terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Da dor ao gol, Riveros encarna alma tricolor na Libertadores: 'Minha Copa'

Volante lembra gol perdido contra Inter em 2006 pelo Libertad, lamenta Paraguai fora da Copa, mas exalta vida no Brasil e faz do torneio continental seu Mundial particular

Por Porto Alegre

Eram 41 minutos do segundo tempo, e o chute do paraguaio do Libertad saiu potente, ganhou altura e estremeceu o travessão. Na volta, a bola roçou em Clemer e parecia se encaminhar às redes, mas não. Lance emblemático. Que muitos colorados se lembram, afinal garantiu o 0 a 0 do jogo de ida da semifinal da Libertadores de 2006. Que alguns gremistas lamentam, pois abriu caminho para o então título inédito do maior rival. Mas ninguém vê esse momento com tanta nitidez, passados mais de sete anos, que Cristian Riveros. Se aquela bola tivesse entrado… Foi dele a finalização, isso que na época ainda não era reconhecido e festejado como o volante artilheiro no Grêmio, a ponto de um dos quatro gols em sete meses de clube ser o retrato fiel de sua personalidade em campo.

Eram 24 minutos do segundo tempo. O Grêmio penava em campo na reformada Fonte Nova. O cabeceio de Elano encontra a trave. Desta vez, Riveros não deixaria a bola escapulir. Mesmo com dois zagueiros do Bahia levantando as pernas em ameaça concreta de chute, mergulhou "sem pensar" num peixinho tão eficiente quanto arriscado. A bola entrou. Gol. Mas Riveros caiu, quase desmaiado, visivelmente afetado pelo choque inevitável. Porém se ergueu para não mais cair. Até hoje, é exaltado pelo gol marcado em agosto passado, marco da reação do time de Renato Gaúcho rumo à vice-liderança do Brasileiro.

Riveros não teme a dor. Motiva-se com ela. Usa o azar de 2006, a pancada de 2013 e o mais recente golpe, ver o Paraguai fora da Copa, como combustíveis. Ao marcar o gol da vitória na estreia tricolor contra o Nacional-URU, há duas semanas, virou a cara da Libertadores para o Tricolor. Competição que, na falta da vaga ao Mundial, virou a sua Copa do Mundo particular.


 
coragem 
 
Riveros mete a cabeça entre zagueiros e vira 
símbolo para torcida
 
 
Estreia de ouro 
 
Em seu primeiro jogo, já marcara
 contra o Flu na Arena, de cabeça
 
 
libertadores 
Também de cabeça, fez o gol que abriu a 
campanha tricolor

muy amigo da libertadores
Para Riveros, o estilo aguerrido é natural, palavra repetida muitas vezes pelo paraguaio, em entrevista ao GloboEsporte.com na sexta-feira, na qual projetou, sobretudo, o segundo jogo da Libertadores, nesta terça-feira, às 22h, diante do Nacional de Medellín, na Arena. Foi natural, por exemplo, a escolha de ser volante. Com Riveros, não existe a batida história de jogadores que começam como goleiros e viram centroavantes e vice-versa. Riveros é volante de carteira assinada. Assim começou no Cristobal Colón (ou Cristovão Colombo), seu primeiro clube e de sugestivo nome para quem sonha em desbravar a Libertadores da América, ainda na pequena Julían Augusto Saldívar, cidade natal que virou independente mais ou menos quando Riveros nascera. Uma noite de Arena lotada seria suficiente para mensurar o número de habitantes do local, nos arredores da capital Assunção.

Fui com a cabeça sem pensar. Nunca pensei que o lance ficaria na memória do torcedor. Não sou um jogador de um jogo muito vistoso para quem gosta de futebol, mas trato de fazer o máximo esforço

Riveros, sobre lance de gol sobre o Bahia
Na verdade, Riveros já desbravara bastante a Libertadores. Falta conquistá-la. A história mostra que o torneio continental acompanha a carreira do volante com promissora frequência. É pé-quente. Seu primeiro clube profissional foi o Taquary. Chegou em 2000, na terceira divisão. Em 2004, já disputava sua primeira Libertadores. A experiência durou pouco. Caiu na fase preliminar em mata-mata com o Palmeiras. Com o Libertad, trajetória mais do que semelhante. Superior. Ajudou o time a se classificar e chegou até a semifinal em 2006, eliminado no já amplamente citado duelo com o Inter. No ano seguinte, poderia até ter enfrentado o Grêmio no meio do caminho. Mas acabou tolhido pelo futuro campeão Boca Juniors. A chance mesmo fora diante do maior rival tricolor. Riveros sabe por que perdeu.

- Não aproveitamos para matar o jogo em casa (seria 2 a 0 no Beira-Rio). Na Libertadores, tem que ganhar em casa. Se fizer os nove pontos em casa, está praticamente classificado. Temos que ser fortes em casa, impor respeito. Depois, catamos algum ponto fora de casa - receita, já com a mente no Nacional de Medellín.


riveros grêmio montagem (Foto: Lucas Rizzatti/Globoesporte.com) 
Momentos do volante paraguaio em treino e 
entrevista no Estádio Olímpico (Foto: 
Lucas Rizzatti/Globoesporte.com)

sem copa: a dor paraguaia
Naquela Libertadores com o Libertad, marcara três vezes. Mas precisou sair de seu país para exercitar o seu lado artilheiro. No México, com a camisa do Cruz Azul, começou a ainda ter mais liberdade. Tomou gosto pelas redes. Lá, foram 17 gols. No Sunderland pouco jogou. Reencontrou a boa fase no Kayserispor, da Turquia, atuando mais recuado. Mas sempre volante. É claro. Os gols prosseguem na seleção paraguaia. Tem duas Copas no currículo e... um gol marcado em 2010, contra a Eslováquia, sob a batuta do hoje badalado Tata Martino. Agora, fica a dor:

Ainda agora estamos doídos pela gente paraguaia, que estava muito motivada com Copa perto de casa.

