Treinador afirma ter encontrado clima de "muito oba-oba" após título da Taça Libertadores, pede para torcida não se preocupar com rival e confia em fim de ano bom
Ao
contrário da maioria dos discursos no futebol atual,
Levir Culpi se mostra verdadeiro, sem papas na língua. E põe o dedo na
ferida de
qualquer assunto abordado. Sem meias palavras, o treinador do
Atlético-MG não
poupou jogadores, torcida e nem a própria diretoria do clube ao comentar
os
problemas enfrentados pelo alvinegro na temporada. Desde que voltou para
o Galo, em abril, para a quarta passagem no clube, na vaga de Paulo
Autuori, Levir observou e viveu situações que o fizeram
entender o atual panorama atleticano. No ano seguinte à maior conquista
do
time, a Taça Libertadores, o técnico destacou que encontrou jogadores,
torcida e dirigente
acomodados com o título.
O que é mais difícil: tirar o time lá de baixo, da má fase ou manter o time lá em cima?
Nesta quarta passagem pelo Atlético-MG,
Levir Culpi analisou várias situações
do clube (Foto: Fernando
Martins Y Miguel)
- O perfil do time, da torcida e dos dirigentes: narizinho
empinado por causa da conquista da tal da Libertadores – avaliou o comandante alvinegro, que recebeu a
reportagem do GLOBOESPORTE.COM na Cidade do Galo, na tarde da última
terça-feira.
O treinador ressaltou que a maior dificuldade que tem é
motivar o grupo, por causa do currículo vencedor do elenco. Além disso, Levir
salientou que é preciso que a torcida se preocupe com o Atlético-MG e não com a
boa campanha do rival Cruzeiro, para justificar as declarações de que o elenco
alvinegro é bom.
- Já ouviu sobre a grama do vizinho? Então, o torcedor está
de olho no vizinho. Nesse momento o Cruzeiro está legal, tem um ótimo elenco. O
torcedor do Atlético-MG quer a mesma coisa. Mas cada um tem que viver sua
realidade. Não adianta você ficar olhando o que eles fazem lá, tem que fazer o
que tem que ser feito aqui.
Essas e outras declarações fortes podem ser conferidas
na entrevista exclusiva a seguir, em um bate papo descontraído com o comandante
alvinegro à beira do campo principal do CT alvinegro:
GLOBOESPORTE.COM:Você
transmite
sinceridade, principalmente nas entrevistas, nas leituras de jogo e de
grupo. Isso sempre foi algo que você carregou contigo? O que o Japão te
trouxe nesse sentido?
Levir Culpi: Acho que sim. Escrevi no livro que a sinceridade é uma
qualidade que, às vezes, te traz alguns problemas. A gente é como a gente é.
Sempre fui assim. Gosto de falar o que estou sentindo. E prefiro ouvir das
pessoas o que elas estão sentindo. Detesto magoar uma pessoa, mas, às vezes,
acontece.
É a sua quarta
passagem pelo Atlético-MG. Em alguns momentos você segurou problemas que
acabaram se tornando algo positivo. Hoje é mais fácil ou é mais difícil?
O grau de dificuldade está aumentando. Hoje as coisas estão
diferentes. Do tempo passado para este, acho que está mais difícil de se
administrar agora. Houve uma evolução da parte financeira. Os investimentos no
Brasil estão cada vez maiores. Mais do que na Europa em alguns casos. É mais
interessante para o jogador ficar no Brasil. Eu costumo brincar com os
jogadores dizendo: ‘Estamos dando dinheiro na mão de índio. Eles não sabem o
que fazer com dinheiro’. Então acontecem os problemas. Mas a questão é a educação.
Acho que devemos investir na educação para depois colher os frutos. E aqui a
gente fica resolvendo os problemas na hora. Sem estruturar. Sem educar. E é por
isso que enfrentamos os diversos problemas hoje em dia.
Qual foi a maior
dificuldade que você enfrentou agora, desde que retornou ao Atlético-MG?
