terça-feira, 12 de março de 2013

Lembra Dele especial: entrevista com Anapolina, carrasco do Fla de Zico


Ex-jogador, que sofreu enfarte e morreu aos 58 anos nesta segunda, havia falado ao site sobre gol que tirou sonho do tetra carioca: 'Faria de novo', disse

Por Chandy Teixeira Matias Barbosa, MG


Elimar Cerqueira não era famoso. Anapolina, sim. Assim era conhecido o carrasco do grande time do Flamengo de Zico, Junior, Leandro, Andrade, Adílio... Numa noite chuvosa de 1980, em Petrópolis, região serrana do Rio, ele fez o gol da vitória do Serrano que tirou o sonho daquela equipe de ganhar o tetracampeonato carioca - com o resultado, os rubro-negros foram eliminados da disputa, e o Fluminense sagrou-se campeão ao vencer o Vasco na grande final, com gol de Edinho. Nesta segunda-feira, o ex-jogador morreu de ataque cardíaco, aos 58 anos, na cidade de Matias Barbosa, Zona da Mata mineira. Foi sepultado no mesmo dia, às 17h, no cemitério local. No fim de 2012, Anapolina deu entrevista ao GLOBOESPORTE.COM para a série "Lembra Dele?", que publicamos nesta segunda.

Na pacata Matias Barbosa, Elimar caminhava tranquilamente pelas ruas, onde vivia e trabalhava como motorista de uma cooperativa de leite. História de vida comum entre milhões de brasileiros país afora. No entanto, esse mesmo homem há um tempo atendia pelo apelido de Anapolina. Foi com essa alcunha que, no dia 19 de novembro de 1980, cravou seu nome na história do futebol carioca e se firmou como um dos maiores carrascos do Flamengo.

Anapolina 10 (Foto: Chandy Teixeira)O ex-jogador Anapolina morreu de enfarte nesta segunda-feira, aos 58 anos (Foto: Chandy Teixeira)

Aquela derrota foi uma das poucas máculas de um time recheado de craques. Apesar de ter vivido quase 10 anos como jogador de futebol profissional, Anapolina era lembrado por apenas esse lance. Trinta e dois anos depois, recordou a carreira e o gol que o eternizou.

O Flamengo, então campeão brasileiro, precisava vencer o Serrano, no Estádio Atílio Marotti, em Petrópolis, pelo segundo turno do Campeonato Carioca de 1980, para seguir sonhando com uma final contra o Fluminense, campeão do primeiro turno, e chegar ao cobiçado tetracampeonato estadual. O Leão da Serra tinha um dos melhores elencos de sua história quase centenária. Entre os jogadores havia Acácio, ex-goleiro do Vasco e seleção brasileira, e Paulo Verdan, que posteriormente se transferiu para o Botafogo. Entretanto, do outro lado estava o poderoso Flamengo de Zico. Na tarde que precedeu o jogo, uma forte chuva atingiu a cidade e deixou o já naturalmente prejudicado gramado do estádio Atílio Marotti, impraticável. A diretoria do clube carioca tinha o poder de pedir o adiamento da partida, mas preferiu ir para o jogo mesmo assim. Além do temporal, um outro fator climático marcou a partida: a neblina, ou "ruço", como é conhecida pelos petropolitanos.

O campo era barro puro. E eu não era o titular daquele jogo"
- O campo era barro puro. E eu não era o titular naquela partida. O Bernardo foi vendido para a Espanha e entrei no lugar do Oswaldo porque o Luis Quintanilha (técnico do Serrano na época) queria que eu ajudasse na marcação. Eu era um jogador que atuava em todas as posições. Meu objetivo era frear os caras, mas acabei fazendo o gol daquela partida, aos 19 minutos do dia 19 - contou Anapolina, contrariando os registros que informam que o gol teria sido aos 18 minutos da primeira etapa.

Apesar de ter sido ele o autor do gol da vitória mais emblemática da história do clube da serra, Anapolina não se considerava o herói. Para ele, o nome daquela partida foi o goleio Acácio.

- O Acácio fez defesas impossíveis. Ele foi o grande nome daquele jogo. Pegou tudo e não deixou o time do Flamengo empatar aquele jogo. A lama nivelou a partida e ele ainda teve uma noite iluminada, não poderia dar em outra coisa - disse.

