Craque encerra carreira neste domingo, não se vê diferente de ninguém, recorda momentos de sua trajetória e aponta o futsal como salvação para o futebol brasileiro
De calça jeans, camisa polo listrada e óculos pretos de armação grossa, Alex parece um sujeito normal. Sentado em uma mureta do estádio Couto Pereira numa tarde de segunda-feira, cansado de uma viagem, ele varre com os olhos a arquibancada vazia. Àquela altura, tentava prever um futuro bem próximo e só desejava que o último jogo da temporada, contra o Bahia, já não tivesse para o Coritiba o peso da luta contra o rebaixamento. Assim será. Neste domingo, a degola só ameaça os baianos. E o camisa 10 do Coxa estará ali, não sentado na mureta de calça jeans e tênis, mas de pé, no gramado, com uniforme e chuteiras. Pela última vez. Um domingo de festa e de adeus, com a torcida livre da angústia e pronta para celebrar o sujeito que, de tanto se achar normal ao longo de duas décadas, tornou-se único.
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- Eu sei que não sou o melhor do mundo. Não me vejo diferente de ninguém. Deus me deu um dom que é jogar bola, mas isso não me faz melhor do que um torcedor, um deputado ou um gari – define Alex, que neste domingo, aos 37 anos, chega ao fim de uma estrada marcada por títulos, gols e sobretudo um jeito diferente de se apresentar dentro e fora do campo.
Sai dos gramados um jogador com uma etiqueta que não se vê mais por aí. “O camisa 10 sumiu”, avalia o próprio Alex, cravando o diagnóstico para logo em seguida receitar aos clubes um remédio simples: investir no futsal. Foi de lá que ele veio, é lá que ele enxerga a salvação do futebol brasileiro puro-sangue. Com a habilidade e a rapidez de raciocínio que a quadra exige, o curitibano forjou na grama uma trajetória com momentos brilhantes no Palmeiras e no Cruzeiro, virou estátua na Turquia e voltou ao Coxa para escrever o último capítulo de um enredo que não esconde suas decepções, como a ausência na lista de Felipão para a Copa de 2002:
- As derrotas me ajudaram bastante.
Alex fala de decepção por ausência na Copa de 2002 e diz: "As derrotas me ajudaram bastante" (Foto: Fernando Araújo)
- Somos como o levantador do vôlei. Levamos a discussão para a presidente Dilma, para a Câmara dos Deputados. Daqui para frente são outras pessoas que têm de fazer algo, não temos poder de execução – pondera, revelando que chegou a defender uma greve geral, mas a ideia não foi adiante porque muitos jogadores temeram retaliações dos clubes, "com razão, porque acontece mesmo".
Ainda assim, Alex promete continuar debatendo a "realidade triste" do futebol nacional. E quando o árbitro apitar o fim de Coritiba x Bahia, ali por volta das 19h de domingo, haverá um mundo de possibilidades escancarado à sua frente. Dirigente? Comentarista? A princípio tudo parece interessante, mas a vontade de ser técnico não é segredo para ninguém. Só não vale assumir a nova função dando uma carteirada com o prestígio de atleta.
- Ter jogado futebol não me credencia para ser treinador. Em nada. Só vivi o lado de dentro, agora preciso viver o lado de fora.
E o torcedor do Coritiba, do Palmeiras, do Cruzeiro, do Flamengo, do Fenerbahçe ou da Seleção certamente estará satisfeito se Alex for, do lado de fora, o mesmo sujeito normal que foi do lado de dentro. Normal e único.
Confira a seguir a conversa de Alex com o GloboEsporte.com:
a Formação de um jogador
Alex: Aos poucos. Mesmo porque meu pai e minha mãe não estudaram. Acredito que o que mais tenha me ajudado foi jogar futebol de salão na AABB, onde convivi com vários tipos de pessoas. Convivi com filhos de médicos, de advogados, com jogadores que vinham da mesma classe social que eu, e era uma enxurrada de conselhos. De todos os lados. Depois, quando subi para o time principal do Coritiba, vi jogadores de várias formas. Alienados, preocupados e interessados. E fui buscando, principalmente quando cheguei ao Palmeiras e não tinha o que fazer. Meus pais em Curitiba, minha namorada em Curitiba, e São Paulo me assustava, daí fui buscar algo para fazer. Era ler, estudar, conversar com gente de fora do futebol. Na verdade, fui sendo autodidata. Costumo dizer que sou metido mesmo. O assunto que eu não conheço, eu não falo, mas ouço muito para absorver e procuro sempre me aprofundar. Tinha situações que aos 20 anos eu queria falar e não podia. Hoje, aos 37 anos, eu posso falar.
