terça-feira, 24 de junho de 2014

“Bielsa dos pobres”, Sampaoli supera "guru" e lidera o Chile contra o Brasil

Polêmica em comercial de concorrente de patrocinador da "Roja" e ameaça de barrar jornal não afetam prestígio de técnico. Números são superiores aos de Marcelo Bielsa


Por Belo Horizonte

Jorge Sampaoli Chile x Espanha (Foto: Getty Images)Sampaoli festeja: técnico costuma ficar irrequieto à beira do campo (Foto: Getty Images)

O Jorge Sampaoli que colhe elogios de Louis Van Gaal, Maradona, Arsène Wenger e Felipão já foi ridicularizado no início da carreira pela sua obsessão por Marcelo Bielsa. Capaz de gravar e escutar horas de entrevistas de “El Loco” durante suas corridas matinais - muito tempo antes de aparecer no cenário internacional com a Universidad de Chile campeã sul-americana de 2011 -, era anunciado no mesmo país que vai desafiar o Brasil pela vaga nas quartas de final com um apelido pejorativo: em 2008, chegava o “Bielsa dos pobres” ao O´Higgins. Era essa a credencial do agora treinador da seleção chilena. Curiosamente, o técnico argentino de 52 anos, hoje, tem números melhores com a "La Roja" do que seu antecessor e guru intelectual, Bielsa.

Tradicional freguês do Brasil - quando avançaram de fase, os chilenos perderam para o Brasil em 1962, 1998 e 2010 -, o Chile mostra uma força que surge muito do trabalho da dupla argentina.  Nem a derrota para a Holanda faz os brasileiros duvidarem disso. Os 2 a 0 para o time de Van Gaal custaram a vaga em primeiro lugar do Grupo B, mas não mexeram significativamente no ótimo aproveitamento de Sampaoli com o Chile. São 20 jogos, 13 vitórias - entre elas, contra Austrália e Espanha, nesta Copa -, três empates - um deles com o Brasil - e quatro derrotas.

O aproveitamento é de 70% dos pontos conquistados, incluindo aí os números da Copa. Bielsa, que dirigiu o Chile entre 2007 e 2011, fez 50 partidas, venceu 28, empatou sete e perdeu 15 vezes. Entre os dois treinadores, outro argentino, Claudio Borghi, dirigiu os chilenos. Mas a ligação "quase mística" - como Sampaoli já fez questão de assim descrever, embora mal o conheça - é que molda o Chile, que disputa uma vaga nas quartas de final contra o Brasil.

O gosto pelo ataque, o lado inquieto e as origens no Newell´s Old Boys – uma lesão grave na tíbia e no perônio afastou Sampaoli do futebol aos 16 anos – são algumas das referências que costumam ser feitas quando se associa o treinador do Chile na Copa no Brasil do técnico chileno no Mundial na África do Sul. Para muitos, porém, Sampaoli consegue ser um Bielsa menos “loco”. 

O que é um aspecto positivo a favor do treinador de 52 anos - seis a menos que Bielsa.

- Sem dúvida, são parecidos, mas vejo algumas coisas distintas. Bielsa é mais direto, mais dinâmico, mas Sampaoli consegue fazer a equipe reter mais a bola, não a entrega ao adversário tão facilmente. Ele me parece mais preparado para controlar o jogo e a própria equipe – diz o ídolo chileno Carlos Caszely, terceiro maior artilheiro da história da seleção chilena.

Choro no Equador
Nem sempre foi assim. De temperamento introspectivo, principalmente em entrevistas e sob os holofotes, ele se transforma na beira do campo. Caminha de um lado para o outro, grita e gesticula. Quando comandava o Emelec, seu time perdeu a final de dois jogos para a LDU. Ao ver seu capitão cumprimentar o rival no fim da partida, em prantos, Sampaoli tentava afastá-lo e era contido por auxiliares.

- Não lhe dê a mão, não lhe dê a mão - repetia o técnico, ensandecido com a derrota.  


Jorge Sampaoli Chile x Espanha (Foto: Getty Images)
No Maracanã: Sampaoli já foi cogitado pelo 
Cruzeiro e por outros clubes brasileiros 
(Foto: Getty Images)

Filho do policial Rodalgo, que faleceu em 1985, e da dona de casa Odila Moya, Jorge Sampaoli nasceu em Santa Fé, no povoado de Casilda. Cabeludo na adolescência, o careca que lembra o ex-tenista Andre Agassi e o ex-treinador de Guga Larri Passos é o mais velho de três irmãos. Muito por causa do futebol, o treinador do Chile, que tem dois filhos, se separou da mulher Andía. Ela mora na Argentina com Sabrina e Alejandro. Nesta Copa, o casal de filhos veio ver o papai num churrasco na Toca da Raposa II, em Belo Horizonte.

A lesão sofrida quando ainda era juvenil do Newell´s quase o afastou de vez do futebol. Sampaoli teve raiva do que aconteceu, mas depois vislumbrou uma carreira fora de campo. Chegou a trabalhar como caixa no Banco da Província em 1978 ao mesmo tempo que treinava uma equipe de um clube amador em Santa Fé. Por não ter sido jogador, procurou se preparar para a menor das oportunidades que tivesse.

- Eu sabia que só teria dois jogos para mostrar minha capacidade quando houvesse a chance de dirigir um time profissional. Por não ter sido jogador, eu teria que estar preparado – dizia Sampaoli, em declaração colhida de sua biografia “Nada é impossível – O caminho de um lutador”.

