Generosidade, agressividade, malandragem e muitas curiosidades marcam o breve tempo do jogador falecido no dia 19 de abril de 1994, em acidente de carro no Rio
Descrito
por muitos como tímido e até introvertido, Dener era capaz de histórias
hilariantes e curiosas. Quase todos os entrevistados na série especial
sobre os 20 anos da morte do eterno craque da Portuguesa, do Grêmio e do
Vasco tinham uma lembrança - das mais divertidas até as infantis e
irresponsáveis. Abaixo (e no vídeo ao lado) você
conhece 20 causos de Dener e ainda confere uma seleção de depoimentos
sobre o moleque travesso que deixou muita saudade desde aquele fatídico
19 de abril de 1994, data que completa 20 anos neste sábado.
HISTÓRIAS
Presente do Vlad
Dener
vai à loja magazine da família do seu treinador Vladimir, de futebol de
salão do Vila Maria, clube tradicional da Zona Norte de São Paulo.
Chega para o irmão de Vlad, Roni, e fala:
O garoto recebe o tênis e vai embora - estava começando na Portuguesa. Mais tarde, Vlad chega e o irmão fala:
- Tem que pagar o tênis que você deu para o Dener.
- Que tênis? Eu? Não falei nada para ele…
“Enche o carrinho”
Passeando
pela Vila Ede com sua “nave”, como ele chamava a Mitsubishi 1992 que
possuía, Dener foi parado por um pedreiro. Ele contou que passava por
dificuldades e que estava indo bater uma laje para conseguir dinheiro.
Dener colocou o trabalhador no carro e o levou ao
supermercado. “Vambora, escolhe tudo que você quiser, enche o carrinho
aí”. O homem ficou tímido e disse que não precisava daquilo. Então Dener
andou o mercado inteiro derrubando todos os produtos dentro do carrinho
para presentear ao homem que conhecera minutos antes. Era comum o craque
ter atitudes deste tipo. Ele costumava também distribuir chuteiras e
material esportivo para a garotada da Lusa.
Rei de fato do Canindé
saiba mais
Empossado presidente da Portuguesa, em 1994, Manoel Gonçalves Pacheco precisava sentar e conversar a renovação de contrato de Dener. Astro do time, ele já era quem mais ganhava no clube. Dener sentou e colocou seu preço. Na época, segundo Pacheco, era um valor que correspondia a uns R$ 100 mil reais - um salário de craque consagrado do futebol brasileiro, não de um garoto, craque sim, mas ainda somente promissor e que causava muitos problemas no Canindé.
-
Por aquele valor, eu pagava o salário do plantel inteiro. Era um valor
muito significante para 1994. E eu então falei para ele. "Olha, Dener,
tudo bem. Eu vou fazer o seguinte: "vou lavrar numa escritura de doação o
nosso estádio e não tem problema. Você fica conosco e você fica sendo o
dono disso tudo aqui"" - recorda o ex-presidente, brincando. - Era
impossível segurar o Dener na Portuguesa. Não havia condição
financeira.
Rei do camarote
Antes
de despontar como jovem promessa do futebol brasileiro e parar no
Vasco, Dener já gostava muito de escola de samba e do Salgueiro, a sua
preferida. Com a família, ele viajou num fim de semana e foi para a quadra
da vermelha e branca da Tijuca.
Um mimo e tanto
Dener mandava prender, soltar, fazia chover e aparecer o sol no Canindé. Não foram poucas as vezes em que a direção da Lusa se sujeitou aos caprichos do pequeno camisa 10. Um deles quem viu de perto foi Zé Roberto, hoje no Grêmio.
Dener mandava prender, soltar, fazia chover e aparecer o sol no Canindé. Não foram poucas as vezes em que a direção da Lusa se sujeitou aos caprichos do pequeno camisa 10. Um deles quem viu de perto foi Zé Roberto, hoje no Grêmio.
O Mitsubishi Eclipse branco, de placa DNR-0010 (com as consoantes e a camisa que o jogador usava), era o carro que Otto Gomes de Miranda dirigia e que matou o craque há 20 anos.
Dener era são-paulino (Foto: Arquivo Pessoal )
A marra do craque
Com
jeito de menino de rua dentro e fora de campo, Dener sempre foi
abusado. Sinval recorda que eles andavam pelo Centro de São Paulo e o
amigo esbarrava nas pessoas no sinal de propósito. Para quem respondesse,
Dener fazia cara de mal e logo espantava um possível agressor (“Ele
metia medo até nos policiais, era terrível”). Outra marca de
Dener era a autoconfiança exagerada com a bola no pé.
Queda de moto
Na véspera de enfrentar o Palmeiras, no Paulistão, Dener resolveu dar umas voltas de moto.
