Repórter prestará queixa após relatar ameaças de PMs na noite do último domingo, durante quebra-quebra do lado de fora do estádio do Santos
Material apreendido pela Polícia Militar na sede da Sangue Jovem, do Santos (Foto: G1)
O repórter Bruno Cassucci, do jornal Lance!,
vai registrar Boletim de Ocorrência, em uma delegacia em São Paulo,
relatando agressões e ameaças de policiais enquanto trabalhava na
cobertura da confusão no lado de fora da Vila Belmiro,
após a vitória do Santos sobre o Botafogo, pela 37ª rodada do
Campeonato Brasileiro. Para o portal G1, o responsável pela operação da
PM no jogo negou as acusações. A briga de torcidas foi registrada no 7º
DP de Santos, e 41 pessoas foram detidas com pedaços de pau, facas e
drogas. Cassucci tentou fazer o B.O. nesta segunda-feira, mas "o sistema
estava fora do ar", e ele pretende voltar à delegacia na terça.
O
jornalista trabalhava na partida e se aproximou da confusão entre
membros de torcidas organizadas dos dois times após o apito final, já
fora do estádio. Segundo o relato de Cassucci, policiais pediram que ele
se afastasse, e ele acatou a recomendação. Depois de alguns minutos,
porém, quando os barulhos diminuíram no local do conflito, em frente à
sede da torcida organizada Sangue Jovem, do Santos, o jornalista voltou
para ver como estava a situação. Foi aí que, segundo ele, as ameaças
começaram.
– Estava tirando fotos com o celular
quando um policial me viu e, com a arma apontada para mim, gritou para
eu encostar na parede, com as mãos para o alto. Eu disse que era
jornalista, mas isso parece não ter ajudado, pelo contrário (...) Depois
de verificar que eu estava "limpo", o policial, já cercado por outros,
pediu para eu abrir minha mochila, que também foi revistada. O passo
seguinte foi tomar meu celular. O oficial pediu para eu desbloquear o
aparelho e acessar as imagens. Ele então começou a apagar uma por uma. O
procedimento durou uns cinco minutos, que pareceram eternos. Enquanto
ele fazia isso, uma outra autoridade pediu para eu não olhar para trás.
Errei. Instintivamente, segundos depois eu acabei olhando para o celular
e então fui agredido no rosto – relatou o repórter em uma rede social.
Policiais militares em frente à Vila Belmiro
após a confusão das torcidas (Foto:
Gabriela Fernandes/Arquivo Pessoal')
A abordagem prosseguiu. Depois de alguns minutos, Cassucci diz ter passado pelo momento “mais aterrorizante”.
Cassucci foi liberado pelos policiais
militares pouco depois, mas sem provas do que aconteceu, já que teve que
apagar as fotos e os vídeos da confusão com as torcidas organizadas. A
PM ainda invadiu a sede da Sangue Jovem, uma das torcidas organizadas do
Santos, e apreendeu pedaços de pau, facas e drogas. O local ficou
depredado depois da atuação dos policiais.
A
ocorrência envolvendo a briga foi registrada no 7° Distrito Policial de
Santos. De acordo com Maicon Douglas Moraes, capitão responsável pela
operação na Vila Belmiro, nenhum profissional da imprensa foi agredido
durante a confusão.
No início da tarde desta
segunda-feira, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de
São Paulo enviou um ofício para a Polícia Militar relatando o
acontecimento e pedindo a punição dos envolvidos na agressão ao
repórter.
Entenda o caso
Tudo
começou quando membros de uma torcida organizada do Peixe tentaram
agredir botafoguenses, após o jogo. A Polícia Militar entrou em ação
para tentar dispersar a confusão, e membros da organizada santista
reagiram com rojões. Policiais, então, passaram a usar bombas de gás, e
aí foram torcedores santistas que nada tinham a ver com o fato que
passaram a sofrer. Houve correria para tentar se abrigar. Os bares
próximos à Vila foram fechados até que a confusão terminasse.
Segundo
informações de um oficial da PM, um policial ficou ferido e 40 pessoas
da Sangue Jovem, do Santos, foram detidas. Ainda segundo o oficial, com
os detidos foram encontrados drogas, armas e pedaços de madeira.
Confira o relato completo do repórter Bruno Cassucci:
“Não
quero aparecer, muito menos levantar bandeira. Tenho minhas opiniões,
sentimentos aflorados neste momento e a cabeça ainda confusa. Escrevo
aqui não para fazer juízo de valor, nem generalizar uma classe que sei
que é mal paga, mal equipada e que deveria servir a uma sociedade que em
boa parte lhe detesta. Como jornalista, acredito que não há opinião sem
informação, e é por isso que venho aqui relatar o que vivi na tarde
desse domingo, na Vila Belmiro.
