Treinador admite carência de jogador para "controlar velocidade" do time e se recusa a traçar meta modesta para o Brasileirão: "Temos que pensar em ser campeão"
Jayme de Almeida: meta é buscar o título (Foto: Carlos Costa/Agência Estado)
Há sete meses e três dias no comando rubro-negro, Jayme não tapa o sol com a peneira ao comentar as fraquezas de momento. O Flamengo ainda carece de padrão de jogo, atuar longe do Rio de Janeiro é um complicador e os reforços previstos são modestos. Nada, porém, é suficiente para fazê-lo baixar a guarda. O decorrer do Brasileirão pode até fazer com que metas menos ambiciosas sejam traçadas, mas de início o treinador quer ver todo mundo acreditando que é possível voar alto.
- Podemos melhorar. Com certeza. Precisamos acertar algumas coisas, mas vejo o grupo querendo muito. Isso ajuda, é um facilitador para o dia a dia. Temos quase quatro semanas para treinar, trabalhar, jogando só fim de semana, vamos poder acertar para fazer um campeonato melhor. O Flamengo pode ser um pouquinho mais forte e crescer no decorrer da competição (...) Penso assim: quando entro na competição, é para ganhar. Se não der para ganhar, tudo bem, mas temos que entrar para ganhar. Temos que pensar em ser campeão.
O discurso é alinhado ao de que é preciso adaptar o trabalho às limitações impostas pela conduta escolhida pela diretoria para arrumar a casa rubro-negra. Jayme não reclama, sabia que seria assim desde que aceitou o desafio de substituir Mano Menezes, mas se permite pedir. Na verdade, faz somente um pedido para que tenha em mãos um elenco em condição de desempenhar um bom papel no Brasileirão.
- Precisamos de um jogador que faça a ligação do meio-campo para o ataque. Temos jogadores que são muito velozes, mas não dá para usar a velocidade o tempo inteiro. O Cadu foi muito importante, tentei colocar algum jogador, mas ainda não encontramos. Nossa maior dificuldade tem sido essa, controlar a velocidade com cadencia também. Acho que é nosso maior problema, mas vamos conseguir resolver e voltar ao nível do ano passado.
Em longo bate-papo com o GloboEsporte.com no Ninho do Urubu, Jayme de Almeida falou da condição do Flamengo para esta início de competição, admitiu a necessidade de dar uma identidade ao time titular e buscou explicações para o fracasso na Libertadores. A consolidação da carreira de treinador, a dificuldade do clube em revelar talentos e a paixão pela leitura também estiveram em pauta em longo bate-papo que o leitor confere abaixo:
Antes de falar em objetivos, de que maneira você vê este Flamengo que começa o Brasileirão? Ainda falta muito para este time ser o que você tem em mente?
- Podemos melhorar. Com certeza. Precisamos acertar algumas coisas, mas vejo o grupo querendo muito. Isso ajuda, é um facilitador para o dia a dia. Temos quase quatro semanas para treinar, trabalhar, jogando só fim de semana, vamos poder acertar para fazer um campeonato melhor. O Flamengo pode ser um pouquinho mais forte e crescer no decorrer da competição.
Você começa o campeonato com 35 jogadores e três reforços que chegam essa semana. Não é um elenco até certo ponto inchado?
- É muito, eu sei. Já estamos conversando e a ideia é emprestar alguns meninos que foram importantes no início do ano. Pudemos usar todos, mas agora com o plantel cheio fica difícil até para eles, que têm que treinar, trabalhar. Estão na idade em que é preciso continuar jogando. Vamos procurar reduzir esse grupo para que eles possam sair, jogar e voltar mais fortes.
Por outro lado, você espera muitas peças novas ou este é um grupo que te satisfaz para o Brasileirão?
- Estamos bem em muitas posições. Só em uma que estamos vendo algumas coisas, mas de resto o grupo que vamos disputar o campeonato é esse.
O Flamengo de 2014 é um time que oscilou muito, seja contra adversários mais modestos, como na campanha do Carioca, ou até na Libertadores, quando vence o Emelec fora e perde na sequência em casa. Esse é um problema que você também identifica? Como tornar o time mais regular?
- Acho que é fundamental termos um time base. Tivemos que mexer muito. Agora, vamos ter semanas para trabalhar, fazer uma base de um time que a torcida e os jogadores também vão saber quem começa as partidas.
