domingo, 8 de março de 2015

"Empresária?!": Daisy surpreende dirigentes ao negociar jogadores

No Dia da Mulher, a responsável pela carreira de 19 atletas conta como entrou no meio masculino, revela pressão de cartolas dos clubes e conta: "Já tiveram ameaças"


Por
Rio de Janeiro
 
Daisy Brandino, empresário de jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)Daisy Brandino assiste a jogo do City, em Manchester: Fernandinho é o primeiro cliente para superar preconceitos (Foto: Arquivo Pessoal)


- Quando me ligam, um diretor de clube ou outra pessoa querendo propor alguma coisa, eu falo para conversar com a minha empresária. E aí todos repetem: "Empresária?!" É engraçado.
Júnior Moraes, do Metalurh Donetsk, da Ucrânia, é um dos 19 atletas com contrato com Daisy Brandino, de 46 anos, que cuida também da carreira de Fernandinho, do Manchester City. Sua empresa, a Victrix, possui escritórios em Zurique, na Suíça, Dubai, no Catar, São Paulo e Goiânia. Consta no seu portfólio também a dupla sertaneja João Lucas e Marcelo e o ex-piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi.

É uma das poucas mulheres que se arriscou a entrar num setor do mundo dos negócios dominado por homens. Talvez por isso cause estranheza ao entrar em salas de reuniões com seu blazer para negociar contratos e bater o pé ao não ceder às tentativas de negociações dos seus atletas. Evitou que Júnior Moraes saísse da Ucrânia para a Ásia; negociou Fernandinho com o Manchester City; e virou uma espécie de segunda mãe, chamada de guerreira pelos "filhos adotivos".


- No meio do futebol é difícil achar alguém que possa confiar, e nela achei uma mãezona. Aquela que cuida mesmo dos detalhes e te ajuda, não importa se tem interesse financeiro no meio ou não - elogia Júnior Moraes.

Mãe de Rafael, de 27 anos, e avó da pequena Sofia, está solteira e com a agenda cheia. Passará este Dia da Mulher em viagem de volta para a Suíça, onde mora há 20 anos. Precisa tratar dos negócios ao lado ddo filho, seu fiel escudeiro.


"NÃO NASCI NO FUTEBOL"

Daisy Brandino, empresário de jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)Daisy, sentada, à esquerda, com a família de Júnior Moraes, do Metalurh: preocupação com o bem estar dos jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)


A voz é branda, por vezes com intervalos de segundos que denunciam a delicadeza com que trata certos assuntos: "É... Como eu posso dizer? Está me entendendo?". Daisy Brandino conhece bem o tortuoso caminho do futebol, por isso se mantém precavida. Não que não queira falar, apenas aprendeu a pisar com cautela no mundo dominado por homens. Escolheu uma área das mais espinhosas, das negociações.

- Quando as pessoas têm poder e dinheiro, elas mudam muito. Infelizmente, muitos dirigentes não veem o jogador como ser humano, ele vira mercadoria de negociação. Eles não tratam com carinho como deveriam tratar. O futebol em geral está meio estragado. Às vezes, levo uma boa oferta para o jogador, e os clubes querem mais, e mais, e mais.

Por não querer ver o "mais e mais" de dirigentes se multiplicar, decidiu virar empresária, ainda que o futebol fosse uma área distante da sua formação.

- Não nasci no futebol, não cresci no futebol. Foi mesmo uma coisa que aconteceu naturalmente.
Existe uma explicação: aos 21 anos, optou por morar na Suíça para estudar, especificamente em Zurique, a 125 quilômetros da capital Berna. É formada em direito pela Universidade de Zurique. Mas, quando chegou ao país, precisou cursar novamente o ensino médio, pois de nada valeu seu histórico escolar brasileiro ao tentar fazer a matrícula.

- Naquela época, o Brasil era considerado terceiro mundo. Não era país em desenvolvimento. E falaram que, como eu vinha de um país de terceiro mundo, tinha que repetir o segundo grau, que agora é ensino médio. Eu me senti humilhada, mas repeti e entrei na universidade.

Em Zurique, encontrou a base da Fifa, entidade máxima do futebol. Aproximou-se de seus dirigentes quando trabalhava no mundo financeiro. Surgiram convites para ajudar na tradução e intermediar conversas entre empresários e clubes.


"VOCÊ NÃO É A DONA DAISY?"

Há alguns anos, um grupo de jogadores de 17, 18 anos chegou à Suíça acompanhado de um agente. Um minicampeonato foi disputado para avaliá-los, e dois agradaram aos grandes timesdo país. O valor oferecido não encheu os olhos do empresário, que optou por recusar a oferta. Com viagem marcada, o profissional deixou os meninos sob o cuidado de Daisy até o seu retorno ao país. Convencida de que o dinheiro era justo e seria uma oportunidade para os jovens atletas, tentou segurá-los. Em vão.

Passado o episódio, certo tempo depois, ao se hospedar em um hotel de luxo no Rio de Janeiro, ouviu um chamado de um funcionário do local:

- Desculpa, estou atrapalhando a senhora, mas você não é Daisy?

O rapaz não foi reconhecido e insistiu:
- A senhora não lembra de mim?

Achei muito injusto. Falei: "Se um dia eu puder, vou fazer algo para ajudar esses meninos" 
Daisy Brandino

Mal sabia ela que estava diante de um dos garotos que acolheu tempos atrás. Ao relembrar da história, questionou:

- Como assim? Você não virou jogador?

- Não - respondeu o mordomo.

