domingo, 8 de janeiro de 2017

Alice já não fala mais de flores



FONTE:
http://jornalggn.com.br/blog/arkx/alice-ja-nao-fala-mais-de-flores





afinal, o que Alice quer? o que desejam estas jovens mulheres na vanguarda do movimento de re-existência ao golpe?
o único tesão da Ex-querda parece ser sua ânsia em encontrar um homem para chamar de seu. um “grande líder” para encarnar a fantasia do “salvador da pátria”. um “cavaleiro encantado”  para nos salvar do cruel opressor: o “Primeiro Marido”. este quase “inefável” esposo de uma primeira dama bela, recatada e do lar.
mas é tão óbvio não ser isto o que estas mulheres querem! para elas, seu o lar é o mundo, seu recato a potência do útero e sua beleza a pintura de guerra. nenhuma delas nasceu mulher. estão se tornando.
- Não sei, disse Alice, hesitante. – Não quero ser prisioneira de ninguém. Quero ser uma Rainha.
- E será, quando tiver transposto o próximo riacho, disse o Cavaleiro Branco. – Vou levá-la em segurança até a orla do bosque… e depois tenho de voltar. É o fim do meu movimento.
neste tabuleiro de xadrez do golpe do impeachment, como fazer o peão branco vencer em onze lances? como as mulheres podem tornar-se? como a maioria pode deixar de ser minoritária para enfim assumir protagonismo? como fazer compreender ao Cavaleiro Branco seu movimento como mero coadjuvante?
Alice já não mais traz flores. aprendeu ser impossível seduzir a repressão com poesia.
há pessoas que anseiam pela servidão como se fosse a salvação. como é possível clamar: mais tortura, mais mortes, mais chacinas! como se chega ao ponto de querer a repressão não só para os outros, mas também para si próprio?
as massas não são enganadas, as massas desejam o fascismo. pois nada falta ao desejo. ele está sempre completo. quer apenas a si mesmo. se não cuidamos de o preencher por nossa própria iniciativa, ao se abdicar de travar nossas guerras de libertação, o recalque imposto pelo campo social nos domestica. pela castração nos tornamos apenas corpos dóceis, úteis e tristes.
no matriarcado de Pindorama, a alegria é a prova dos novepor que lutar? porque é assim que se experimenta a felicidade. porque é a única maneira de se preencher o desejo com vida. porque é a forma de se continuar vivo. para que não sejamos zumbis vagando na anomia.
nossa história tem sido uma sucessão de modernizações conservadoras e transições tuteladas, o que nos mantém aprisionados entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta por vir à luz.
o preço dos pactos palacianos é pago com banhos de sangue, massacres após massacres. Palmares e Canudos. Cabanos, Malês e Balaios. milhares de camponeses e índios “desaparecidos” pela Ditadura Civil-Militar. o atual genocídio do povo negro nas periferias. as perseguições e mortes no cotidianos de mulheres e trans-sexuais.
a oligarquia colonial e escravocrata cunhou a lenda de uma “cultura cordial”, de uma “sociedade pacífica” e de um “povo bovino”. ainda assim, se registrou mais mortes violentas no Brasil, 278.839 entre 2011 e 2015, do que na guerra civil na Síria, 256.124 no mesmo período.
não apenas estamos em guerra, como sempre estivemos em guerra. agora se tornou obscenamente flagrante com o golpeachment, a ancestral guerra da plutocracia contra o Povo e a Nação.
não será com flores que venceremos esta guerra. será com Justiça.
não haverá restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, sem se reconduzir a casta do Judiciário à sua condição constitucional de “servidores públicos”. sem a democratização do Judiciário, colocando-o sob controle da soberania popular, da qual todo poder emana.
- Primeiro a sentença… depois o veredito.
- Mas que absurdo!, Alice disse alto. - Que idéia, ter a sentença primeiro!
- Cale a boca!, disse a Rainha, virando um pimentão.
- Não calo!, retrucou Alice.
- Cortem-lhe a cabeça!, berrou a Rainha.
há um pólo fascista: a regressão do Brasil a um status pré revolução de 1930, condenando o país ao modelo liberal periférico, com sua completa subordinação à Tirania Financeira global;
há um pólo libertário: uma descentralizada e autônoma profusão de atos e manifestações de re-existência contra o golpe, a emergência de um novo tipo de militância já não mais separada de um novo tipo de vida.
há uma crise de lideranças: um impasse fatal em meio a uma perigosa travessia.
não há nenhuma pax capaz de reconstruir a Democracia e refundar a República, sem se erguer sobre uma pedra fundamental: a anulação do impeachment inconstitucional.
em 1917 no Rio Grande do Sul, num protesto durante o enterro de um trabalhador grevista, a cavalaria da Brigada Militar investiu contra os manifestantes. com apenas 15 anos, Espertirina Martins jogou contra os soldados um buquê de flores. escondido dentro dele uma bomba. com a explosão a repressão recuou.
foto: elzauer




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