Entrosada dentro e fora de campo, dupla divide até artilharias na China e, junto a Darío Conca, é a esperança para Marcello Lippi surpreender e faturar mais um título
O entrosamento dos brasileiros ficou ainda mais evidente na entrevista concedida ao GloboEsporte.com no hotel onde o técnico italiano Marcello Lippi e seus comandados estão hospedados, em Agadir, cidade-sede do torneio. Enquanto um argumentava, o outro ouvia. Os dois só ameaçaram falar juntos quando surgiu o assunto sobre a artilharia da competição, que começou na última quarta-feira com a vitória do Raja Casablanca sobre o Auckland City.
Muriqui e Elkeson pouco se parecem, mas já mostram
entrosamento afiado no Guangzhou (Foto: Victor Canedo)
Elkeson, goleador máximo do Campeonato Chinês, com 24 gols, teve Muriqui, nove gols, como o seu parceiro de ataque no torneio. Os papeis se inverteram na Champions, quando o ex-jogador de Atlético-MG e Vasco marcou 13 vezes e faturou o prêmio de melhor jogador. O ex-atleta de Vitória e Botafogo somou seis gols. Quem seria, então, o artilheiro do Mundial?
- O importante é que a gente tenha um entrosamento muito bom dentro de campo, com Muriqui e Conca. Nós três fizemos muitos gols durante essa temporada. Porque não existe aquele cara fominha, a gente sempre procura ver quem está bem posicionado, deixar o companheiro na cara do gol. Claro que o Muriqui esse ano me deixou mais na cara do que eu deixei ele (risos). Pela função dele é normal. Mas a gente espera fazer um grande campeonato, independentemente de quem vai fazer os gols é a equipe vencer e fazer um grande jogo contra o Bayern de Munique se a gente ganhar – disse Elkeson.
A dupla, na verdade, também é um trio. Em seu último ano no Guangzhou, Conca marcou 22 vezes entre Chinês e Liga dos Campeões. A participação dos três em gols da equipe no campeonato nacional é de 60,2% (47 gols dos 78), enquanto no continental é de 75% (27 de 36). Os números impressionantes ressaltam a dependência de Lippi em seus sul-americanos.
- Nós três nos completamos. Agora o Conca está jogando um pouco mais atrás. Ele é o cara do passe, eu sou aquele que vem puxando a marcação e o Elkeson é quem finaliza mais. Um vai completando o outro. Acho que o sucesso da nossa equipe também reflete um pouco nessa situação. Um tem características diferentes do outro. O que falta para mim tem nele. E o que falta para o Conca tem em mim, no caso. Isso ajuda bastante para se completar. Tem dado certo. Os opostos se atraem (risos) – avaliou Muriqui.
Muriqui recebe prêmio de melhor jogador da Liga
dos Campeões da Ásia (Foto: Getty Images)
Serão os últimos dias, porém, de convivência com o argentino. Conca já assinou contrato com o Fluminense, clube onde é ídolo e voltará a jogar em 2014. Elkeson, com vínculo até dezembro de 2017, e Muriqui, até 2016, esperam encontrar um novo garçom quando voltarem de férias.
- O Conca é um grande profissional, sempre observo muito ele nos treinamentos. Está treinando bem, nunca dá aquele “miguézinho”, não reclama. Como jogador é um exemplo a ser seguido. Como pessoa também, fora de campo, brincalhão, quem convive com ele sabe que gosta muito de zoar. Cara nota mil, brincalhão, gente boa. A gente está perdendo um cara que nos ajuda muito dentro de campo. Espero que o clube contrate outro jogador do mesmo nível porque facilita pra gente ali da frente também – revelou Elkeson.
Confira a entrevista completa abaixo, tema por tema:
O que sente mais falta do Brasil?
Muriqui: Eu sinto falta das coisas mais simples. Minha vida é uma rotina de estar sempre com minha família, parentes, amigos. Então sinto falta de ir para a rua, ficar trocando ideia. Aqui você não tem. Comida a gente leva para a China, então ameniza um pouco. Levamos na mala, dá uma ajuda.
Saudades da família?