Esse conhecimento colabora como atleta?
Acho que ajuda. Falando do futebol, quanto mais interessado for em qualquer tipo de assunto, mais aberta vai estar a cabeça dele para o que o treinador vai pedir. Já vi várias situações em que o treinador pediu coisa simples, e o jogador, por não ter escutado, por desinteresse ou por ser alienado, não entende uma situação simples.
Os clubes deveriam investir mais nessa formação?
O clube de futebol está pouco preocupado com a pessoa. De fazer um cidadão. O clube quer um robô. E esse robô tem que ir para dentro do campo e resolver os problemas dele. Se não resolver, a gente tira de lado e põe outro robô. Talvez a grande felicidade tenha sido jogar na ABBB, que formou vários atletas para Coritiba, Atlético-PR e Paraná, e esses jogadores fizeram relativo sucesso. Mas o mais legal é que são pessoas bem instruídas e preocupadas com o contexto geral. Os clubes de futebol estão pouco preocupados em formar um cidadão.
Isso é só no Brasil ou no exterior?
A gente não pode generalizar, mas lembrei o Cruzeiro, que tinha essa preocupação. Era uma exceção à regra. Mas, com certeza, tinha que ser mais corriqueiro. Muitos meninos vêm com 13 ou 14 anos de lugares distantes, com os pais delegando poderes aos clubes, e muitas vezes os clubes lavam as mãos, querendo apenas formar um jogador de futebol.
Acha que falta mais preparação aos jogadores que saem jovens do Brasil?
Falta, falta. Até pela formação. Eu, quando era criança, queria jogar no Coritiba, depois no Maracanã, no Mineirão. Quando era criança, via o Zico saindo de ônibus para ir ao Maracanã, o Sócrates saindo de ônibus para jogar no Morumbi. Nossas referências eram brasileiras, e hoje as referências são europeias. Hoje, você vê meninos que não querem jogar no Brasil. Daí, a gente pode discutir a legislação que permite a quem tem mais dinheiro levar o menino. Na formação, se perde muita coisa. Eu, no futebol de hoje, se chegasse como cheguei ao Coritiba, fatalmente não chegaria a jogar. Era muito franzino, não aguentava uma chegada de um menino mais forte. E hoje tem esse peso de ficar com o mais forte. Tanto que a gente está vendo sumir características que tinham de monte.
O fim do camisa 10
Sumiu. E não vai voltar. Aqui, no futebol brasileiro, não tem mais. Pode procurar em cada time no Brasil que não vai encontrar. Podemos procurar meninos de 14 anos e de repente tem alguém, mas no futebol de hoje, na primeira e na segunda divisão, não tem ninguém.
Qual o reflexo disso? O sumiço do camisa 10 pode alterar a forma de jogar?
Já mudou. Não temos mais o estilo brasileiro. Quem joga no estilo brasileiro? Depois que o Barcelona ganhou do Santos (por 4 a 0, na final do Mundial de Clubes de 2011), entrevistaram o Guardiola. Ele disse que faz aquilo que os brasileiros faziam lá trás. E nós copiamos o que os europeus faziam lá atrás. Hoje, com essa globalização, eles juntaram o que tinha de bom, que era essa parte tática e a determinação daquilo que o treinador pede, com a qualidade técnica. Nós diminuímos a qualidade técnica e, por natureza, não temos a condição mental de fazer o que os europeus fazem desde criança. Acredito que perdemos um pouco o caminho da história, mas é recuperável. É cíclico, tudo pode mudar. A gente é que tem que começar a discutir e fazer algo diferente com os meninos de 13, 14 anos para que, daqui a três ou quatro anos, tenhamos essas características novamente.