O perfil do time, da torcida e dos dirigentes: narizinho
empinado. Por causa da conquista da tal da Libertadores. A conquista foi ainda
com aqueles ingredientes bem atleticanos: bola na trave, goleiro tirando com
os pés. Foi emocionante. Só que passou um pouquinho. A torcida passou a
exigir um time dali para melhor, e os dirigentes já começaram a pensar em trazer
mais jogadores. Os jogadores pensavam que os outros não chegavam aos pés deles.
Isso é uma coisa natural do ser humano. Falo isso porque é normal e faço isso
também. Às vezes ganho umas partidas e fico um pouco mais confortável, mais
descontraído e isso é prejudicial. Então é traçar planos para vencer novamente.
Acho que é isso que está acontecendo neste momento no Atlético-MG, uma
transição. Mas que isso pode ser consertado tranquilamente.
Levir vê evolução na equipe atleticana
nas últimas três partidas do Brasileiro
(Foto: Bruno Cantini /
Flickr do Atlético-MG)
Você sente
dificuldades para motivar esse grupo, até pelas conquistas que ele teve?
Sinto sim. Para você motivar um time para uma partida que
não seja uma final de Libertadores... veja o peso da situação: quando vai no
pico, eu não tenho muito problema. Um exemplo é a final da Recopa. Mobilizou
todo mundo novamente. Aí eu fico mais tranquilo. Fico mais inseguro quando o
jogo é contra um time de menor expressão. E os times são bons. Não tem um time
ruim no Brasileiro. Então, isso já dá um descontrole emocional. É uma situação
que você tem que trabalhar. Tem que ficar atento para controlar esses altos e
baixos.
Você sempre teve
o nome lembrado no Atlético-MG em diversas oportunidades. Desta vez, um dos
motivos que o presidente do clube te trouxe foi para controlar a vaidade do
grupo?
Não sei, o presidente não me falou sobre isso. Depois do Cuca
foi o Autuori. Foi o Autuori quem tomou o maior impacto da conquista. Ali o trabalho
não ficou muito legal. E até chegar uma pessoa que vai mudar uma coisa que,
aparentemente era perfeita, você vê o nível de dificuldade. Acho que a situação
de agora é o foco no que fazer. Agora é estabelecer os objetivos. A conquista
do Brasileiro e da Copa do Brasil. Tem que focar novamente. E pensar que nós
não estamos tão bem. ‘Não pode. Esse time é maravilhoso e tem que ganhar’. Não
é assim. Esse time é muito bom, mas ele pode melhorar. E temos que atacar isso
para conseguir os nossos objetivos.
É mais difícil
trabalhar com Ronaldinho Gaúcho, Jô e Diego Tardelli, que foram os jogadores
que tiveram situações recentes em que você teve que administrar?
Eu gostaria de trabalhar só com jogadores de grande
qualidade. Mas vai a responsabilidade do técnico e da diretoria em estabelecer
os objetivos. E você tem que colocar os jogadores nesse sistema. Eles e
o técnico não podem nunca ser superiores ao clube. É uma coisa que o dinheiro
deixa as pessoas fora da casinha. Isso acontece com qualquer um.
Se soubermos e tivermos humildade e reconhecer que o time parou um pouquinho no
seu objetivo, é meio caminho para a gente se recuperar.
Para Levir, o clube tem que estar acima de jogadores e treinadores (Foto: Divulgação / CAM)
Você acha que tem
alguém de cara feia nesse grupo?
Eu acho que são muitos. O que tem de cara feia nesse grupo,
meu Deus! (risos). Mas eles têm bom coração. Nesse grupo isso existe muito: o bom
coração.
Onde você acha que
este grupo pode chegar neste ano?
Acho que este grupo pode chegar na ponta do Brasileiro. E
pode conquistar a Copa do Brasil. Pode, mas é muito difícil. Muito difícil. Já
estamos bem atrás no Brasileiro. Perdemos muitos pontos, e com a minha
responsabilidade. Perdemos pontos para o Goiás, Bahia, Criciúma. Focamos numa
conquista de Recopa que eu considero importante e que não poderíamos deixar
passar. Mas aí perdemos alguns pontos. Agora o time está retomando. Tivemos
mais volume de jogo nas últimas três partidas. Acho que dá para chegar. Ainda
com um campeonato de recuperação para encostar na turma da frente. E a Copa do
Brasil é mata-mata e nessas coisas o Atlético-MG está indo bem.