Elkeson: Eu tenho uma namorada. Como ela faz faculdade, estava terminando, não pôde ficar comigo o ano todo. Mas foi duas vezes me visitar. O meu irmão também foi. E eu levei um amigo meu, que trabalhava no Vitória como preparador físico. Ele está me ajudando nos treinamentos e fora do campo. Conseguimos fazer um belo ano de trabalho e agora ele é funcionário do clube. Para mim foi importante ter ele para me auxiliar fora de campo.
M: Quando eu cheguei, na realidade, a empresa estava comprando o clube. Era uma de farmácia e trocou por uma de construção. Estava num momento de transição. Tinha um brasileiro, machucado no Brasil, um preparador físico brasileiro, e um africano (Charles), que fala português muito bem, por sinal. Morávamos no mesmo condomínio, estávamos juntos e essa companhia foi fundamental na adaptação.
Elkeson se encontrou como camisa 9 no Guangzhou
(Foto: Getty Images)
E o que não sente falta?
E: O Brasil é muito violento, a gente acompanha, vê muita notícia do Brasil, tanto no futebol como também dos acontecimentos de fora. Na China é diferente. Você pode andar na rua com o celular, as pessoas dormem dentro do carro, é o que eu mais estranhei. Você tá esperando alguém, o cara para o carro e dorme. Nunca que isso iria acontecer no Brasil. Iriam roubar o carro na hora (risos). Mas é normal, em todo o lugar, fica tranquilo lá. Infelizmente tem muito assalto, violência nas cidades brasileiras. Esse é um ponto positivo na China, pode andar tranquilo, não precisa sair com medo de acontecer alguma coisa.
Primeiro ano de Elkeson
E: Essa primeira temporada foi especial. Acho que foi um ano bom para mim individualmente, como para a equipe. A gente conseguiu conquistar o maior objetivo, campeão da Champions, e disputar um Mundial. Poder fazer parte desse time para mim é uma satisfação muito grande. Poder jogar com grandes jogadores, o Muriqui e o Conca, os melhores da China. Então ter também um grande treinador, que já foi campeão praticamente de tudo na sua carreira. Para mim foi um ano de aprendizado e muito proveitoso de conquistas individuais também.
Histórias da China
E: História triste tem muita. O que me estressa muito são as viagens. A China é o terceiro maior país do mundo. Sempre falava “que viagem longa, chata, cansativa” até conhecer a China. Você passa um dia viajando. Chega cansado, com fome, ainda vai ter que treinar. E na Liga dos Campeões da Ásia são viagens bem longas. Quanto às mais curiosas, nosso tradutor aqui que às vezes não entende e passa errado. Mas quando o treinador fala com a gente e está bravo principalmente dá para entender (risos).
Marcello Lippi cobra muito?
M: Tem momento de cobrança e outros mais tranquilos. Mas em geral não temos problema com ele. Ele respeita o nosso trabalho, a gente o dele, então não há problema em relação a comportamento, cobrança para com os estrangeiros. Ele sabe o jeito certo.
E: Não tem vaidade no grupo também. Conta muito. Ele sempre está mudando peça no time. Quem está ali fora está torcendo, vibrando. É importante para o grupo.
Marcello Lippi é festejado pelos jogadores após mais um
título do Guangzhou Evergrande (Foto: Getty Images)
Saída do Conca
M: O Conca esteve aqui dois anos e meio, foi muito bem. Cumpriu bem com as obrigações. E saiu num momento que é bom para ele também, disputar um Mundial, sendo campeão da Champions. Falo que toda história tem um fim. E a dele aqui infelizmente para nós chegou ao fim. Dentro de campo é um cara de muita qualidade e nos ajuda muito. Temos que ver o lado dele também. Chega uma hora que cansa e tem que dar uma mudada para dar aquela motivada. Penso que o tempo que ele ficou aqui foi bom para ele, para o clube. Agora quem ganha com a saída dele é o Fluminense.
Muriqui elogiou bastante o argentino e companheiro Darío Conca (Foto: Victor Canedo)
Diferenças entre futebol brasileiro e chinês
E: O futebol chinês é rápido. É um pouco violento, tem muitos jogadores desleais, inclusive já sofri um pouco esse ano. Saí ileso, mas só tomei cartão, nunca aconteceu na minha carreira. Foi no último jogo da Copa, achei deslealdade do jogador querer nos machucar. No Brasil é um futebol mais técnico, porém o futebol hoje está muito... Não adianta ter apenas qualidade. Tem que ter força, velocidade. Futebol precisa disso, tanto no Brasil quanto na China também.