Papo vai, papo vem, e os destinos dos componentes daquele grupo foram revelados: um entrou para o mundo das drogas e morreu; outro estava na prisão; outro havia voltado para Minas Gerais... Nenhum virou jogador, mesmo que novas propostas tenham surgido. Todas foram rejeitadas por não agradarem ao empresário que os levou para o tour fora do Brasil.

- Fiquei com sentimento de culpa por não ter feito nada. Meu papel era traduzir. Achei muito injusto. Falei: "Se um dia eu puder, vou fazer algo para ajudar esses meninos". Quando voltei para a Suíça, entrei em contato com algumas pessoas, contei o que tinha acontecido e falei que tinha que mudar para não acontecer mais.



O PRIMEIRO CLIENTE

Criou sua própria fundação. De passagens aéreas a ajuda no tratamento físico de jogadores que não tinham condição para bancá-los, aproximou-se dos boleiros. Intermediou conversas com dirigentes, traduziu...

- Nunca alguém bateu na minha porta e eu a deixei fechada.

Entre os ajudados estava Fernandinho, hoje no Manchester City. Convocado para defender a seleção brasileira na Copa do Mundo do ano passado, o volante atuava pelo Shakhtar, da Ucrânia, quando inseriu na roda de negociações com os dirigentes a sua representante.

- Quando apareci no Shakhtar, viram que era eu e ficaram assustados no primeiro momento. Para eles, foi um choque, a primeira mulher que viram fazendo qualquer tipo de negociação no futebol da Ucrânia. Pensaram: "O Fernandinho contratou uma mulher?". O Leste Europeu é muito machista. O desafio foi grande. E, sempre que me apresento a quem não me conhece, ficam chocados e bem curiosos. Mas agora sou amiga do pessoal todo.

Daisy Brandino, empresário de jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)
Daisy Brandino com Fernandinho e os papéis 
na assinatura do contrato com o Manchester 
City (Foto: Arquivo Pessoal)


Fernandinho e Daisy assinaram contrato profissional em junho de 2012, e ele se tornou o seu primeiro cliente. A missão, então, era tirá-lo de Donetsk para que tivesse mais chance de aparecer em grandes centros e entrar no radar de Luiz Felipe Scolari, técnico da Seleção na época. A procura por um novo clube demorou quase nove meses. Até que surgiu o Manchester City e a mudança de cultura.

- Na Inglaterra, tem mulheres trabalhando no futebol, e elas são muito respeitadas. Fui muito bem aceita no City. Eles ficaram curiosos por uma mulher brasileira trabalhar no futebol.
Sentar à mesa com negociantes significou uma mudança de postura e de linguajar, obrigando-os a substituir assuntos masculinos e palavrões por uma postura mais formal:

- Na hora da conversa, a maneira de falar é outra. Eles mudam, sim. E nesse caso acho ótimo, porque mudam o nível. Tanto jogador como clube, é uma questão de postura da gente também. Nesse sentido, tenho sido muito feliz.


AMEAÇA E CORRUPÇÃO

O que parece imutável são certos comportamentos. O jogo fora das quatro linhas é de interesses. E meios pouco convencionais tornam a pressão psicológica a principal arma de persuasão para desejos pessoais. Nomes são guardados em sigilo. Por questões de segurança e profissionais. E aí o problema não é de gênero.

Eles boicotam os jogadores, fazem pressão psicológica, inventam lesão"
Daisy Brandino

- Já tiveram ameaças muitas vezes. Por exemplo: o jogador só tem um ano de contrato. Aí o clube passa que você vai fazer o negócio que eles querem. Não importa. Para o clube, o que importa é quanto ele vai ganhar na transação. E por quanto vai vender o jogador. Eles mandam para qualquer lugar. Dizem que a oferta é ótima para o atleta, por exemplo, para ir para a China. Quando eu recuso essa oferta, quando digo que ele quer ficar na Europa, por exemplo, eles ameaçam deliberadamente. Dizem que vão deixá-los no banco. Eles boicotam os jogadores, fazem pressão psicológica, inventam lesão. Já vi casos tristes de tratarem lesões de jogadores de forma errada. Fazem isso para pressionar. Essa parte é delicada. Acontece de um modo geral.

E os técnicos, eles ganham benefícios financeiros para privilegiar determinados atletas?
- É bem delicada essa pergunta (sobre treinador ganhar dinheiro). Infelizmente, isso acontece. É difícil falar sobre isso, até pela questão ética. É muito delicado, mesmo que não fale o nome, do outro lado a pessoa vai saber que foi aquele caso.


AGENTE FIFA JAMAIS

Apesar de desiludida com as desonestidades da sua profissão, segue adiante. É chamada de "guerreira" pelos mais próximos. E do que viu antes de se infiltrar no meio masculino do futebol, guarda certa mágoa. Por isso, recusa-se a se tornar agente Fifa.

A janela de verão europeia vai abrir, e nesses meses vou correr muito"
Daisy Brandino

- Não sou agente Fifa. Esse perfil do agente... Não quero ser agente nunca. Ficou para mim como se fosse uma ferida. Manchou a imagem pelo que vi. Nunca vou ser. Chamo alguém (agente Fifa) quando for fazer a negociação, mas não quero ser essa figura. Na época eu generalizei, mas tem muitos empresários que também olham para o jogador. Mas em geral o mercado está contaminado.

A empresária, então, pega seu blazer, arruma a mala e parte, no Dia da Mulher, de volta para Zurique. Afinal, precisa cuidar dos seus "filhos adotivos". Na quarta, desembarcará em Munique para acompanhar o jogo do Shakhtar contra o Bayern pela Liga dos Campeões.


- A janela de verão europeia vai abrir, e nesses meses vou correr mui


FONTE:
http://glo.bo/1MitkJa

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