Curiosamente, um dos maiores carrascos do Fla era torcedor do clube. Anapolina afirmava que era flamenguista e foi ameaçado pelo gol.
O que pouca gente sabe é que quase no fim daquele jogo, perdi um gol mais feito do que eu marquei. Imagina se eu faço o segundo gol?
- Meu clube do coração é Flamengo, sempre quis jogar lá também. Mas eu era jogador do Serrano e tinha que defender o clube. Por vezes, tive que me esconder quando me reconheciam. Certa vez, fui assistir a um jogo em Petrópolis quando gritaram: "olha lá o Anapolina". Tive que correr e me esconder dentro de um carro senão iam me pegar pra valer. Outras vezes, fui xingado nas ruas. O que pouca gente sabe é que, quase no fim daquele jogo, perdi um gol mais feito do que o que eu marquei. Imagina se eu faço o segundo gol? - contava Anapolina.

Anapolina 5 (Foto: Chandy Teixeira)Anapolina sempre foi lembrado pelo gol que tirou Fla da briga pelo tetra carioca (Foto: Chandy Teixeira)

Após o fim daquele jogo, os jogadores do Serrano ainda tiveram que permanecer no vestiário por duas horas, esperando baixar os ânimos dos torcedores do Flamengo, em maioria, que garantiram o público recorde do estádio: 14.998 presentes - a capacidade máxima era de 15 mil lugares. Logo em seguida, Anapolina fez apenas mais uma partida como profissional e se aposentou. Ele garantia que não foi a repercussão do gol que o fez encerrar a carreira aos 28 anos. E quando perguntado se existia arrepedimento pelo gol, o ex-jogador não titubeia.

Fiz e faria o gol de novo. Eu era pago para aquilo"
- Fiz e faria o gol de novo. Eu era pago para aquilo. Defendia as cores do Serrano. Mesmo se eu tivesse noção de toda a confusão que seria depois daquilo, eu empurraria novamente aquela bola para dentro. Abandonei a carreira porque naquela época não se ganhava bem como jogador e era difícil receber em dia. Precisava de uma ocupação fixa - revelou o ex-atacante, que marcou apenas três gols pelo Serrano e pouco mais de 30 na carreira.

Um gol e um verdadeiro turbilhão de sentimentos. No entanto, enganava-se quem achava ter sido essa a maior emoção de Anapolina como jogador. Ele não elegia aquele jogo como o ápice de sua carreira.

- Emoção de verdade foi quando eu fui treinar no time profissional do Botafogo, em 1976. Não fiz nenhuma partida como jogador por lá, mas quando cheguei para trabalhar, me deparei com Paulo Cezar Caju e aquele elenco maravilhoso do Botafogo. Essa, sim, foi a maior emoção que vivi como jogador.

Anapolina nascera em Simão Pereira, cidade vizinha a Matias Barbosa. Ficou quase 15 anos longe da terra natal. Mas, quando voltou, havia abandonado o apelido "Anapolina" e voltara a ser conhecido como "Cerqueirinha".

Origem do apelido
O ex-jogador não atuou somente no Serrano. Entre os clubes que defendeu, estava o Anapolina, de Goiás. Quando chegou a Petrópolis, havia acabado de deixar o clube goiano. Sem lembrar seu nome, os companheiros o chamavam pelo ex-clube.

- Ninguém sabia meu nome. Quando queriam falar comigo, falavam assim: "Chama o Anapolina lá", que era o meu último clube. Acabou ficando e virou meu apelido - afirmou.

Ex-baladeiro, terminou cidadão de vida humilde
Anapolina jamais foi um grande jogador, mas tinha características comuns a grandes craques da atualidade. Assumidamente baladeiro e marrento, o ex-atacante não gostava de ficar de fora, gastou dinheiro na noite e levava uma vida humilde nos últimos anos de vida.

- Eu jogava em tudo quanto era posição. Odiava ficar de fora. Quando ficava, ia cobrar explicações do treinador para saber por que eu estava no banco. Era um pouco marrento. Além disso, eu era baladeiro. Certa vez, quando ainda jogava no Anapolina, empatamos com o Internacional, em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro, e recebemos uma premiação que equivalia a mais da metade do nosso salário. Gastamos aquilo tudo em uma noitada. Jamais ganhei bem como jogador, mas dava para sobreviver bem. Não juntei dinheiro daquela época - costumava dizer.

Torcedor do Fla
Longe dos campos, Anapolina era um mero torcedor. Dizia não ser fanático, mas sofria com o Flamengo. E a vida dele havia mudado após aquele lance. Jornalistas, curiosos e fanáticos passaram a fazer parte da vida do chamado "artilheiro de um gol só".

No entanto, o ex-jogador dizia que, para ele, aquele gol não havia passado de um gol importante.

- Zico era um jogador espetacular. Fora do normal. Jogar contra ele foi uma grande honra. Tive a oportunidade de vencer aquele jogo, com um gol meu. Gol que ficou marcado, mas ficou para os outros, para a mídia, para mim foi um gol importante e só - finalizou.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2013/03/lembra-dele-especial-entrevista-com-anapolina-carrasco-do-fla-de-zico.html

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