Controversa propaganda
Apesar de polêmicas recentes, o prestígio de Sampaoli só cresceu na Copa. Virou quase obrigação de treinadores e comentaristas reconhecer as virtudes de um futebol ofensivo que pratica o Chile de Sánchez e Vargas. Valorizado, o treinador soube tirar frutos desse sucesso. Com a classificação para o Mundial do Brasil, ele renegociou as próprias bases do contrato e também da sua comissão técnica – a imprensa chilena estima vencimentos de US$ 2,1 milhões anuais no total para toda a equipe. Na véspera da Copa, apareceu de surpresa – pelo menos para a Associação Nacional de Futebol do Profissional do Chile – num comercial do Banco Santander. Seria só mais um caso de treinador garoto-propaganda no Mundial, não fosse o patrocinador estatal Banco de Chile anunciante oficial da seleção chilena – em parceria pela qual paga milhões à ANFP. 
Sampaoli teria recebido, em quatro parcelas, mais de R$ 1 milhão para colocar o rosto nas peças publicitárias do banco espanhol.


Sampaoli Santander (Foto: Reprodução / Santander)Técnico faz anúncio do banco concorrente da seleção "Roja" (Foto: Reprodução / Santander)

O bunker que armou no CT do Cruzeiro começou a ser "construído" há mais de um ano. Em abril do ano passado, Brasil e Chile empataram em Belo Horizonte. Na véspera, Sampaoli conheceu as dependências da Raposa e disse o que queria mudar no local. Precisava tapar qualquer buraco ou brecha para jornalistas e torcedores observarem “La Roja”. Assim foi feito. Mas não foi o suficiente. O jornal "El Mercúrio", um dos principais do Chile, obteve informações sobre o treino e adiantou a tática e as eventuais mudanças de Sampaoli para enfrentar a Holanda. O técnico argentino quis barrar um jornalista e um fotógrafo de entrar na Toca. Conseguiu por um dia, mas depois o presidente da associação, que já administrara o mal-estar com o Banco de Chile, conseguiu contornar a situação com o periódico.

- Garanto que não existe qualquer distanciamento entre a ANFP e Sampaoli. Só houve uma divergência de opinião a respeito de uma medida adotada pelo treinador – disse o presidente da ANFP, Sergio Jadue, que, inclusive, garantiu a permanência do treinador para a Copa América de 2015 no Chile e também para seguir no comando da Roja para 2016.

Marca contra Fla e Vasco
Sampaoli concorreu com Diego Simeone pelo cargo na Universidad de Chile. Venceu a disputa por ser mais barato e também promissor. No time chileno, virou um técnico mais que promissor. Bateu recordes atrás de recordes, o time ganhou o apelido de "Barcelona das Américas" - pelo toque de bola envolvente, a disposição ofensiva e a troca de posições -, tirou Vargas do meio de campo para o ataque e atropelou adversários. Em 2011, no Campeonato Chileno, atingiu nove vitórias consecutivas. Na campanha do título da Sul-Americana, venceu o Flamengo no Rio por 4 a 0. Frente ao Vasco, então campeão da Copa do Brasil e concorrente ao lado do Corinthians ao título brasileiro de 2011, conseguiu empate por 1 a 1 em São Januário e uma vitória categórica por 2 a 0 no Chile. Foi campeão e impressionou muita gente que não o conhecia.


Sou um admirador do Sampaoli. Ele privilegia a organização de jogo, a qualidade técnica, consegue jogar muito ofensivamente e impõe o seu estilo de jogo ao adversário. Ele fez isso com a Universidad de Chile e conseguiu manter isso no Chile
Cristóvão Borges, técnico do Fluminense

- Sou um admirador do Sampaoli. Ele privilegia a organização de jogo, a qualidade técnica, consegue jogar muito ofensivamente e impõe o seu estilo de jogo ao adversário. Ele fez isso com a Universidad de Chile e conseguiu manter isso no Chile, mesmo com bem menos tempo de treinamento que a gente sabe que as seleções têm. Vi alguns amistosos, como aquele contra a Alemanha, antes da Copa, que foi um massacre de ataque (Alemanha venceu por 1 a 0). Ele é um cara pilhado, a gente vê isso nele. Seus times jogam com muita intensidade, agridem o adversário e trazem marcação adiantada - analisa Cristóvão Borges, hoje no Fluminense, mas que treinava o Vasco em 2011.

Em dezembro de 2012, Sampaoli foi contratado para assumir o Chile. O treinador argentino agora parte para a maior missão não só da sua carreira mas de toda a história do futebol chileno. Como diz seu biógrafo chileno, o jornalista Pablo Esquivel, "nada é impossível". É o que Sampaoli vai incutir, ao seu estilo, na cabeça de cada jogador. Não é à toa que Felipão não queria enfrentar o Chile. O treinador argentino tirou da cabeça dos chilenos que era improvável derrubar o Colo-Colo, equipe mais vencedora do Chile, passar pelos grandes brasileiros e, agora mais recentemente, derrubar um campeão mundial, a Espanha. Neymar e companhia têm a missão de fazer o impaciente e irrequieto Sampaoli esperar mais um pouco. 


FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecoes/chile/noticia/2014/06/bielsa-dos-pobres-sampaoli-supera-guru-e-lidera-o-chile-contra-o-brasil.html

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