No pior dia da minha curtíssima carreira jornalística e um dos piores da minha vida, fui agredido, ameaçado e tive material jornalístico apagado por policiais militares. Pensei em escrever "censurado", mas por mais que entenda que foi isso que aconteceu, sei que a censura no nosso país já foi muito pior no passado do que a que sofri hoje, de modo que não seria justo colocar tudo num mesmo balaio.
A ordem cronológica foi a seguinte:
Como setorista do Santos no LANCE!, fui escalado para fazer a cobertura da partida da equipe contra o Botafogo. Como os paulistas já não almejam nada neste ano e o clube carioca acabou rebaixado, fui designado a ir para o vestiário visitante após o jogo. Assim que cheguei lá, ouvi barulho de bombas na rua. Ciente da minha função e ignorando as corriqueiras orientações da dona Maria, minha mãe, fui até lá averiguar o que se passava. Não era possível ter certeza, mas tudo indicava que vândalos que se dizem torcedores das duas equipes estavam brigando.
Decidi não ir ao encontro da confusão, como já fiz em outras ocasiões, mas fiquei ali esperando. Passado um tempo, a polícia se concentrou e foi para o lado esquerdo, próximo à entrada principal da Vila e na rua onde fica a sede da organizada Sangue Jovem. Fui atrás, mas mantendo distância. Ali bombas de efeito moral foram arremessadas, e alguns santistas revidaram atirando garrafas e paus. A polícia invadiu a sede da organizada e era possível ouvir explosões e barulho de vidro estilhaçado. Um morador da vizinhança me chamou para dentro de sua casa. Fiquei pouco tempo ali e logo voltei para a rua, a fim de tentar entender - e consequentemente relatar - o que estava acontecendo.
Uma policial, então, me mandou sair "vazado". Argumentei que eu estava trabalhando e ela retrucou: "Eu também. Dá linha, curioso!"
Voltei para a frente da casa na qual havia entrado e esperei as coisas se acalmarem. Já não se ouvia mais bombas ou disparos e decidi voltar para a frente da Sangue Jovem. Foi então que começou tudo.
Estava tirando fotos com o celular quando um policial me viu e, com a arma apontada para mim, gritou para eu encostar na parede, com as mãos para o alto. Eu disse que era jornalista, mas isso parece não ter ajudado, pelo contrário.
No procedimento padrão - ao qual já havia sido submetido em abordagens policiais no passado - fui revistado com certa agressividade, mas até aí tudo bem. Depois de verificar que eu estava "limpo", o policial, já cercado por outros, pediu para eu abrir minha mochila, que também foi revistada. O passo seguinte foi tomar meu celular. O oficial pediu para eu desbloquear o aparelho e acessar as imagens. Ele então começou a apagar uma por uma. O procedimento durou uns cinco minutos, que pareceram eternos.
Enquanto ele fazia isso, uma outra autoridade pediu para eu não olhar para trás. Errei. Instintivamente, segundos depois eu acabei olhando para o celular e então fui agredido no rosto.
Depois, a policial que havia me abordado antes, aquela do "dá linha, curioso", me disse que eu já tinha sido avisado. Eu novamente argumentei que estava ali trabalhando, e ela afirmou: "Eu também estou e você não respeitou meu trabalho". Até agora não sei qual foi meu desrespeito.
Um outro oficial que se aproximou disse que eu estava ali para "defender torcedor" e que a mídia só mostrava quando a polícia bate "nesses caras". A minha intenção era exatamente outra, ouvir algum responsável pela operação para tentar entender o que estava acontecendo.
Foi então que ocorreu a cena mais aterrorizante de toda a abordagem. Um PM aparentando muito nervosismo, se colocou entre mim e a parede, pegou uma bomba de efeito moral, puxou minha calça e a colocou dentro. "Você não é macho? Quero ver ser macho agora". Como fiz durante todo o episódio, expliquei que era jornalista, pedi desculpas, o chamei de "senhor". Ele falou mais algumas coisas que não me lembro agora e saiu.
Aliás, tudo isso aconteceu há cerca de quatro horas e eu já não lembro de diversos detalhes, pelo choque e medo, obviamente. Fiz questão de olhar o nome de todos, um por um, mas já me esqueci de boa parte. Aquela mesma policial percebeu quando eu olhei para a identificação dela e ironizou: "Quer levar para casa? Tenho várias outras, pode levar".
Após apagar todas as fotos, o policial que me enquadrou mandou eu desligar o aparelho e tirar o chip e a bateria. Expliquei que era impossível no iphone e, graças a uma outra oficial que estava perto, ele acreditou.