-
Ele estava indo para o Canindé, caiu, se ralou todo e ficou fora do
clássico. A imprensa caiu matando, chamou de irresponsável, aquela coisa
toda. Mas era um jeito de moleque, de travessura mesmo, que não dava
para tirar dele - recorda Tico, ex-companheiro na Lusa.
Taquá,
amigo do início no futebol de salão de Dener, com quem jogou no Vila
Maria, entre outros times na quadra, lembra de um jogo difícil e de uma
solução criativa e nada convencional que Dener encontrou para resolver uma partida no
Campeonato Paulista Infantil.
Choro antes da final
Num treino, um cara deu uma porrada nele. No outro dia, ele apareceu
com uma tesoura na meia. Queria enfiar no pescoço do cara. Eu o tirei do
treino
Dener
tinha por volta de 15 anos e jogava um dos torneios mais concorridos,
um intercolegial que reunia mais de 300 escolas de São Paulo, a Copa
Danup. A final entre o Colégio Bilac e o Objetivo era no fim de semana,
mas o treinador Angelo “Buzina” também era técnico do Banespa, time que
disputava a liga principal.- A gente se concentrava para o jogo. E avisei a todos os garotos que não poderia estar na final, que meu assistente ia comandar o time. Ele pediu a palavra, me interrompeu e perguntou: “Você não vai estar com a gente na final?”. Respondi que não. Ele levantou, começou a chorar e foi para o quarto arrumar as coisas dele para ir embora. Depois de muito esforço, conseguimos convencê-lo a jogar. No jogo, ele fez o gol do título na prorrogação.
Suspensões e acusação
O
garoto Dener não era fácil. Uma vez foi acusado de furtar um relógio no
vestiário do Vila Maria. Ele foi afastado e ficou suspenso do time por
um tempo.
Tesoura na meia
Nos
tempos de Leão no comando da Portuguesa, Dener já era uma estrela em
ascensão. Mas o temperamento provocava situações, no mínimo, perigosas.
-
Num treino, um cara deu uma porrada nele. No outro dia, ele apareceu
com uma tesoura na meia. Queria enfiar no pescoço do cara. Eu o tirei do
treino - lembra Leão.
Com temperamento explosivo, o craque
criou algumas confusões na carreira
(Foto: Alcyr Cavalcanti/Cpdoc JB/
Futura Pres)
Sonho são-paulino
Torcedor
do Tricolor Paulista, Dener sumiu da Portuguesa ainda antes de chegar
no profissional. Ele e o amigo do futebol de salão Taquá tinham sido
convidados pelo treinador Cilinho para ir para o campo no São Paulo. A
Portuguesa não liberou, pediu muito alto pelos garotos, mas, ainda assim,
Dener desapareceu e foi encontrado dias depois… no refeitório do São
Paulo. Mário Fofoca, conselheiro e ex-dirigente da Lusa já falecido, o
encontrou em terreno são-paulino e o levou de volta para a Portuguesa.
Rumo à Bélgica
Eldorado
dos brasileiros no início dos anos 1990, a Bélgica seria o destino de
Dener e do atacante Sinval logo após a conquista da Copa SP de 1991.
Craque da competição de juniores, Dener recebia uma premiação maior e
queria o mesmo valor para o atacante, que havia sido artilheiro da
Copinha - Dener fez 9 gols, Sinval, 10. Com a negativa, eles fingiram
que estavam indo para a Bélgica.
Quem é o veterano?
Na
estreia do Dener, com apenas 18 anos, no estádio Olímpico, o garoto
entrou no segundo tempo e, com o apito final, foi até o veterano lateral
Alfinete e pediu para trocar de camisa.
Alfinete olhou para os córnos dele, riu e foi embora - conta Antônio Lopes, que lançou Dener nos profissionais.
O susto no primeiro pique
Recém-chegado
ao Vasco, Dener foi para o primeiro dia de treinos na Granja Comary. Na
avaliação física, os jogadores deveriam dar voltas no campo, de 1000
metros ao todo. Dener saiu em disparada nos primeiros 100 metros…
Em
meio à batalha judicial entre Vasco e Portuguesa, os dirigentes da
Lusa, cansados da briga, botaram o olho em Ramon Menezes, meia que seria
campeão da Libertadores em 1998 pelo clube carioca. A indenização pela
falta do seguro de vida que o Vasco não fez para Dener seria resolvida
com a transferência de Ramon. Os dirigentes vascaínos concordaram com o
negócio, porém a Lusa se assustou com um obstáculo: o salário do
jogador. O meia recebia quase R$ 100 mil - valor que ainda é alto
hoje, mas à época representava um dos maiores vencimentos do futebol
brasileiro. Resultado:
Ramon ficou no Vasco.
