Holandesa mostra a rotina de pessoas como traficante de drogas, transexual e vendedor de objetos recicláveis em dias de partidas do time canarinho no Mundial
Milhares
de estrangeiros viajaram para acompanhar de perto a Copa do Mundo no
país do futebol. Os duelos, os craques, e todo o glamour que envolve a
maior competição de futebol do planeta. Uma fotógrafa holandesa, no
entanto, seguiu contra a maré e decidiu que acompanharia as partidas da
Seleção distante de qualquer badalação para mostrar as múltiplas, e por
vezes contrastantes, realidades do país. Steef Fleur registrou com sua
câmera a rotina de pessoas como traficantes, transexuais, vendedores de
rua e policiais em dia de jogos do Brasil. Em meio aos problemas e às
diferenças sociais, ela chegou a uma conclusão. Provavelmente a
conclusão que torna o brasileiro um povo especial: "As pessoas são
felizes".
- Principalmente quando se tem futebol. Rico ou pobre, durante os jogos do Brasil a maioria ficou feliz. As pessoas reclamam também, mas no final do dia elas ficam felizes com muito pouca coisa e isso é impressionante. Na minha terra isso é totalmente diferente. As pessoas reclamam e só querem mais e mais.
Formada em desenvolvimento urbano, Steef descobriu o gosto pela fotografia, que acabou se tornando sua profissão, no Brasil, há quatro anos. A Copa do Mundo foi uma nova oportunidade para retornar ao país e ela passou dois meses desenvolvendo o trabalho entitulado "A outra Seleção". A ideia é mostrar pessoas diferentes em seus ambientes durante a competição. A partir deste sábado, o trabalho ficará à mostra por três semanas na livraria Sabor Literário, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. Fleur espera que os espectadores percebam o que ela aprendeu com cada história contada através das imagens.
- O que eu aprendi foi que todas as pessoas são humanas, todas as pessoas têm uma coisa boa dentro delas, todas as pessoas estão tentando fazer o melhor com a vida delas, independentemente da situação que ela tenha. Espero que as pessoas que vão ver a exposição aprendam o que é o mundo, que todos nós somos humanos. Eles vão entender os outros lados.
Entre os sete personagens da exposição, o que mais chamou a atenção de Steef não foi o traficante que vende drogas desde os dez anos de idade ou a transexual que já foi presa e luta para se reinserir na sociedade após abandonar a prostituição por "não ser mais bonita". A história de vida que a comoveu foi a de Seu Elson, um homem de 60 anos que sobrevive com a venda de objetos recicláveis. Antes da trágica surra da Alemanha sobre o Brasil por 7 a 1, ele ganhou R$ 12,90, uma miséria para os padrões da fotógrafa, e ficou... feliz.
Tão impressionante quanto o valor e o trabalho que Seu Elson tem para carregar por 45 minutos um carrinho pesado com os objetos pelas vielas da área mais pobre da favela Barreira do Vasco, na Zona Norte do Rio, até o posto de coleta é sua indiferença em relação aos problemas.
- Seu Elson é um trabalhador muito pobre, mas que é muito feliz. Foi impressionante para mim. Incrível ver como ele nunca reclamava.
Ao comentar a experiência da caminhada com Seu Elson, Fleur disse que não parecia ser verdade uma pessoa com uma bolsa portando equipamentos que custam milhares de euros estar chateada, enquanto o homem ao lado dela ganhava tão pouco e, mesmo assim, não perdia o bom humor.
As
fotos mais impactantes da exposição são as de Thiago, de 16 anos. Desde
os 10, o jovem é traficante de drogas em uma favela no bairro Jardim
América, também na Zona Norte. Steef acompanhou o jogo entre Brasil e
Colômbia em um evento organizado pelos criminosos na comunidade. Antes
do apito inicial, eles posaram para a câmera mostrando seus armamentos.
Para os 90 minutos, a festa contou com um enorme equipamento de som
utilizado em bailes funk, cerveja, churrasco e brinquedos para as
crianças, que não se incomodavam com o movimento dos adolescentes
armados. Tudo bancado pelo comércio de entorpecentes.
- Para as crianças é a vida diária, é normal. Eles crescem assim, vendo pessoas armadas na rua. Para eles o tráfico é o governo, e os traficantes são os policiais da comunidade.
Thiago assegurou a Fleur que já tentou deixar o crime, mas a falta de opções de trabalho o mantém ligado ao tráfico.
- Para mim o traficante é uma pessoa comum, é um ser humano. Eu sei que fazem muitas coisas erradas, mas não têm muitas chances na vida. Quando você entra na comunidade você é um convidado deles, então, eles não querem te matar ou fazer coisas erradas com você. Eu não fiquei com medo, não. Fiquei triste. São crianças de 16 anos.