E como deve ser iniciada a recuperação?
Pela valorização do futsal, porque os grandes nomes do futebol brasileiro saíram das quadras. Antes havia a rua, mas não temos mais a rua, porque as cidades ocuparam. E sobrou a escola, mas a educação é péssima, e não temos na escola. O que restou é o futsal. O que nós, brasileiros, queremos como característica? O moderno, como todo mundo tem, ou agregar o futebol que tínhamos antes com a modernidade de hoje? É um trabalho longo, pois, em algum momento, nós nos perdemos.
Tem alguém pensando nisso?
Tem várias pessoas pensando. Pensar e pôr no papel é simples. A execução é que é complicada.
E entre os que têm as ferramentas para executar?
Acho que não estão pensando. Quem tem as ferramentas para pensar é a CBF, as federações e os clubes. Enquanto houver presidente de clube que não tem nem a condição de sentar e trocar uma ideia, eu acho complicado.
BOM SENSO FC
Sempre brinquei que no Bom Senso somos como os levantadores no vôlei. Dificilmente vamos definir ou dar um bloqueio. O nosso objetivo é levantar as discussões, e chegamos a um ponto, no meu modo de ver, altíssimo. Levamos para a presidente Dilma, ainda antes das eleições, e vamos ver se ela mantém os pontos que nos colocou. Levamos para a Câmara de Deputados. O Romário era deputado e agora está no Senado. Vai levar para o Senado, e agora está na mão de quem tem esse poder. Nós temos o poder de discutir, de oferecer ideia. Sempre fomos muito abertos com presidente de clube, sindicato, federações... Conversamos com o presidente Marin (José Maria Marin, da CBF) e levamos para Brasília. Há várias coisas que, infelizmente, têm de ser feitas na lei. E tem coisas que são no futebol, o que precisa ser discutido com CBF, federações e sindicato dos treinadores.
Acha que esses setores estão sensibilizados? Tem gente para cortar essa bola?
Nos ouvindo e nos recebendo, fizeram isso de maneira espetacular. Agora, como vai funcionar, realmente só tenho expectativa de ver o que o vai acontecer.
E os protestos? Não serão mais feitos?Já foram feitos. Já discutimos várias situações. Talvez fizéssemos uma greve geral, mas, num país continental como o nosso, como fazer? Tivemos duas oportunidades de fazer, mas vários recuaram. Eu era a favor, era meio xiita. Vários jogadores recuaram, e não sei se existe nova possibilidade.
Os jogadores têm medo de represália do clube?
Têm, porque ela acontece. É uma minoria que vive de futebol. São poucos jogadores que vão acabar sua carreira como atleta e podem ficar em casa e viver daquilo que juntaram como jogador. A realidade do futebol brasileiro é triste. Tem quem trabalhe aí no máximo quatro meses por ano, nem recebe e tem que buscar algo diferente para fazer. Você vai fazer greve, vai ter retaliação e perde o emprego. É complicado.
Foi isso que mais te motivou a participar do movimento?
Foi, porque tenho vários amigos. Meu irmão foi jogador profissional e jogou nessas condições. Não ganhou mais que R$ 300 por mês, e alguns clubes até hoje não pagaram para ele. É uma situação normal e corriqueira no Brasil. Aqui no Paraná é muito melhor jogar na suburbana de Curitiba, que é superorganizada no futebol amador, do que ser profissional e jogar a segunda divisão do Paranaense. Isso sensibiliza, porque tive a felicidade de fazer parte da minoria e, mesmo tendo amigos que sofreram, não consigo ter a total dimensão, porque eles sentem na pele. Isso fez com que a gente levasse a briga para o Governo. A situação das Séries A e B é mais de calendário, e a CBF, com um pouco de estudo junto com a TV detentora, consegue ajeitar a coisa. Para as categorias menores, as dificuldades são enormes.