Muito dessa oscilação parece vir também da mudança de perfil do time campeão da Copa do Brasil para o atual, que é muito veloz e, às vezes, não respira, não tem a bola...
- Precisamos de um jogador que faça a ligação do meio-campo para o ataque. Temos jogadores que são muito velozes, mas não dá para usar a velocidade o tempo inteiro. O Cadu foi muito importante, tentei colocar algum jogador, mas ainda não encontramos. Nossa maior dificuldade tem sido essa, controlar a velocidade com cadência também. Acho que é nosso maior problema, mas vamos conseguir resolver e voltar ao nível do ano passado.
O Lucas Mugni, que atua nesta posição, não pode ser esse jogador?
- O Lucas é um menino e estamos procurando mostrar para ele o que queremos. Ele gosta de entrar em velocidade, mas tem hora que tem que vir atrás, trabalhar a bola. Ele está tentando, começou a entender e tem melhorado muito. Se entender bem a função, é um argentino de muita velocidade, bom drible, mas quer ser muito atacante. Precisamos dele um pouco mais atrás, tomara que consiga fazer bons jogos porque vai nos ajudar muito.
Com um elenco que não está entre os melhores do Brasil, ter um início de competição bom, capaz de embalar, pode ser determinante para definir a real ambição do Flamengo neste Brasileirão?
- O Flamengo precisa começar bem para ter tranquilidade para trabalhar. O elenco não é maravilhoso, mas é forte, com média boa. Se tivermos um bom início, temos tudo para fazermos um grande Brasileiro. O Flamengo tem a força da torcida, a garra, a disposição... É um clube que quando está bem é difícil de ser batido, e isso vai depender bem do nosso início. Estamos com esperança de fazer um campeonato melhor. Quando não começa bem e fica brigando para não cair, a pressão cresce e a responsabilidade aumenta. Estamos pensando em começar bem para ter tranquilidade. Mesmo estando bem somos sempre cobrados.
Sendo assim, esses jogos como mandante que estão sendo fora do Rio não podem ser determinantes? Não são pontos em que o clube bota ainda mais em risco por sair do Maracanã?
- Lógico que seria o ideal jogar no Maracanã, mas não podemos ficar reclamando e de cabeça baixa. É o que nós tempos. A dificuldade vai ser maior, até pelas viagens, mas não podemos achar que isso é o fator determinante que vai nos atrapalhar. Se pensarmos assim, não vamos a lugar nenhum. Temos que superar isso e tentar vencer onde quer que sejam os jogos.
Como você encara a política de investimento em nomes sem expressão e que acabam sendo incógnitas? O Paulinho é um exemplo que deu certo, outros já deixaram o clube...
- Temos que entender e respeitar a filosofia do clube, as dificuldades que têm enfrentado. Lógico que todo mundo queria contratar os melhores e formar um time fantástico. Infelizmente, não pode ser assim. Há jogadores que observamos, que são revelações e chegam por um custo não tão alto. O Flamengo pode ganhar com isso, o atleta pode ganhar com isso. Um exemplo claro foi o Paulinho, que ninguém apostava e agora é bem cotado no mercado. Torcemos para que esses meninos que estão chegando possam crescer dentro do clube e possam dar o melhor. Não é fácil, é difícil jogar no Flamengo, mas esperamos que possam ajudar. Estão vindo porque fizeram excelentes campeonatos por seus clubes.
Você fez parte de uma geração que mudou a história do clube com muitas pratas da casa. Atualmente, poucos têm tido oportunidade e muitos vão até ser emprestados. Tem explicação para o Flamengo não revelar um grande jogador há tanto tempo?
- Temos uns meninos aí que vão ter um futuro enorme, mas cada um tem um processo de amadurecimento. Quando emprestamos é para continuar jogando e voltar mais maduro. É preciso confiar e acreditar. Quando voltar, bota de novo. Sempre falo do Zico, que é da minha geração. Quando tínhamos 15 anos, ele já era o que sempre foi, o melhor, fazia gol. Em 71, tínhamos 18 anos e ele foi para o profissional e voltou, em 72 foi e voltou, em 73 não era titular e foi começar a ser grande em 74. Houve paciência. Não adianta querer ser imediato e achar que vão resolver em um jogo. Essa é a sensibilidade que acho que todo mundo deve ter.
