No Dia da Mulher, a responsável pela carreira de 19 atletas conta como entrou no meio masculino, revela pressão de cartolas dos clubes e conta: "Já tiveram ameaças"
Daisy
Brandino assiste a jogo do City, em Manchester: Fernandinho é o
primeiro cliente para superar preconceitos (Foto: Arquivo Pessoal)
Júnior Moraes, do Metalurh Donetsk, da Ucrânia, é um dos 19 atletas com contrato com Daisy Brandino, de 46 anos, que cuida também da carreira de Fernandinho, do Manchester City. Sua empresa, a Victrix, possui escritórios em Zurique, na Suíça, Dubai, no Catar, São Paulo e Goiânia. Consta no seu portfólio também a dupla sertaneja João Lucas e Marcelo e o ex-piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi.
É uma das poucas mulheres que se arriscou a entrar num setor do mundo dos negócios dominado por homens. Talvez por isso cause estranheza ao entrar em salas de reuniões com seu blazer para negociar contratos e bater o pé ao não ceder às tentativas de negociações dos seus atletas. Evitou que Júnior Moraes saísse da Ucrânia para a Ásia; negociou Fernandinho com o Manchester City; e virou uma espécie de segunda mãe, chamada de guerreira pelos "filhos adotivos".
- No meio do futebol é difícil achar alguém que possa confiar, e nela achei uma mãezona. Aquela que cuida mesmo dos detalhes e te ajuda, não importa se tem interesse financeiro no meio ou não - elogia Júnior Moraes.
Mãe de Rafael, de 27 anos, e avó da pequena Sofia, está solteira e com a agenda cheia. Passará este Dia da Mulher em viagem de volta para a Suíça, onde mora há 20 anos. Precisa tratar dos negócios ao lado ddo filho, seu fiel escudeiro.
"NÃO NASCI NO FUTEBOL"
Daisy,
sentada, à esquerda, com a família de Júnior Moraes, do Metalurh:
preocupação com o bem estar dos jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)
- Quando as pessoas têm poder e dinheiro, elas mudam muito. Infelizmente, muitos dirigentes não veem o jogador como ser humano, ele vira mercadoria de negociação. Eles não tratam com carinho como deveriam tratar. O futebol em geral está meio estragado. Às vezes, levo uma boa oferta para o jogador, e os clubes querem mais, e mais, e mais.
Por não querer ver o "mais e mais" de dirigentes se multiplicar, decidiu virar empresária, ainda que o futebol fosse uma área distante da sua formação.
- Não nasci no futebol, não cresci no futebol. Foi mesmo uma coisa que aconteceu naturalmente.
Existe uma explicação: aos 21 anos, optou por morar na Suíça para estudar, especificamente em Zurique, a 125 quilômetros da capital Berna. É formada em direito pela Universidade de Zurique. Mas, quando chegou ao país, precisou cursar novamente o ensino médio, pois de nada valeu seu histórico escolar brasileiro ao tentar fazer a matrícula.
- Naquela época, o Brasil era considerado terceiro mundo. Não era país em desenvolvimento. E falaram que, como eu vinha de um país de terceiro mundo, tinha que repetir o segundo grau, que agora é ensino médio. Eu me senti humilhada, mas repeti e entrei na universidade.
Em Zurique, encontrou a base da Fifa, entidade máxima do futebol. Aproximou-se de seus dirigentes quando trabalhava no mundo financeiro. Surgiram convites para ajudar na tradução e intermediar conversas entre empresários e clubes.
"VOCÊ NÃO É A DONA DAISY?"
Passado o episódio, certo tempo depois, ao se hospedar em um hotel de luxo no Rio de Janeiro, ouviu um chamado de um funcionário do local:
- Desculpa, estou atrapalhando a senhora, mas você não é Daisy?
O rapaz não foi reconhecido e insistiu:
- A senhora não lembra de mim?
Mal sabia ela que estava diante de um dos garotos que acolheu tempos atrás. Ao relembrar da história, questionou:
- Como assim? Você não virou jogador?
- Não - respondeu o mordomo.
Papo vai, papo vem, e os destinos dos componentes daquele grupo foram revelados: um entrou para o mundo das drogas e morreu; outro estava na prisão; outro havia voltado para Minas Gerais... Nenhum virou jogador, mesmo que novas propostas tenham surgido. Todas foram rejeitadas por não agradarem ao empresário que os levou para o tour fora do Brasil.