grandes momentos da carreira
Não dá para escolher o mais importante. Não posso não citar a minha estreia no Coritiba, porque o Carpegiani colocou um menino de 17 anos para jogar que ninguém sabia quem era. Talvez se esse momento não tivesse acontecido, nem estaríamos conversando. Quando cheguei ao Palmeiras, a Parmalat tinha ganhado várias coisas e queria a Libertadores. Trouxeram o Felipão pela experiência que tinha no Grêmio para comandar uma equipe para chegar ao título. E chegamos. Quando cheguei ao Cruzeiro, era um supervencedor. Tinha três Copas do Brasil, duas Libertadores e o brasileiro de 1966, que a CBF não reconhecia. E os atleticanos se vangloriavam de que o Cruzeiro não tinha um Brasileiro. E isso era pesado, porque o atleticano tinha menos títulos, mas batia naquela tecla. E conseguimos vencer o Brasileiro. Eu brinco que vieram de bônus a Copa do Brasil e o Campeonato Mineiro. Aquele momento foi muito legal.
Então, escolher o mais importante seria injusto. A carreira tem altos e baixos. Quando eu estava no Palmeiras, ganhamos um Torneio Rio-São Paulo que não tem muita importância, mas naquele momento estava sendo montado um novo time. E ganhamos de um Vasco que tinha um timaço. Para mim foi importante
Mas, para você, qual foi o melhor Alex?
Aqui no Brasil, foi no Cruzeiro. No Palmeiras de 1999, eu ajudei demais, fui muito bem e fiz gols importantes, mas em 2003 era sacanagem. Tudo dava certo, tudo funcionou. A coisa acontecia de uma maneira, e eu brincava que era mágico, porque alguns jogadores eram desacreditados. Eu mesmo era, porque, quando voltei para o Cruzeiro, ninguém me queria lá. Nem torcedor, nem diretoria, nem funcionário. Só o Luxemburgo me bancou. E foi tudo mágico. Claro que teve um trabalho enorme. Fui parar três vezes no hospital por jogar abaixo do peso que todo mundo queria. Eu era o preferido do Vanderlei, mas talvez fosse um dos mais exigidos para fazer as coisas acontecerem. Fiz um pacto com Vanderlei que a minha entrega e determinação seriam mais do que o comum, e ele estaria sempre fiscalizando. A coisa foi de um sacrifício absurdo.
Qual o peso do Luxemburgo na sua carreira?
Total, 100%. Se ele não existisse, eu teria sucumbido naquele ano. Quando resolvi minha situação com o Parma, ninguém me queria, nem o próprio Cruzeiro. E o Vanderlei me bancou.
A sua admiração pelo Zico não faz com que lamente a pequena passagem pelo Flamengo?
Com certeza. Pela admiração que tenho pelo Zico, eu tinha que ter jogado pelo menos um pouquinho por ele e por essa admiração, mas infelizmente não aconteceu. O legal de eu ter jogado no Flamengo é ver a força que ele possui. E eu trago isso como ensinamento muito grande. Mesmo não tendo jogado nada, eu vesti a camisa do Flamengo e do cara que eu mais admiro. Mesmo tendo ido lá e não jogado porcaria nenhuma, me dá orgulho saber que por 11 vezes eu vesti a camisa do Flamengo.
O que deu errado no Flamengo?
Tudo (risos)! O Flamengo vivia um momento administrativo complicado, eu entrei nessa história, não fui quem o Flamengo necessitava, minha participação foi ridícula. O Flamengo tem sua parcela de culpa? Claro que tem, mas o maior culpado sou eu. Talvez se minha dedicação, meu entendimento e minha paciência fossem maiores, a história seria diferente.
a decisão de parar´
Eu não tenho desgaste com o clube. O Coritiba é um time que conheço bem, sei como pensa a torcida. Como eu disse, quando eu tinha 20 anos, queria falar coisas que falei agora aos 36, 37 anos e talvez muitos não estavam preparados para aquela discussão. Muito se fala que tenho problema com o presidente (Vilson Ribeiro de Andrade), e eu não tenho. O que acontece é que em vários momentos ele se posicionou de uma forma que eu não gostei, e me posicionei de forma que ele não gostou. Isso é normal em qualquer empresa. E a relação que tenho com o Coritiba é de amor. Comecei aqui, cheguei com 9 anos, conheci minha mulher dentro do estádio. Não tem como separar o Coritiba de mim.