Dener, o costureiro
Dener
Pamplona era o nome de um famoso costureiro, falecido em 1978,
considerado um dos pioneiros da moda no Brasil. Foi em homenagem ao
estilista que Vera Lúcia colocou o nome do filho. À época, a família
contestou o nome, lembrando que o costureiro era “afeminado”.
Morte de namorada
Dener
quando chegou ao Rio deu entrevistas contando que tinha três filhos e
lembrando que sustentava a família, inclusive a mulher Luciana Gabino.
Mas deixava claro: “Sou solteiro”. Namorador, Dener colecionava
histórias nas noitadas. No Rio Grande do Sul, meses antes de morrer,
ele conheceu Lizandra, uma bonita loura - seu tipo de mulher preferido -
gaúcha. Mas ela seria atropelada por um carro desgovernado no carnaval
de 1994 em Porto Alegre. Amigos contam que Dener ficou muito abalado com
a morte da namorada.
-
Ele não sabia o que fazer. Psicologicamente, sentiu muito, até para jogar
foi ruim. Foi triste para caramba - lembra Maurício, que conheceu Dener
na Portuguesa em 1991 e depois permaneceu amigo do craque.
“E aí, seu prego?”
Abusado,
atrevido e de gênio complicado, Dener era descrito também como uma
pessoa de coração enorme. O zagueiro Juarez, recém-promovido da base da
Portuguesa, começava a se destacar no time principal. Mas seu contrato
estava próximo de acabar. Com intimidade e uma boa dose de ousadia, o
craque chamou desta maneira o presidente do clube na época:
- Ô, seu prego! Vai resolver o contrato do garoto, não? Resolve logo, seu prego!
O reizinho e o príncipe
Dener
e Edinho, filho de Pelé, se conheceram numa partida de aspirantes entre
Portuguesa e Santos. Na época, o torneio de aspirantes era realizado
paralelamente ao Campeonato Paulista, e mesmo os principais jogadores
dos
clubes grandes, quando estavam suspensos, defendiam suas equipes nos
aspirantes. A Portuguesa venceu por 2 a 1, mas Dener nunca fez gol em
Edinho. Dali, saíram para comer uma pizza e se tornaram grandes amigos. O
filho do Rei lembra do último contato com Dener, que se fez
praticamente um aviso.
DEPOIMENTOS
Maurício - ex-ponta-direita, jogou na Portuguesa no início dos anos 1990
- Era
fantástico, um craque. Tenho no meu coração dois jogadores: Mané
Garrincha e ele, Dener, que vi de perto. Ele driblava todo mundo como se
fosse uma folha, impressionante.
Ricardo Rocha - ex-zagueiro, jogou no Vasco em 1994
- Era
do nível dos maiores atacantes que vi jogar, de Romário, Bebeto,
Careca. Tudo dele era muito extraordinário, quando ele fazia jogadas
dele.
Coisas de gênio, de fora de série. Quando era dia dele, era sempre
o melhor em campo.
O ex-atacante Sinval homenageia o amigo com o retrato de Dener na camisa (Foto: Arquivo Pessoal)
Sinval - ex-atacante, era do time campeão da Copa SP de juniores de 1991
- Dener
driblava para frente, com velocidade incomum. Aliás, ele não driblava,
simplesmente desviava dos caras. Uma época, cismaram de falar que o
Robinho era igual. De maneira nenhuma. Nem Neymar, Dener fazia menos
firula, era mais objetivo, mais participativo.
Pepe - ex-ponta-esquerda e técnico da Portuguesa em 1993
- Era um dos que mais se aproximavam da bola
que Pelé jogava. Seguramente está incluído entre os cinco melhores
atacantes que eu vi jogar, junto com Pelé, Eusébio e Puskas. Dener está
nesse rol.
Edinho - ex-goleiro e amigo de Dener
Era
um acúmulo de tudo que a gente tem de bom no nosso futebol. A
velocidade e a habilidade do Neymar, a malandragem e a malícia do
Ronaldinho Gaúcho, a eficiência e a objetividade do Ronaldo. Era
matador, fazia gol, mas também dava espetáculo, vinha articular no meio,
levantava a cabeça, dava passe para gol.
Wladimir Huerta - técnico de Dener no futebol de salão do Vila Maria
No
primeiro teste que fizemos, ele fez quatro gols, acabou com o treino.
Era magrinho, pequeno, tinha 11 anos, mas já era fora de série, era
fatal.