Tenho que jogar a Libertadores como uma Copa do Mundo
Riveros
 
 - Ainda agora estamos doídos pela gente paraguaia, que estava muito motivada com a Copa, perto de casa. A gente ia jogar praticamente em casa, no Brasil. Mas são coisas que passam, que aconteceu. O Paraguai foi nos últimos quatro Mundiais. Mas agora aconteceu tudo isso - lembrou, triste. - Tenho que jogar a Libertadores como uma Copa do Mundo.

Seus 33 jogos no Grêmio, no entanto, mostram que esse espírito de Copa (do Mundo e Libertadores) sempre esteve presente. Logo na estreia, num simbólico 28 de julho de 2013, comemoração dos 30 anos da primeira Libertadores do Grêmio, marcara de cabeça no 2 a 0 sobre o Fluminense. O excesso de estrangeiros e de volantes à época o fizeram flutuar entre o time e o banco. Nunca se incomodou. Inclusive na pré-temporada de 2014, quando Enderson Moreira indicava que o paraguaio começaria como reserva. Mas Souza rumou ao Morumbi. E Riveros aproveitou como poucos. O gol contra o Nacional-URU, a seu melhor estilo, em mergulho de cabeça, coroa uma relação íntima entre o jogador, a Libertadores e, agora, o Grêmio.

- A torcida pede muita raça. E é a minha característica desde que comecei. É fazer um sacrifício, colocar o esforço máximo dentro de campo. É a minha característica - resume.


em casa: mística da 16 e chimarrão
A identificação com o Grêmio começou antes de a torcida comprovar sua doação em campo. Para começar, é conterrâneo de Arce e Rivarola, campeões da Libertadores de 1995 - o nono paraguaio a vestir tricolor. Mais do que isso. Pediu para envergar a camisa 16. Mal sabia ele que Jardel a vestira na mesma competição, marcando como ele, há 19 anos, o gol inaugural da campanha, de cabeça - ainda seria o artilheiro geral.

- Havia escolhido a 16 porque usava esse número na seleção. Depois, quando cheguei, me coloquei a par da importância do Jardel e do carinho que a torcida tem por Arce e Rivarola. É bom. Mas é uma grande responsabilidade também. Então temos que tratar de deixar o máximo em campo - ponderou, sério.


Cristian Miguel Riveros Núñez
16 de outubro de 1982 (31 anos)
Altura: 1,79 m / Peso: 76 kg

No Grêmio há sete meses
33 jogos - 4 gols marcados
Desses, três foram de cabeça
São sete meses desde sua estreia, e o português começa a se desvencilhar do apressado sotaque espanhol. Sinal de rápida adaptação. Mas Riveros celebra mesmo é a felicidade da família. Fica tranquilo ao constatar que Porto Alegre é a cidade à qual a esposa e os dois filhos pequenos mais bem se acostumaram.

- Aqui e no Paraguai, temos o churrasco e o chimarrão como hábitos. A gente se sente em casa - sorri, orgulhoso.


O que não tira do volante a saudade de sua acanhada e calorosa Julían Augusto Saldívar. O pai Arsenio e a mãe Ramona seguem lá, como seus quatro irmãos. O mais novo, de 23 anos, é zagueiro e está para ser emprestado ao San Lorenzo paraguaio, da segunda divisão - time também defendido por Riveros, por empréstimo, quando pertencia ao Taquary.

- A minha família sempre está comigo - garante, ao dizer que mantém contato imediato com o Paraguai, logo após os jogos pelo Grêmio. - Quando vou lá, não só meus pais, mas amigos e conhecidos me recebem muito bem. Sempre tem um joguinho.


riveros grêmio especial (Foto: Editoria de Arte/Globoesporte.com) 
Vibração com gol em sua estreia, jogo na Copa de 
2010, união com os demais gringos do grupo, 
cuidado ao ajudar o jovem Maxi Rodríguez
 a se trajar e marcação sobre Pato 
novamente na seleção (Foto: Editoria 
de Arte/Globoesporte.com)

Em Porto Alegre, mora perto do capitão Hernán Barcos, em condomínio na zona norte da cidade. Também próximo a Maxi Rodríguez. A dupla mais experiente serve como um porto seguro ao garoto uruguaio, que, assim como Riveros, saiu de alguma veia aberta da América Latina para viver o sonho de jogar no futebol brasileiro.

Para Riveros, o sonho ainda nem começou. Questionado sobre algum grande momento que já vivera no Grêmio, emenda uma resposta para animar qualquer torcedor, antes da partida desta terça-feira, na Arena:

- Meu melhor momento ainda está por chegar.

E será, com certeza, com entrega e sacrifício. Até alguma dor. Com a cara de Riveros.


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FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/gremio/noticia/2014/02/da-dor-ao-gol-riveros-encarna-alma-tricolor-na-libertadores-minha-copa.html

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