Falando um pouco da Libertadores, por que foi tão difícil para o Flamengo se impor neste competição, principalmente em casa? O clube caiu em um grupo com representantes de países sem tanta tradição e ainda assim foi eliminado, perdeu pontos no Maracanã...
- A troca desses times na América do Sul é maior, estão mais acostumados a esse jogo forte, pesado, com mais contato e força. Tivemos um pouco de dificuldade de entender melhor o que é Libertadores. São times que têm mais experiência e isso conta muito em torneios assim, levam vantagem. Contra o León, abandonamos um pouco o que tínhamos combinado para tentar ganhar na vontade. Abrimos espaços e um time que é bom aproveitou. Bobeamos mesmo contra o Bolívar no Rio. Chegamos a ter o controle do jogo, fizemos 2 a 1 e achamos que tínhamos que fazer três ou quatro. Bobeamos de forma grave e deixamos escapar. São lições que temos que aprender.
O que mudou basicamente do seu trabalho do ano passado para este ano? De técnico tampão, onde o que conseguisse era lucro, você virou campeão da Copa do Brasil e com uma cobrança maior.
- Não muda nada. No Flamengo, tem que montar o time para ganhar. A responsabilidade é sempre a mesma. O torcedor só quer saber de vitórias e não abre mão disso, independentemente de torneios. Temos que trabalhar pensando em vencer. Por isso, fomos campeões cariocas. Diziam que dava para largar, mas não dá nada. A cobrança vem na hora. Vimos a felicidade do Flamengo campeão pela cidade. Se tivéssemos virado as costas seriam quatro meses de um desastre total. Faço meu trabalho para tentar brigar pelos títulos, como acontece agora. Nós somos coadjuvantes, já falaram isso, faz parte, mas temos que mostrar no dia a dia que somos capazes de fazer uma coisa bonita.
Se tivéssemos que traçar o perfil do Jayme, o estilo de trabalhar, qual seria?
- Converso, respeito, mas minha cobrança também é forte. Não que seja ofensivo, é uma cobrança mesmo do dia a dia de trabalho. Procuro sempre conversar para que possamos fechar o que queremos fazer nos jogos, campeonatos, e tenhamos uma confiança mútua. Até agora, tem dado certo. Os atletas me tratam com muito respeito, carinho, e estou muito feliz.
Esse período no comando do Flamengo já foi suficiente para você decidir que será treinador de futebol mesmo após o fim do seu ciclo no clube?
- Trabalhei em outras equipes e tal, mas sempre quis ser técnico, sempre fui técnico. Fui auxiliar de grandes amigos, o que é uma honra, como Zico, Júnior, Luxemburgo... Mas sempre fui técnico, também fui gerente de futebol. Quando parei de jogar bola e me formei em educação física, disse que gostaria de seguir trabalhando no esporte. É o que eu gosto. Quando terminar meu ciclo no Flamengo, vou seguir no esporte. Isso é básico para mim. Não vou ficar em casa sentado. Tenho condição, saúde, e vou seguir trabalhando. Se for como técnico, melhor ainda. É uma coisa que eu gosto, acho que faço bem, tenho experiência. Não tenho medo. A minha certeza é continuar no esporte.
O que o Jayme de Almeida gosta de fazer nos momentos de lazer?
- O que mais gosto é de leitura. Não consigo ficar sem um livro. Se eu não estiver lendo, me sinto mal, parece que está faltando algo no meu dia a dia. Quando não acho nada de interessante nas livrarias, pego um livro antigo que gosto. É uma coisa que eu amo, assim como música, cinema, teatro... Mas o meu lazer preferido quando esqueço futebol é uma boa leitura.
Está lendo algum atualmente?
"O homem que amava cachorros" (de Leonardo Padura).
Gabriel Garcia Marquéz morreu na semana passada. Você era um fã?
- O primeiro livro dele que eu li e achei o título fantástico foi: "Crônica de uma morte anunciada". Nunca tinha lido um livro assim. Depois li "Cem anos de solidão", mas "Crônica" achei legal pelo título. Não sabia da história e da grandeza do Gabriel, mas peguei o livro pelo título. E é um livro fantástico.
Por fim, o Flamengo entra neste Brasileirão brigando pelo quê? Título? Libertadores?
- Penso assim: quando entro na competição, é para ganhar. Se não der para ganhar, tudo bem, mas temos que entrar para ganhar. Temos que pensar em ser campeão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário