quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sem papas na língua, Levir põe dedo nas feridas do Galo: "Nariz empinado"

Treinador afirma ter encontrado clima de "muito oba-oba" após título da Taça Libertadores, pede para torcida não se preocupar com rival e confia em fim de ano bom


Por Belo Horizonte


Ao contrário da maioria dos discursos no futebol atual, Levir Culpi se mostra verdadeiro, sem papas na língua. E põe o dedo na ferida de qualquer assunto abordado. Sem meias palavras, o treinador do Atlético-MG não poupou jogadores, torcida e nem a própria diretoria do clube ao comentar os problemas enfrentados pelo alvinegro na temporada. Desde que voltou para o Galo, em abril, para a quarta passagem no clube, na vaga de Paulo Autuori, Levir observou e viveu situações que o fizeram entender o atual panorama atleticano. No ano seguinte à maior conquista do time, a Taça Libertadores, o técnico destacou que encontrou jogadores, torcida e dirigente acomodados com o título.

Levir Culpi Atlético MG (Foto: Fernando Martins Y Miguel)
Nesta quarta passagem pelo Atlético-MG, 
Levir Culpi analisou várias situações 
do clube (Foto: Fernando 
Martins Y Miguel)

- O perfil do time, da torcida e dos dirigentes: narizinho empinado por causa da conquista da tal da Libertadores – avaliou o comandante alvinegro, que recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM na Cidade do Galo, na tarde da última terça-feira.

O treinador ressaltou que a maior dificuldade que tem é motivar o grupo, por causa do currículo vencedor do elenco. Além disso, Levir salientou que é preciso que a torcida se preocupe com o Atlético-MG e não com a boa campanha do rival Cruzeiro, para justificar as declarações de que o elenco alvinegro é bom.
Gosto de falar o que estou sentindo. E prefiro ouvir das pessoas o que elas estão sentindo. Detesto magoar uma pessoa, mas, às vezes, acontece.
Levir Culpi

- Já ouviu sobre a grama do vizinho? Então, o torcedor está de olho no vizinho. Nesse momento o Cruzeiro está legal, tem um ótimo elenco. O torcedor do Atlético-MG quer a mesma coisa. Mas cada um tem que viver sua realidade. Não adianta você ficar olhando o que eles fazem lá, tem que fazer o que tem que ser feito aqui.

Essas e outras declarações fortes podem ser conferidas na entrevista exclusiva a seguir, em um bate papo descontraído com o comandante alvinegro à beira do campo principal do CT alvinegro:


GLOBOESPORTE.COM:Você transmite sinceridade, principalmente nas entrevistas, nas leituras de jogo e de grupo. Isso sempre foi algo que você carregou contigo? O que o Japão te trouxe nesse sentido?
Levir Culpi: Acho que sim. Escrevi no livro que a sinceridade é uma qualidade que, às vezes, te traz alguns problemas. A gente é como a gente é. Sempre fui assim. Gosto de falar o que estou sentindo. E prefiro ouvir das pessoas o que elas estão sentindo. Detesto magoar uma pessoa, mas, às vezes, acontece.


É a sua quarta passagem pelo Atlético-MG. Em alguns momentos você segurou problemas que acabaram se tornando algo positivo. Hoje é mais fácil ou é mais difícil?
O grau de dificuldade está aumentando. Hoje as coisas estão diferentes. Do tempo passado para este, acho que está mais difícil de se administrar agora. Houve uma evolução da parte financeira. Os investimentos no Brasil estão cada vez maiores. Mais do que na Europa em alguns casos. É mais interessante para o jogador ficar no Brasil. Eu costumo brincar com os jogadores dizendo: ‘Estamos dando dinheiro na mão de índio. Eles não sabem o que fazer com dinheiro’. Então acontecem os problemas. Mas a questão é a educação. Acho que devemos investir na educação para depois colher os frutos. E aqui a gente fica resolvendo os problemas na hora. Sem estruturar. Sem educar. E é por isso que enfrentamos os diversos problemas hoje em dia.


Qual foi a maior dificuldade que você enfrentou agora, desde que retornou ao Atlético-MG?
O perfil do time, da torcida e dos dirigentes: narizinho empinado. Por causa da conquista da tal da Libertadores. A conquista foi ainda com aqueles ingredientes bem atleticanos: bola na trave, goleiro tirando com os pés. Foi emocionante. Só que passou um pouquinho. A torcida passou a exigir um time dali para melhor, e os dirigentes já começaram a pensar em trazer mais jogadores. Os jogadores pensavam que os outros não chegavam aos pés deles. Isso é uma coisa natural do ser humano. Falo isso porque é normal e faço isso também. Às vezes ganho umas partidas e fico um pouco mais confortável, mais descontraído e isso é prejudicial. Então é traçar planos para vencer novamente. Acho que é isso que está acontecendo neste momento no Atlético-MG, uma transição. Mas que isso pode ser consertado tranquilamente.

Levir Culpi comanda treino no Atlético-MG (Foto: Bruno Cantini / Flickr do Atlético-MG)
Levir vê evolução na equipe atleticana 
nas últimas três partidas do Brasileiro 
(Foto: Bruno Cantini / 
Flickr do Atlético-MG)


Você sente dificuldades para motivar esse grupo, até pelas conquistas que ele teve?
Sinto sim. Para você motivar um time para uma partida que não seja uma final de Libertadores... veja o peso da situação: quando vai no pico, eu não tenho muito problema. Um exemplo é a final da Recopa. Mobilizou todo mundo novamente. Aí eu fico mais tranquilo. Fico mais inseguro quando o jogo é contra um time de menor expressão. E os times são bons. Não tem um time ruim no Brasileiro. Então, isso já dá um descontrole emocional. É uma situação que você tem que trabalhar. Tem que ficar atento para controlar esses altos e baixos.


Você sempre teve o nome lembrado no Atlético-MG em diversas oportunidades. Desta vez, um dos motivos que o presidente do clube te trouxe foi para controlar a vaidade do grupo?
Não sei, o presidente não me falou sobre isso. Depois do Cuca foi o Autuori. Foi o Autuori quem tomou o maior impacto da conquista. Ali o trabalho não ficou muito legal. E até chegar uma pessoa que vai mudar uma coisa que, aparentemente era perfeita, você vê o nível de dificuldade. Acho que a situação de agora é o foco no que fazer. Agora é estabelecer os objetivos. A conquista do Brasileiro e da Copa do Brasil. Tem que focar novamente. E pensar que nós não estamos tão bem. ‘Não pode. Esse time é maravilhoso e tem que ganhar’. Não é assim. Esse time é muito bom, mas ele pode melhorar. E temos que atacar isso para conseguir os nossos objetivos.


É mais difícil trabalhar com Ronaldinho Gaúcho, Jô e Diego Tardelli, que foram os jogadores que tiveram situações recentes em que você teve que administrar?
Eu gostaria de trabalhar só com jogadores de grande qualidade. Mas vai a responsabilidade do técnico e da diretoria em estabelecer os objetivos. E você tem que colocar os jogadores nesse sistema. Eles e o técnico não podem nunca ser superiores ao clube. É uma coisa que o dinheiro deixa as pessoas fora da casinha. Isso acontece com qualquer um. Se soubermos e tivermos humildade e reconhecer que o time parou um pouquinho no seu objetivo, é meio caminho para a gente se recuperar.

Levir Culpi Atlético-MG (Foto: Divulgação / CAM)Para Levir, o clube tem que estar acima de jogadores e treinadores (Foto: Divulgação / CAM)


Você acha que tem alguém de cara feia nesse grupo?
Eu acho que são muitos. O que tem de cara feia nesse grupo, meu Deus! (risos). Mas eles têm bom coração. Nesse grupo isso existe muito: o bom coração.