- Fiquei com sentimento de culpa por não ter feito nada. Meu papel era traduzir. Achei muito injusto. Falei: "Se um dia eu puder, vou fazer algo para ajudar esses meninos". Quando voltei para a Suíça, entrei em contato com algumas pessoas, contei o que tinha acontecido e falei que tinha que mudar para não acontecer mais.
O PRIMEIRO CLIENTE
- Nunca alguém bateu na minha porta e eu a deixei fechada.
Entre os ajudados estava Fernandinho, hoje no Manchester City. Convocado para defender a seleção brasileira na Copa do Mundo do ano passado, o volante atuava pelo Shakhtar, da Ucrânia, quando inseriu na roda de negociações com os dirigentes a sua representante.
- Quando apareci no Shakhtar, viram que era eu e ficaram assustados no primeiro momento. Para eles, foi um choque, a primeira mulher que viram fazendo qualquer tipo de negociação no futebol da Ucrânia. Pensaram: "O Fernandinho contratou uma mulher?". O Leste Europeu é muito machista. O desafio foi grande. E, sempre que me apresento a quem não me conhece, ficam chocados e bem curiosos. Mas agora sou amiga do pessoal todo.
Daisy Brandino com Fernandinho e os papéis
na assinatura do contrato com o Manchester
City (Foto: Arquivo Pessoal)
Fernandinho e Daisy assinaram contrato profissional em junho de 2012, e ele se tornou o seu primeiro cliente. A missão, então, era tirá-lo de Donetsk para que tivesse mais chance de aparecer em grandes centros e entrar no radar de Luiz Felipe Scolari, técnico da Seleção na época. A procura por um novo clube demorou quase nove meses. Até que surgiu o Manchester City e a mudança de cultura.
- Na Inglaterra, tem mulheres trabalhando no futebol, e elas são muito respeitadas. Fui muito bem aceita no City. Eles ficaram curiosos por uma mulher brasileira trabalhar no futebol.
Sentar à mesa com negociantes significou uma mudança de postura e de linguajar, obrigando-os a substituir assuntos masculinos e palavrões por uma postura mais formal:
- Na hora da conversa, a maneira de falar é outra. Eles mudam, sim. E nesse caso acho ótimo, porque mudam o nível. Tanto jogador como clube, é uma questão de postura da gente também. Nesse sentido, tenho sido muito feliz.
AMEAÇA E CORRUPÇÃO
- Já tiveram ameaças muitas vezes. Por exemplo: o jogador só tem um ano de contrato. Aí o clube passa que você vai fazer o negócio que eles querem. Não importa. Para o clube, o que importa é quanto ele vai ganhar na transação. E por quanto vai vender o jogador. Eles mandam para qualquer lugar. Dizem que a oferta é ótima para o atleta, por exemplo, para ir para a China. Quando eu recuso essa oferta, quando digo que ele quer ficar na Europa, por exemplo, eles ameaçam deliberadamente. Dizem que vão deixá-los no banco. Eles boicotam os jogadores, fazem pressão psicológica, inventam lesão. Já vi casos tristes de tratarem lesões de jogadores de forma errada. Fazem isso para pressionar. Essa parte é delicada. Acontece de um modo geral.
E os técnicos, eles ganham benefícios financeiros para privilegiar determinados atletas?
- É bem delicada essa pergunta (sobre treinador ganhar dinheiro). Infelizmente, isso acontece. É difícil falar sobre isso, até pela questão ética. É muito delicado, mesmo que não fale o nome, do outro lado a pessoa vai saber que foi aquele caso.
AGENTE FIFA JAMAIS
- Não sou agente Fifa. Esse perfil do agente... Não quero ser agente nunca. Ficou para mim como se fosse uma ferida. Manchou a imagem pelo que vi. Nunca vou ser. Chamo alguém (agente Fifa) quando for fazer a negociação, mas não quero ser essa figura. Na época eu generalizei, mas tem muitos empresários que também olham para o jogador. Mas em geral o mercado está contaminado.
A empresária, então, pega seu blazer, arruma a mala e parte, no Dia da Mulher, de volta para Zurique. Afinal, precisa cuidar dos seus "filhos adotivos". Na quarta, desembarcará em Munique para acompanhar o jogo do Shakhtar contra o Bayern pela Liga dos Campeões.
- A janela de verão europeia vai abrir, e nesses meses vou correr mui
FONTE:
http://glo.bo/1MitkJa
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