Por fim, entreguei meu documento ao PM, que saiu e voltou instantes depois. Antes de ser liberado, ele me deu um recado, que começou com algo como "sei que você vem sempre aqui e eu também venho". Não lembro a continuação, mas tenho a impressão que se tratava de uma ameaça.
Ouvi uma ou outra ofensa dos demais oficiais ali presentes e fui liberado.
Já estou em casa, sem qualquer arranhão no corpo, mas com a adrenalina ainda a mil. Poder abraçar minha mãe, jantar o que ela preparou e saber que nada pior aconteceu é tranquilizante. Saber que todos os dias abusos desse tipo e outros muito piores acontecem com gente que não sabe ou não tem como se expressar é o que preocupa. Sei de todos os privilégios que tenho por ser branco, não viver na periferia e ter tido a oportunidade de estudar. Se passo por situações como essa, com certeza há quem viva coisa muito pior diariamente.
O texto é longo, mas espero que meus amigos que há uns dias defenderam a ditadura militar nesta mesma rede social possam ler. Dispenso seu like, faço questão da sua reflexão”
No pior dia da minha curtíssima carreira jornalística e um dos piores da minha vida, fui agredido, ameaçado e tive material jornalístico apagado por policiais militares. Pensei em escrever "censurado", mas por mais que entenda que foi isso que aconteceu, sei que a censura no nosso país já foi muito pior no passado do que a que sofri hoje, de modo que não seria justo colocar tudo num mesmo balaio.
A ordem cronológica foi a seguinte:
Como setorista do Santos no LANCE!, fui escalado para fazer a cobertura da partida da equipe contra o Botafogo. Como os paulistas já não almejam nada neste ano e o clube carioca acabou rebaixado, fui designado a ir para o vestiário visitante após o jogo. Assim que cheguei lá, ouvi barulho de bombas na rua. Ciente da minha função e ignorando as corriqueiras orientações da dona Maria, minha mãe, fui até lá averiguar o que se passava. Não era possível ter certeza, mas tudo indicava que vândalos que se dizem torcedores das duas equipes estavam brigando.
Decidi não ir ao encontro da confusão, como já fiz em outras ocasiões, mas fiquei ali esperando. Passado um tempo, a polícia se concentrou e foi para o lado esquerdo, próximo à entrada principal da Vila e na rua onde fica a sede da organizada Sangue Jovem. Fui atrás, mas mantendo distância. Ali bombas de efeito moral foram arremessadas, e alguns santistas revidaram atirando garrafas e paus. A polícia invadiu a sede da organizada e era possível ouvir explosões e barulho de vidro estilhaçado. Um morador da vizinhança me chamou para dentro de sua casa. Fiquei pouco tempo ali e logo voltei para a rua, a fim de tentar entender - e consequentemente relatar - o que estava acontecendo.
Uma policial, então, me mandou sair "vazado". Argumentei que eu estava trabalhando e ela retrucou: "Eu também. Dá linha, curioso!"
Voltei para a frente da casa na qual havia entrado e esperei as coisas se acalmarem. Já não se ouvia mais bombas ou disparos e decidi voltar para a frente da Sangue Jovem. Foi então que começou tudo.
Estava tirando fotos com o celular quando um policial me viu e, com a arma apontada para mim, gritou para eu encostar na parede, com as mãos para o alto. Eu disse que era jornalista, mas isso parece não ter ajudado, pelo contrário.
No procedimento padrão - ao qual já havia sido submetido em abordagens policiais no passado - fui revistado com certa agressividade, mas até aí tudo bem. Depois de verificar que eu estava "limpo", o policial, já cercado por outros, pediu para eu abrir minha mochila, que também foi revistada. O passo seguinte foi tomar meu celular. O oficial pediu para eu desbloquear o aparelho e acessar as imagens. Ele então começou a apagar uma por uma. O procedimento durou uns cinco minutos, que pareceram eternos.
Enquanto ele fazia isso, uma outra autoridade pediu para eu não olhar para trás. Errei. Instintivamente, segundos depois eu acabei olhando para o celular e então fui agredido no rosto.
Depois, a policial que havia me abordado antes, aquela do "dá linha, curioso", me disse que eu já tinha sido avisado. Eu novamente argumentei que estava ali trabalhando, e ela afirmou: "Eu também estou e você não respeitou meu trabalho". Até agora não sei qual foi meu desrespeito.
Um outro oficial que se aproximou disse que eu estava ali para "defender torcedor" e que a mídia só mostrava quando a polícia bate "nesses caras". A minha intenção era exatamente outra, ouvir algum responsável pela operação para tentar entender o que estava acontecendo.