M: Acho que no Brasil é um jogo mais jogado, tocado. Aqui é mais velocidade. O Brasil tem muito mais qualidade do que na China. E isso torna a nossa vida aqui muito mais difícil. Normalmente os times que jogam contra o nosso vêm para se defender. São dez caras lá atrás jogando por uma bola. Aí você tem que criar diversas situações para fazer um gol. Se você fizer eles desmontam. Acaba o jogo. Se saírem vão levar mais. Se ficarem só lá atrás vamos fazer outro gol. Essa é a diferença. No Brasil você ataca e é atacado. Aqui nosso time ataca muito mais do que é atacado. Quem joga na retranca no Brasil é muito criticado, é um bate-volta. Mas melhorou muito desde que eu cheguei aqui.
Conca dará tchau ao Guangzhou após o Mundial de
Clubes (Foto: Getty Images)
China pode virar potência no futebol?
M: Para agora é difícil. Mas para um futuro, acredito que sim. Precisa mudar um pouco a mentalidade, tem grande possibilidade. Talvez estejamos fazendo parte disso, espero que outros clubes possam seguir o exemplo do nosso, com jogadores de qualidade, que queiram crescer com o futebol chinês. Não adianta apenas um time investir. Vai chegar uma hora que o cara vai falar “ganho sempre, por que fazer de novo?”. Torcemos para que isso aconteça e o nível dos jogadores chineses e estrangeiros aumente.
Há limite para o Guangzhou Evergrande?
M: O nosso limite é sempre vencer. Quando cheguei aqui o projeto do dono era sempre vencer, procurar as vitórias. E o objetivo principal era ganhar a Champions em cinco anos. Veio em três anos e meio. Foi alcançado esse objetivo. Somos três vezes campeão do Chinês, uma vez da Segunda, Copa, Supercopa. Faltava a Champions, que conseguimos. E o único título que podemos disputar, no caso, é o Mundial. Vamos jogar com equipes teoricamente mais fortes que a nossa. Sabemos que é muito difícil, não impossível, mas muito difícil vencer. Vamos até o nosso limite. Mas sabemos que é difícil isso acontecer. Hoje é participar do Mundial, pela primeira vez um time chinês está aqui. E depois, ano que vem, é outra história. Não tem como pensar em disputar o Mundial para vencer nesse momento, é difícil.
Elkeson artilheiro do Chinês. Muriqui da Liga dos Campeões. E no Mundial?
E: O importante é que a gente tenha um entrosamento muito bom dentro de campo, com Muriqui e Conca. Nós três fizemos muitos gols durante essa temporada. Porque não existe aquele cara fominha, a gente sempre procura ver quem está bem posicionado, deixar o companheiro na cara do gol. Claro que o Muriqui esse ano me deixou mais na cara do que eu deixei ele (risos). Pela função dele é normal. Mas a gente espera fazer um grande campeonato, independentemente de quem vai fazer os gols é a equipe vencer e fazer um grande jogo contra o Bayern de Munique se a gente ganhar o primeiro.
Muriqui e Elkeson dividiram artilharias com o Guangzhou
em 2013 (Foto: Victor Canedo)
Entrosamento é ponto forte
M: Nós três nos completamos. Agora o Conca está jogando um pouco mais atrás. Ele é o cara do passe, eu sou aquele que vem puxando a marcação e o Elkeson é quem finaliza mais. Um vai completando o outro. Acho que o sucesso da nossa equipe também reflete um pouco nessa situação. Um tem características diferentes do outro. O que falta para mim tem nele. E o que falta para o Conca tem em mim, no caso. Isso ajuda bastante para se completar. Tem dado certo. Os opostos se atraem (risos).
Elkeson, o centroavante?
Elkeson na chegada ao Marrocos (Victor Canedo)
Espelho para a posição
E: Sempre vejo, e o melhor que vi até hoje, é o Ronaldo. Sempre vejo vídeo dele, das movimentações que fazia, quando jogava no Inter de Milão, Real Madrid, Barcelona. Tem a mesma característica. Não sou aquele jogador de ficar paradão ali na frente, sempre me movimento. Tem um pouco de velocidade. Não posso mudar minha característica também, que é sempre carregar a bola. Mas ultimamente tem sido mais toque de bola e finalização.