A experiência do
fim das concentrações foi novidade para você? Como você avalia isso aqui no
Atlético-MG?
Já vivi isso há alguns anos. Acho que o Abel está
implantando no Inter. No Japão a gente não concentrava. Vivi isso como jogador
e como técnico. Coisa que me fez pensar sobre isso é que eu queria que os
jogadores do Atlético-MG se aglutinarem um pouco mais. Fechasse mais o grupo.
Falei para eles no início: ‘Se tivermos um nível de confiança que permita que eu
tire a concentração, vou tirar. Vou aguardar um pouco e ver a reação de
vocês’. Isso foi quando eu cheguei. Acontece que uma coisa os atletas desse
elenco têm de bom. Não posso nunca pedir empenho deles durante os jogos. Eles
sempre dão 100% nas partidas. Isso eu não cobro deles. Preciso cobrar
profissionalismo. Que inclui alimentação, descanso, percentual de gordura.
Essas coisas que um atleta obrigatoriamente deve ter. Pode viver com a família
normal. O atleta não pode ser encontrado numa balada até às 6h. Ele é um atleta
de futebol. É uma questão de conscientização.
saiba mais
O que é mais difícil: tirar o time lá de baixo, da má fase ou manter o time lá em cima?
Não existe resposta. Acho que tem o
mesmo peso. Sair de baixo e se manter em cima. Isso é o que norteia o campeão.
Ele sai lá de baixo e se mantém em cima.
Você disse que o
elenco é bom, mas parte da torcida acredita que não e pede reforços. Por que
essa divergência de opinião entre você e o torcedor?
Já ouviu sobre a grama do vizinho? Então, o torcedor está
de olho no vizinho. Nesse momento o Cruzeiro está legal, tem um ótimo elenco. O
torcedor do Atlético-MG quer a mesma coisa. Eles querem contratar jogadores.
Mas cada um tem que viver sua realidade. Não adianta você ficar olhando o que
eles fazem lá, tem que fazer o que tem que ser feito aqui. O fato de você
contratar jogadores, às vezes, complica muito o time. Se você tem três
jogadores por posição, o elenco já está desregulado. Tem que ter dois para cada
posição. E além dos meninos que estão subindo, porque a categoria de base do
Atlético-MG é muito boa. Olha o exemplo do Jemerson. Substituiu o Réver numa
final de Recopa. E hoje está jogando. Mas o cara quer o David Luiz. É uma
euforia, um negócio em volta. Tem que pensar um pouquinho. Às vezes, com um
time humilde a gente consegue objetivo. Não é humilde, é com os pés no chão.
Não fazer loucura. Precisa melhorar mesmo.
Levir Culpi também falou dos motivos
que o fizeram acabar com a
concentração antes dos jogos
(Foto: Fernando Martins)
Se o Atlético-MG
não conquistar uma vaga na Libertadores do ano que vem, você consideraria uma
decepção?
Sinceramente, pelo investimento e pela qualidade do clube,
eu acho. Mas se olhar como foi conduzida a coisa, a organização, não. É muito
"oba-oba". Eu acho que dá tempo de o time se recuperar ainda e disputar uma
Libertadores.
É difícil
conduzir um grupo com problemas no atraso de salários?
Eu confio muito no presidente. E os
jogadores também. Ele não deixa atrasar os salários dos funcionários, dos que
ganham menos. Isso é muito legal num momento difícil. Tem uma retenção de 30 ou
50 milhões. Isso é uma dificuldade financeira do clube que dá para entender.
Sei que essa situação vai ser superada. Mas o futebol brasileiro de uma maneira
geral vai bater na parede. Um clube no Brasil somente que não deve para ninguém,
que é a Chapecoense. É uma coisa que tem que ser repensada.
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