Cheque sem fundo, atrasos e calote: de Rivellino a Hernane, clubes brasileiros sofrem para receber pagamentos por jogadores. Advogados especialistas procuram soluções
Hernane
foi apresentado pelo Al Nassr em 18 de agosto, um dia depois do prazo
dado pelos árabes para primeira parcela do pagamento (Foto:Divulgação)
Assim como o Vasco, que está há mais tempo na fila. Junto com a Traffic – também parceira nesta negociação – até hoje não receberam os R$ 15,5 milhões pela venda de Diego Souza ao Al Ittihad, em julho de 2012. Mas o Cruz-Maltino tomou medidas drásticas. Enquanto o Flamengo se mostra paciente e otimista em resolver as pendências sem ir à Fifa, o clube de São Januário acionou a entidade que comanda o futebol mundial há um ano e aguarda pelo desfecho do julgamento: o processo encontra-se em reta final, e o valor corrigido com a multa já passaria da casa dos R$ 20 milhões – neste meio tempo, o jogador deixou o elenco árabe e, desde então, passou por Cruzeiro e Metalist da Ucrânia até chegar ao Sport. Para os investidores, o atraso nem sempre é tão ruim, pois é visto como uma forma de aplicação. Mas para os clubes, que têm mais exigências e muitas vezes traçam planos com tais verbas, a demora não é nada satisfatória.
– Este é um mercado que, para nós, está fechado, a não ser que seja à vista. Não existe mais confiança para trabalhar com clubes árabes – disse Vilson Ribeiro, presidente do Coritiba, que recebeu só a primeira parte dos R$ 5 milhões a que tem direito da venda de Rafinha para o Al Shabab, no ano passado, e também foi à Fifa. A segunda e última parcela venceu em julho de 2014.
Vilson acredita que só recebeu a primeira parte da verba por ter condicionado o pagamento à liberação do jogador. Mesma coisa fez Marcos Malucelli, ex-presidente do Atlético-PR, em 2010. Para emprestar Marcinho ao Al Ahli, a US$ 800 mil por um ano e meio de contrato, o dirigente viajou até a cidade de Jeddah para se sentir mais seguro. Lá, os árabes que são donos dos clubes falam inglês e se mostram bem receptivos.
– Eu fui para lá acompanhar. Só autorizaria a negociação se tivesse a remessa da primeira parcela. Eles mostraram, então eu liguei para confirmar e assinei a liberação de lá. Se não me engano, foram mais duas parcelas, que atrasaram alguns dias – lembrou Malucelli.
Diego Souza ficou apenas três meses
no Al Ittihad e saiu alegando
salários atrasados
(Foto: Reprodução
/ Site Oficial)
Um dos males apontados no mundo árabe, como casos do futebol chinês, é a não apresentação de garantias bancárias para as contratações – muitas vezes os clubes acabam abrindo mão do comprovante por ter pressa na venda, seja pela proximidade do fim do contrato e do fim da janela, ou ainda pela saúde financeira. Mas a história mostra que até mesmo este artifício já foi driblado pelos árabes. Em 1978, a venda de Rivellino do Fluminense para o Al Hilal, por US$ 1 milhão, teve até cheques não compensados no Brasil.
– Normalmente, no futebol se usa de garantias de pagamento. Só não poderia imaginar que seriam cheques sem fundo. Recorremos à Fifa, e o presidente era o (João) Havelange, que era meu amigo. Foi rápido, a Fifa os intimou para que depositassem, caso contrário perderiam o jogador. Depois eles fizeram. Foi a primeira vez que deu problema numa negociação internacional, e como nós resolvemos, abrimos caminho para outros – contou Silvio Kelly, ex-presidente e vice de futebol do Fluminense, responsável por viajar junto com Rivellino para fechar negócio.
À época, a "Revista Placar" apresentou detalhes da negociação num formato reportagem-novela intitulado "O conto árabe", dividido em três capítulos e edições. Nas páginas, revelações como o calote dado pelo príncipe Khaled no hotel onde ficou hospedado no Rio de Janeiro e a exigência dos árabes por retratação do Fluminense após acusação de não honrar compromissos. No país, existem clubes que pertencem à família real saudita, como também é o caso do Al Nassr.
Especialistas procuram soluções
Marcos Motta se reuniucom advogados de outros países para debater o mundo árabe (Foto: Divulgação)
– Isso é unânime na comunidade jurídica internacional desportiva: o mercado árabe é problemático. Tivemos vários casos: Obina, Renato Cajá, Diego Souza, Lima... No próprio Al Nassr tivemos problemas, por causa do Marcelinho Carioca em 2003, 2004. A minha opinião é que geralmente a federação saudita age em função dos clubes. Ela é muito submissa, então temos dificuldades – salientou Marcos Motta, advogado que representa o Flamengo na Fifa no caso Hernane. Ele garante não existir chance de o atacante retornar ao Rubro-Negro.
Motta explica que os processos na entidade máxima do futebol levam em torno de um ano e, nesses casos de atraso de pagamento, o procedimento é entrar com uma ação da Fifa contra o clube, com cobrança de multa. Em certas situações, também podem ser solicitadas punições disciplinares, como, por exemplo, o impedimento de registrar novos jogadores por um determinado período. Mas o advogado reitera que, para os clubes, o melhor caminho é se precaver ao máximo nas negociações.
– A nossa sugestão é que, quando for fazer algum negócio com time saudita, que tenha cuidado redobrado, porque é um lugar que tem enfrentado problemas. Todo negócio tem um risco, e é preciso minimizá-lo ao máximo, colocando mecanismos de contrato que forcem o pagamento. Multas altíssimas em caso de não pagamento, vencimentos antecipados de parcelas caso alguma não seja paga. Você inibe um pouco o mau pagador, que começa a fazer conta: se não pagar, tem multa de 50%; se não pagar essa parcela, a próxima será antecipada com multa de 50%. É ter algumas previsões contratuais que inibam o mau pagador – sugeriu.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2014/09/mil-e-um-problemas-negociacoes-das-arabias-tem-dinheiro-como-miragem.html
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