sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

SAFATLE: ESTADO AGE COMO O PCC



FONTE:
https://www.conversaafiada.com.br/politica/safatle-estado-age-como-pcc



Foi um "acidente pavoroso"!

Estatuto.jpg
Na foto, o que o Golpe fez da Constituição de 1988
Conversa Afiada reproduz trecho de magnífico artigo de Vladimir Safatle na Fel-lha:
Se o Estado age como o PCC, decidindo quem vive ou morre, como espera julgá-lo?

(...)

Entender como o governo brasileiro funciona é entender como ele administra o desaparecimento e o direito de matar. Esta é sua verdadeira forma de governo.

Com uma mão ele massacra parte de sua população, com outra ele lembra, à outra parcela, que o medo espreita e que é necessário "ser ainda mais duro".

Matar esses "60 presos" é visto, no fundo, como um direito soberano do Estado, como foi um direito soberano matar "111 presos" no Carandiru sem que isso tenha gerado maiores consequências, sem que houvesse rastos.

Não, não foi uma luta de gangues o que produziu o massacre em Manaus, mas uma política deliberada e pensada de administração da morte, feita nas pranchetas da omissão, do descaso, da perpetuação de condições medievais e da cumplicidade.

Então virão aqueles que aplaudem o ocorrido, seja com aplausos explícitos, seja com satisfação implícita. "Ali não tinha nenhum santo", dizem todos. Os que aplaudem sempre estiveram lá, no mesmo lugar, desde as execuções públicas medievais, as torturas públicas de escravos em fuga até os massacres policiais de hoje, com o mesmo rosto de "fizeram por merecer".

Desde tempos imemoriais eles repetem o mesmo raciocínio que confunde justiça e vingança, que acredita estar seguro quando submetido a um poder sem limites, que dirá "se você não faz nada, nada acontecerá contigo".

Mas o que você precisa fazer para ser preso no Brasil? Pouco mais de 10% dos presos brasileiros estão lá por homicídio (simples ou qualificado). Os outros 90% são pessoas que cometeram furtos e roubos de toda sorte, pichadores, pessoas que "desacataram" a autoridade e, principalmente, sujeitos com problemas ligados a drogas que não tiveram um bom advogado ou um sobrenome capaz de libertá-los.

Ou seja, em larga medida, pessoas que deveriam estar fora de presídios, cumprindo outra forma de pena – e estariam cumprindo se não fossem de classes sociais massacradas.

"Tem pena, leve para casa", grita a turba. Mas, sabe turba, não, não temos pena. Temos indignação, o que é algo totalmente diferente.

Não queremos levar ninguém para casa, queremos que o Estado brasileiro saia do banditismo que muitos aplaudem. Já os gregos sabiam, ao menos desde "Antígona": retirar a humanidade daqueles que o Estado julga criminosos é a forma mais rápida de destruir o próprio Estado, de fazer do Estado outro criminoso.

O Estado brasileiro age como o PCC, decidindo soberanamente quem irá viver e quem será deixado para morrer. Como ele espera julgá-lo?
Sobre a explicação do Traíra - foi um "acidente pavoroso" - vale a pena recorrer ao que diz Bernardo Mello Franco também na Fel-lha:

"Depois de três dias em silêncio sepulcral, o presidente Michel Temer decidiu falar sobre o massacre no Amazonas. Ele classificou a matança de 56 detentos como um "acidente pavoroso". A declaração apavorou especialistas que se dedicam a estudar as prisões brasileiras.

Após se omitir sobre uma chacina de repercussão mundial, Temer tropeçou na própria língua. Segundo o "Houaiss", a definição mais comum de acidente é algo "casual, inesperado, fortuito". O banho de sangue em Manaus passou longe das três coisas. (...)"
PHA

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