Botafogo na Libertadores
E: Eu acompanhei os meus dois ex-times. Vitória que quase foi, fez uma bela campanha. Se os dois estivessem na Libertadores seria perfeito. Mas o ano do Botafogo foi muito bom, principalmente no início da temporada, primeiro turno foi muito bem. Deu uma caída no final, mas fico feliz pelos meus ex-companheiros de time. Pelo presidente que merece também essa classificação para a Libertadores. Os funcionários que trabalham ali, os torcedores, que viram o time tantos anos bater na trave, fez a parte comparecendo mais aos jogos. Não seria justo o Botafogo não conseguir a classificação pelo que fez durante todo o ano. Campeão carioca...
Elkeson nos tempos de Botafogo: Alvinegro conseguiu a
sonhada vaga na Libertadores (Foto: Wagner Meier / Agif)
Atlético-MG no Mundial
M: O Atlético já merecia um título de expressão há algum tempo. Pela estrutura que tem, te dá condição. E pela torcida que dispensa comentários. Times assim sempre precisam estar disputando algo. Não é para brigar para não cair ou meio de tabela. Times como Flamengo, Vasco, Atlético, Corinthians, têm que brigar. E o Galo tinha essa sina de não conquistar títulos importantes. 2013 foi importante. Fico feliz por ter jogado no Atlético, pelas pessoas que trabalham lá. E agora eles estão aqui no Marrocos. Infelizmente outra cidade, talvez não se encontre, mas torço pelo sucesso deles também.
rebaixamento do vasco
M: E o Vasco é difícil falar. É a segunda vez que cai em cinco anos. O que você vai falar? Teve uma experiência de novo. Aí eu penso: será que não deu tempo de se estruturar, ver o que deu errado? É complicado, não sei o que se passa lá, se tem algum problema. Mas de fora, vendo, tem que mudar. Completamente. Não só jogador, mas a parte que comanda o clube. É o principal a ser mudado. Uma pena o Vasco ter caído, Fluminense também, mas faz parte, tomara que sirva de lição, que os dois consigam ao final do ano que vem conseguir subir e depois se estruturar para não passar por isso novamente.
Muriqui e Elkeson lembram dos tempos de criança
assistindo ao Mundial de Clubes (Foto: Victor Canedo)
M: Importante para todo jogador. O europeu não dá importância quando ganha, mas quando perde dá. Ele fala “putz”, não vou chegar aqui de novo. Via finais pela TV quando era mais novo que eles apareciam que iriam chegar e atropelar. Na realidade perdiam e ficavam com cara de que não acreditavam. Para mim é muito importante estar participando. Milhares de jogadores queriam estar no meu lugar, do Elkeson, do nosso time. Isso é um privilégio que temos de desfrutar, aproveitar. Faltam 10 dias para entrarmos de férias. Tem que aproveitar bastante porque não sabemos quando terá outra oportunidade. Tomara que ano que vem consiga de novo. Mas e se não conseguir vamos pensar muita coisa. Tem que fazer tudo aquilo que a gente tem que fazer esse ano. Ver as coisas boas que elas proporcionam.
E: Eu sonhava em disputar um Mundial, até acompanhei muitos na TV. Acho que é o sonho de cada jogador poder ir com o seu time disputá-lo. Queria poder participar com um time brasileiro, seria para mim muito importante também. Vencer uma Libertadores. Mas também estou feliz de ter sido campeão da Champions da Ásia, torneio muito importante. Quem não acompanha no Brasil não sabe da importância que é vencer esse campeonato. Conseguimos ser campeão e agora estamos aqui. Estou realizando um sonho e quero poder fazer um belo campeonato, assim como meus companheiros. Quem sabe chegar até uma final. Sabemos que é difícil, o primeiro jogo já é difícil, o time do Egito. E passando ainda teria o Bayern de Munique, campeão da Europa. Equipe é muito forte, a gente joga no videogame. É o sonho de todos os jogadores estar disputando. E graças a Deus temos essa oportunidade. Queremos fazer bonito.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/mundial-de-clubes/noticia/2013/12/afiados-elkeson-e-muriqui-embalam-o-sonho-do-guangzhou-no-marrocos.html
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