causa. Inclusive o nosso treinador, Hélio Miranda, um cara exemplar, e que também aceitou se juntar a nós nessas condições. Os jogadores que vieram de fora só vieram para cá por conta da ajuda do seu Péu. Todos que estão aqui jogam em busca de um futuro melhor, e acho que eles conseguiram. Fizemos um grande campeonato, e muitos aqui já conseguiram chamar a atenção de outros clubes. Essa é a forma que eu consegui para retribuir o que eles fizeram por mim e pelo time do São Luiz, fundado em 2000.
O dirigente revelou que há propostas para quatro jogadores. Segundo João Neto, os atletas serão emprestados, e, caso os clubes se interessem por eles em definitivo, o dinheiro recebido será todo aplicado no São Luiz.

- Temos que pensar no bem do clube. Ajudamos esses meninos hoje, pensando em ajudar outros amanhã. Essa é a ideia que eu tenho de futebol. A base é o futuro, e, no que depender de mim, vamos continuar agindo nesse sentido para elevar o nome do São Luiz. O verdadeiro futebol brasileiro ainda é jogado no interior.

Escalação do São Luiz no jogo contra o Coruripe, dia 27 de outubro:

1- José Edson Paixão dos Santos - Dinho
2 - José Carlos da Silva - Zé Carlos
3 - Sanderson Ricardo da Silva Lima - Tchã
4- Alisson Felipe Cosme de Melo - Hominho
6- José Carlos da Rocha Lins - Branco
7 - Cícero Luis dos Santos - Vigia
5- Tiago Nascimento da Silva - Tiago
8 - Ewerson dos Santos - Cheiroso
9 - Wanderson Antônio Oliveira dos Santos - Fio
10 - Paulo Henrique Santos de Jesus - PH
11- Cícero José de Sousa Santos - Coroa

Suplentes com apelidos

12 - José Vágner da Silva Bachot - Guinho
14 -  Wemerson Silva dos Santos - Neguinho
17 - Adriano Amâncio do Nascimento - Gordinho
18 - Emerson Pimentel da Silva - Big


* Colaborou Henrique Pereira, sob supervisão de Victor Melo

Elenco "estrelado" do São Luiz posando pra foto (Foto: Henrique Pereira/ GloboEsporte.com) 
Elenco do São Luiz e as feras dos nomes
 diferentes (Foto: Henrique Pereira/
 GloboEsporte.com)
 
 
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