Foi então que ocorreu a cena mais aterrorizante de toda a abordagem. Um PM aparentando muito nervosismo, se colocou entre mim e a parede, pegou uma bomba de efeito moral, puxou minha calça e a colocou dentro. "Você não é macho? Quero ver ser macho agora". Como fiz durante todo o episódio, expliquei que era jornalista, pedi desculpas, o chamei de "senhor". Ele falou mais algumas coisas que não me lembro agora e saiu.
Aliás, tudo isso aconteceu há cerca de quatro horas e eu já não lembro de diversos detalhes, pelo choque e medo, obviamente. Fiz questão de olhar o nome de todos, um por um, mas já me esqueci de boa parte. Aquela mesma policial percebeu quando eu olhei para a identificação dela e ironizou: "Quer levar para casa? Tenho várias outras, pode levar".
Após apagar todas as fotos, o policial que me enquadrou mandou eu desligar o aparelho e tirar o chip e a bateria. Expliquei que era impossível no iphone e, graças a uma outra oficial que estava perto, ele acreditou.
Por fim, entreguei meu documento ao PM, que saiu e voltou instantes depois. Antes de ser liberado, ele me deu um recado, que começou com algo como "sei que você vem sempre aqui e eu também venho". Não lembro a continuação, mas tenho a impressão que se tratava de uma ameaça.
Ouvi uma ou outra ofensa dos demais oficiais ali presentes e fui liberado.
Já estou em casa, sem qualquer arranhão no corpo, mas com a adrenalina ainda a mil. Poder abraçar minha mãe, jantar o que ela preparou e saber que nada pior aconteceu é tranquilizante. Saber que todos os dias abusos desse tipo e outros muito piores acontecem com gente que não sabe ou não tem como se expressar é o que preocupa. Sei de todos os privilégios que tenho por ser branco, não viver na periferia e ter tido a oportunidade de estudar. Se passo por situações como essa, com certeza há quem viva coisa muito pior diariamente.
O texto é longo, mas espero que meus amigos que há uns dias defenderam a ditadura militar nesta mesma rede social possam ler. Dispenso seu like, faço questão da sua reflexão”
Confira o ofício enviado pelo Sindicato à Polícia Militar:
"Santos, 01 de dezembro de 2014
Ilmo. Senhor
Coronel PM Ricardo Ferreira de Jesus
Comandante do 6º. BPMI – SP
Pedido de providências contra policiais militares
Motivo: agressão e tortura a jornalista
Senhor coronel,
É com revolta e indignação que comunico que, mesmo se
identificando como jornalista e provando que estava exercendo sua profissão,
Bruno Cassucci de Almeida, correspondente do Jornal Lance, foi duramente
agredido e torturado pela equipe de policiais militares após jogo de futebol
envolvendo Santos e Botafogo, no último domingo, na Vila Belmiro.
Ao tentar registrar a briga envolvendo torcedores das duas
equipes e a ação do polícia militar, o jornalista foi abordado por uma
policial, que o teria mandado sair com as seguintes palavras: “vaza, dá linha
curioso”. Palavras no mínimo estranhas, para quem deveria ter educação e ter em
mente a segurança dos cidadãos.
Momentos depois, enquanto estava fotografando a ação dos
policiais no meio da rua (local público), numa atividade inerente à profissão,
Bruno foi novamente abordado, só que sob a mira de um revólver. O policial o mandou
encostar à parede, onde foi revistado de forma agressiva.
Depois de verificar que Bruno estava "limpo", o
policial, já cercado por outros, pediu para ele abrir a mochila. O passo
seguinte foi tomar o celular e apagar todas as imagens. Enquanto ele fazia
isso, outro policial pediu para que não olhasse para trás. Ao olhar para o
celular, o jornalista foi agredido no rosto. Um oficial disse que ele estava
ali para "defender torcedor" e que “a mídia só mostrava quando a
polícia bate nesses caras".
Não bastasse tudo isso, um policial se colocou entre o
jornalista e a parede, pegou uma bomba de efeito moral, puxou a calça de Bruno,
a colocou dentro e disse: "você não é macho? Quero ver ser macho
agora". A mesma policial que o havia abordado no primeiro momento ainda
disse: "quer levar para casa? Tenho várias outras, pode levar".
Diante de toda essa atrocidade, dessa falta de preparo,
dessa afronta à cidadania, ao trabalho e a dignidade humana, exijo a punição de
todos os policiais que abordaram o jornalista Bruno Cassucci de Almeida, que em
visita ao batalhão poderá identificar um por um.
Na certeza que esse Comando tomará uma atitude contra esses
péssimos exemplos de policiais militares,
Carlos Ratton
Diretor Regional
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São
Paulo"
FONTE:
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