Com
a transexual Laura, Steef acompanhou a disputa pelo terceiro lugar
contra a Holanda. As duas se encontraram alguns dias antes da partida no
bairro da Glória, na Zona Sul, ironicamente perto de um ponto de
prostituição de travestis. Laura costumava se prostituir em Copacabana,
quando, segundo ela, "ainda era bonita". Foi vítima da violência
masculina em várias oportunidades e passou cinco anos na prisão. A
principal lamentação dos tempos de cela: a obrigação de raspar o cabelo,
seu "grande motivo de orgulho".
- A maior reclamação é que elas não são aceitas aqui. As pessoas não tratam elas bem.
Se no "asfalto" Laura sofre com problemas como discriminação, agressões e doenças, na favela ela encontra paz. As duas viram a derrota brasileira na casa de uma irmã da transexual na Cidade de Deus. Segundo Fleur, ali, Laura brinca com os sobrinhos e ajuda nos afazeres da casa. Atualmente, ela trabalha para a Ong "AfroReggae", em um projeto que as ajuda a se livrar da dura realidade das ruas e a se reinserir na sociedade.
Os outros três personagens são Lucas, estudante de moda e morador do Leblon, um dos bairros mais caros da cidade, Karen, uma policial militar que não teme trabalhar em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) apesar da reprovação da mãe, Rafaela, uma dançarina da escola de samba Salgueiro, e Wesley, morador de Acari, que reconheceu que os moradores do bairro se sentem mais seguros diante dos traficantes do que dos policiais.
A policial militar Karen
trabalha na favela da Chatuba desde que a comunidade foi pacificada. A
sede da UPP, na parte mais alta do morro, fica na casa onde o chefe do
tráfico vivia antes de ter sido preso. No dia anterior à partida contra o
Chile, Steef acompanhou Karen em ação. Ela gosta do trabalho e diz ter
uma boa relação com os moradores apesar de ocasionalmente ouvir de
crianças que "os policiais devem ser mortos e que os traficantes devem
voltar a controlar a região". A família não vê a profissão com um olhar
tão romântico. A mãe reconheceu que teme pela segurança da filha e que
os perigos que rondam a polícia a assustam.
No dia da vitória sobre os chilenos nos pênaltis, a fotógrafa acompanhou tudo em uma reunião que Karen fez com os amigos em Duque de Caxias, cidade situada na região metropolitana do Rio. Cada convidado levou um prato de salgadinhos enfeitados com as cores da Seleção e cerveja para a reunião. A reação da holandesa nesta visita foi a de finalmente ter visto um clima de Copa do Mundo.
- Muito felizes pela vitória do Brasil, era tempo para mais cerveja, um pouco de dança e mais comida - disse em seu blog.
A
primeira visita de Steef foi a um estudante de moda que vive em uma
cobertura no Leblon, um dos bairros mais ricos da cidade. Lucas não
precisa trabalhar e é ajudado em casa por duas empregadas domésticas.
Ele planeja ampliar os conhecimentos do mundo dos estilistas em Nova
York, nos Estados Unidos, e voltar ao Brasil para abrir uma loja de
roupas. O universiário não gosta muito de futebol e, durante a visita da
holandesa, adotou postura de desaprovação à realização do Mundial no
país.
- Ele é como muitos outros brasileiros contrários à Copa do Mundo no Brasil por causa de todos os problemas que o país tem e poderia resolver com o tempo e o dinheiro gastos na construção de estádios.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/07/um-pouquinho-de-brasil-fotografa-ve-jogos-da-selecao-margens-da-copa.html
- Principalmente quando se tem futebol. Rico ou pobre, durante os jogos do Brasil a maioria ficou feliz. As pessoas reclamam também, mas no final do dia elas ficam felizes com muito pouca coisa e isso é impressionante. Na minha terra isso é totalmente diferente. As pessoas reclamam e só querem mais e mais.
Seu Elson acompanha a derrota para a
Alemanha em um barraco que ele mes-
mo construiu (Foto: Steef Fleur)
Formada em desenvolvimento urbano, Steef descobriu o gosto pela fotografia, que acabou se tornando sua profissão, no Brasil, há quatro anos. A Copa do Mundo foi uma nova oportunidade para retornar ao país e ela passou dois meses desenvolvendo o trabalho entitulado "A outra Seleção". A ideia é mostrar pessoas diferentes em seus ambientes durante a competição. A partir deste sábado, o trabalho ficará à mostra por três semanas na livraria Sabor Literário, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. Fleur espera que os espectadores percebam o que ela aprendeu com cada história contada através das imagens.
- O que eu aprendi foi que todas as pessoas são humanas, todas as pessoas têm uma coisa boa dentro delas, todas as pessoas estão tentando fazer o melhor com a vida delas, independentemente da situação que ela tenha. Espero que as pessoas que vão ver a exposição aprendam o que é o mundo, que todos nós somos humanos. Eles vão entender os outros lados.