Onde você acha que este grupo pode chegar neste ano?
Acho que este grupo pode chegar na ponta do Brasileiro. E pode conquistar a Copa do Brasil. Pode, mas é muito difícil. Muito difícil. Já estamos bem atrás no Brasileiro. Perdemos muitos pontos, e com a minha responsabilidade. Perdemos pontos para o Goiás, Bahia, Criciúma. Focamos numa conquista de Recopa que eu considero importante e que não poderíamos deixar passar. Mas aí perdemos alguns pontos. Agora o time está retomando. Tivemos mais volume de jogo nas últimas três partidas. Acho que dá para chegar. Ainda com um campeonato de recuperação para encostar na turma da frente. E a Copa do Brasil é mata-mata e nessas coisas o Atlético-MG está indo bem.


A experiência do fim das concentrações foi novidade para você? Como você avalia isso aqui no Atlético-MG?
Já vivi isso há alguns anos. Acho que o Abel está implantando no Inter. No Japão a gente não concentrava. Vivi isso como jogador e como técnico. Coisa que me fez pensar sobre isso é que eu queria que os jogadores do Atlético-MG se aglutinarem um pouco mais. Fechasse mais o grupo. Falei para eles no início: ‘Se tivermos um nível de confiança que permita que eu tire a concentração, vou tirar. Vou aguardar um pouco e ver a reação de vocês’. Isso foi quando eu cheguei. Acontece que uma coisa os atletas desse elenco têm de bom. Não posso nunca pedir empenho deles durante os jogos. Eles sempre dão 100% nas partidas. Isso eu não cobro deles. Preciso cobrar profissionalismo. Que inclui alimentação, descanso, percentual de gordura. Essas coisas que um atleta obrigatoriamente deve ter. Pode viver com a família normal. O atleta não pode ser encontrado numa balada até às 6h. Ele é um atleta de futebol. É uma questão de conscientização.


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O que é mais difícil: tirar o time lá de baixo, da má fase ou manter o time lá em cima?
Não existe resposta. Acho que tem o mesmo peso. Sair de baixo e se manter em cima. Isso é o que norteia o campeão. Ele sai lá de baixo e se mantém em cima.


Você disse que o elenco é bom, mas parte da torcida acredita que não e pede reforços. Por que essa divergência de opinião entre você e o torcedor?
Já ouviu sobre a grama do vizinho? Então, o torcedor está de olho no vizinho. Nesse momento o Cruzeiro está legal, tem um ótimo elenco. O torcedor do Atlético-MG quer a mesma coisa. Eles querem contratar jogadores. Mas cada um tem que viver sua realidade. Não adianta você ficar olhando o que eles fazem lá, tem que fazer o que tem que ser feito aqui. O fato de você contratar jogadores, às vezes, complica muito o time. Se você tem três jogadores por posição, o elenco já está desregulado. Tem que ter dois para cada posição. E além dos meninos que estão subindo, porque a categoria de base do Atlético-MG é muito boa. Olha o exemplo do Jemerson. Substituiu o Réver numa final de Recopa. E hoje está jogando. Mas o cara quer o David Luiz. É uma euforia, um negócio em volta. Tem que pensar um pouquinho. Às vezes, com um time humilde a gente consegue objetivo. Não é humilde, é com os pés no chão. Não fazer loucura. Precisa melhorar mesmo.


Levir Culpi Atlético MG (Foto:  Fernando Martins Y Miguel)
Levir Culpi também falou dos motivos 
que o fizeram acabar com a 
concentração antes dos jogos 
(Foto: Fernando Martins)


Se o Atlético-MG não conquistar uma vaga na Libertadores do ano que vem, você consideraria uma decepção?
Sinceramente, pelo investimento e pela qualidade do clube, eu acho. Mas se olhar como foi conduzida a coisa, a organização, não. É muito "oba-oba". Eu acho que dá tempo de o time se recuperar ainda e disputar uma Libertadores.


É difícil conduzir um grupo com problemas no atraso de salários?
Eu confio muito no presidente. E os jogadores também. Ele não deixa atrasar os salários dos funcionários, dos que ganham menos. Isso é muito legal num momento difícil. Tem uma retenção de 30 ou 50 milhões. Isso é uma dificuldade financeira do clube que dá para entender. Sei que essa situação vai ser superada. Mas o futebol brasileiro de uma maneira geral vai bater na parede. Um clube no Brasil somente que não deve para ninguém, que é a Chapecoense. É uma coisa que tem que ser repensada.


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