Tico - ex-ponta-direita, jogou no time da Portuguesa campeão da Copa SP de 1991
Era
desconcertante, era natural. Gostava de colocar debaixo da perna e
tinha um drible que parecia que ia sair do mesmo lado, mais ou menos
como Garrincha: fingia que ia para um lado, saía para o outro. O cara
podia até saber que ele ia, mas não pegava, não dava tempo.
Zé Roberto - meia, era da base da Portuguesa nos tempos de Dener
Cada
toque, cada momento que ele pegava na bola acontecia algo diferente.
Ficava vidrado de vê-lo jogando. O diferencial para os demais grandes
jogadores que vi eram os dribles com pura ginga. Ele já tirava o
marcador do lugar, às vezes sem tocar na bola. E já saía com a bola
dominada para frente. Saí da lateral para o meio de campo por causa
dele.
Foi
um dos melhores talentos que tive nas mãos. Era superior ao Robinho,
poderia ser melhor ou igual ao Neymar. Mas era o mais fragilizado fora
do campo para reunir problemas.
Écio Pasca - ex-meia, técnico da Portuguesa campeã da Copa SP de 1991
Tinha
característica do Pelé no arranque, tirava dois já quando pegava a
bola, como fazia o Pelé. Neymar é grande jogador, mas não tem o toque
refinado do Dener. Ele foi o segundo maior que vi jogar.
Jair Pereira - técnico do Vasco em 1994
Se
ele realmente tivesse se preparado, iria para a Seleção. Talvez fosse
titular em 1994. Podia ser atacante, meia-atacante. Era agudo, chegava e
chegava bem, com técnica, equilibrado, chutando bem, com as duas
pernas.
Luisinho - ex-volante, jogou no Vasco nos anos 1990
Num
jogo contra o Fluminense, ele faz uma jogada que dá um drible no fim,
o cara sai para o lado errado, não aguentei, dei uma risada. Parte em
direção ao gol, pega a diagonal, entra na área, dá uma balançada
para o meio, sai quase no meio de campo para me abraçar e ele
desconcerta o cara.
Torcedor do Vasco guarda um dos últimos autógrafos de Dener (Foto:
Arquivo pessoal)
Nascemos no mesmo dia, no mesmo ano, viemos da mesma geração. Era um cara que tinha uma alegria na hora do futebol, uma alegria de viver, que infelizmente nos deixou precocemente tirando essa alegria de dentro dos gramados. Sinto muita falta dessa pessoa, desse atleta sensacional.
Otacílio Gonçalves - técnico da Portuguesa nos anos 1990, auxiliar de Falcão na Seleção
O principal nele eram a agilidade e a velocidade. Antes de o marcador se preparar para dar o bote, ele já passava.
Angelo de Carvalho, o Buzina - técnico do Bilac e do Banespa dos fim da década de 1980
Trabalhei
com Falcão, com Sandrinho, com Taquá. Dener era diferenciado demais,
isso que o levou para o campo. Raciocínio rapido, um poder de decisão,
chamava para ele, tinha personalidade e adorava dificuldades. Conseguia
através da qualidade técnica resolver a maioria das situações que
acontecia.
Arnaldo Faria de Sá - presidente da Portuguesa nos anos 1990
Só tinha um defeito: não sabia chutar. O drible ele trouxe do futebol de salão. Ia driblando até a área, mas não sabia chutar.
Cristóvão - técnico, ex-jogador da Portuguesa do início dos anos 1990
Era
muito franzino, demais, mas tinha força, técnica, habilidade e era
muito rápido. Não vi jogador igual a ele. De assistir ao vivo e jogar
junto, eu não vi. Ele era o Neymar da época.
Antônio Lopes - técnico de Dener na Portuguesa em 1989, na estreia do garoto
Ninguém sabia o que ele podia fazer com a bola. Não repetia as jogadas, jogava para cacete. Para mim, foi um gênio do futebol.
Joguei
uma vez junto e umas cinco vezes contra. Já era um fenômeno. Comparo o
Dener com o início do Neymar, a característica do drible sempre na
direção do gol. Teria jogado duas Copas do Mundo, tranquilamente.
Neto - jogador do Corinthians nos anos 1990
O
melhor que já enfrentei foi Edmundo. Mas Dener tinha um pouco de
Edmundo, de mim, do Serginho Chulapa. Jogador louco. Se jogasse hoje,
seria melhor do que o Neymar. Jogava mais do que o Neymar.
O
GloboEsporte.com encerra neste sábado um especial para lembrar Dener e um
webdoc sobre vida e morte do craque. Depoimentos de amigos,
família, ex-companheiros e técnicos. Casos dentro e fora das quatro linhas.
Dribles e polêmicas. A história interrompida ainda nos seus primeiros
capítulos.
FONTE:
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