Favela no bairro Jardim América se
prepara para o jogo contra a Colômbia
(Foto: Steef Fleur)
a felicidade é senhora
Entre os sete personagens da exposição, o que mais chamou a atenção de Steef não foi o traficante que vende drogas desde os dez anos de idade ou a transexual que já foi presa e luta para se reinserir na sociedade após abandonar a prostituição por "não ser mais bonita". A história de vida que a comoveu foi a de Seu Elson, um homem de 60 anos que sobrevive com a venda de objetos recicláveis. Antes da trágica surra da Alemanha sobre o Brasil por 7 a 1, ele ganhou R$ 12,90, uma miséria para os padrões da fotógrafa, e ficou... feliz.
Tão impressionante quanto o valor e o trabalho que Seu Elson tem para carregar por 45 minutos um carrinho pesado com os objetos pelas vielas da área mais pobre da favela Barreira do Vasco, na Zona Norte do Rio, até o posto de coleta é sua indiferença em relação aos problemas.
Seu Elson carrega a coleta do dia para
ganhar seu sustento (Foto: Steef Fleur)
- Seu Elson é um trabalhador muito pobre, mas que é muito feliz. Foi impressionante para mim. Incrível ver como ele nunca reclamava.
Ao comentar a experiência da caminhada com Seu Elson, Fleur disse que não parecia ser verdade uma pessoa com uma bolsa portando equipamentos que custam milhares de euros estar chateada, enquanto o homem ao lado dela ganhava tão pouco e, mesmo assim, não perdia o bom humor.
infância roubada
Thiago com uma de suas armas (Foto: Steef Fleur)
- Para as crianças é a vida diária, é normal. Eles crescem assim, vendo pessoas armadas na rua. Para eles o tráfico é o governo, e os traficantes são os policiais da comunidade.
Thiago assegurou a Fleur que já tentou deixar o crime, mas a falta de opções de trabalho o mantém ligado ao tráfico.
- Para mim o traficante é uma pessoa comum, é um ser humano. Eu sei que fazem muitas coisas erradas, mas não têm muitas chances na vida. Quando você entra na comunidade você é um convidado deles, então, eles não querem te matar ou fazer coisas erradas com você. Eu não fiquei com medo, não. Fiquei triste. São crianças de 16 anos.
Favela no Jardim América torce pela
Seleção com festa bancada pelo
tráfico (Foto: Steef Fleur)
a arte do recomeço
- A maior reclamação é que elas não são aceitas aqui. As pessoas não tratam elas bem.
Laura brinca com crianças na Cidade de
Deus: conforto para esquecer os
problemas (Foto: Steef Fleur)
Se no "asfalto" Laura sofre com problemas como discriminação, agressões e doenças, na favela ela encontra paz. As duas viram a derrota brasileira na casa de uma irmã da transexual na Cidade de Deus. Segundo Fleur, ali, Laura brinca com os sobrinhos e ajuda nos afazeres da casa. Atualmente, ela trabalha para a Ong "AfroReggae", em um projeto que as ajuda a se livrar da dura realidade das ruas e a se reinserir na sociedade.
Os outros três personagens são Lucas, estudante de moda e morador do Leblon, um dos bairros mais caros da cidade, Karen, uma policial militar que não teme trabalhar em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) apesar da reprovação da mãe, Rafaela, uma dançarina da escola de samba Salgueiro, e Wesley, morador de Acari, que reconheceu que os moradores do bairro se sentem mais seguros diante dos traficantes do que dos policiais.
Laura brinca com um torcedor argentino
na Glória, perto da Lapa, bairro boêmio
do Rio (Foto: Steef Fleur)
risco calculado
No dia da vitória sobre os chilenos nos pênaltis, a fotógrafa acompanhou tudo em uma reunião que Karen fez com os amigos em Duque de Caxias, cidade situada na região metropolitana do Rio. Cada convidado levou um prato de salgadinhos enfeitados com as cores da Seleção e cerveja para a reunião. A reação da holandesa nesta visita foi a de finalmente ter visto um clima de Copa do Mundo.
- Muito felizes pela vitória do Brasil, era tempo para mais cerveja, um pouco de dança e mais comida - disse em seu blog.
Lucas em seu confortável apartamento
no Leblon (Foto: Steef Fleur)
copa pra quê?
- Ele é como muitos outros brasileiros contrários à Copa do Mundo no Brasil por causa de todos os problemas que o país tem e poderia resolver com o tempo e o dinheiro gastos na construção de estádios.
Lucas vê o jogo ao lado de familiares
(Foto: Steef Fleur)
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/07/um-pouquinho-de-brasil-fotografa-ve-jogos-da-selecao-margens-da-copa.html
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