E está 100% convicto de parar? Não tem proposta que mude isso?
Não. Já deu para mim.
Você disse que primeiro pararia após o Paranaense deste ano e que mudou de ideia por cauda da família e de amigos. Por que ali já pensou em parar?
Achei que poderia ajudar muito pouco no Brasileiro. Que o Coritiba teria parada por duas ou três semanas, porque caímos fora na semifinal do Paranaense e teria tempo para refazer o time, contratar outros jogadores. Naquele momento, a situação do treinador era complicada. O Dado (Cavalcanti) saiu, e veio o Celso (Roth). Daria oportunidade para o Celso montar outro time. E eu ia descansar minha cabeça. Olhava para o futuro e achava que ajudaria pouco no processo.
Mas como o capitão do time, o craque, o líder não poderia ajudar?
No futebol, não pode direcionar para uma pessoa. Tem que direcionar para um conjunto de coisas. E esse conjunto de coisas não estava acontecendo no Coritiba. Não estava e não está. O Coritiba em que joguei nesses dois anos é dividido. Dividido entre o Atuba, o Couto Pereira e o torcedor. Dificilmente esses três se juntaram. Quando se juntaram, foi forte. Dos times que joguei, é o único que não criou uma sinergia dessas três pontas - arquibancada, diretoria e futebol. Pensei: se eu saio, talvez consigam juntar isso. Retornei por algumas pessoas, principalmente pelo meu filho, que ficou três dias sem falar comigo e só voltou a falar depois que disse que iria voltar para o treino. Tive uma conversa com o Tcheco, que é um amigo de infância, falei com a minha mulher, com amigos próximos.
E se o seu filho não falar contigo novamente?
Eu o preparei agora. Ele mesmo diz: "Meu pai vai parar contra o Bahia. É o ultimo jogo dele, porque ele está velho, está cansado." (risos)
Já tinha consciência dessa divisão interna no clube?
Não, nenhuma. Se eu soubesse, não teria vindo. Uma coisa que eu ouço aqui, jogando pelo Coritiba, é "Ah, o Alex brigou na Turquia". Eu não briguei com ninguém. Briguei com o treinador, e o presidente preferiu que eu saísse e o treinador continuasse. Sempre fui bem de vestiário, no Palmeiras, no Cruzeiro e na Turquia. E bem aqui, se perguntar para os jogadores. Criaram um problema de relacionamento comigo e o presidente que nunca aconteceu. Mas esse tipo de situação, se eu soubesse antes, com certeza não viria.
Isso contribuiu para a decisão de parar?
Também. Não consigo ficar com as pessoas me questionando e não dar a minha posição. Mas, mais do que isso, é a minha condição de achar que chegou o momento de me retirar e deixar esse pessoal mais novo seguir jogando. O futebol necessita de muita entrega. De repente não tenho mais tanto para oferecer dentro do campo.
Então não tem mais volta?
Deixei de lado. Parei com o futebol.
idolatria na turquia
Não sei (risos). Não sei o que aconteceu. Não fiz nada de diferente do que fiz no Brasil. Fui, trabalhei, me dediquei, ganhei, perdi, me posicionei em várias situações, mas não fiz nada de diferente para merecer uma estátua, por exemplo. Quando foram ao centro de treinamento do Fenerbahçe e pediram as medidas de camisa, de short e da caneleira para fazer a estátua, não achei que aquilo iria sair, porque eu só trabalhei. Só joguei futebol. Os que não gostam de mim falam: "Poxa, o cara veio aqui, ganhou dinheiro, foi embora, e vocês ainda fazem uma estátua para ele.. Analisando friamente, eu trabalhei, me incorporei na cultura deles, cumpri minhas obrigações, e minha família também incorporou a cultura turca, algo que pode ter chamado atenção. Mas nada de extraordinário, eu não fiz nada. Realmente, é um mistério para mim.
Você já chegou como ídolo?
Cheguei, porque eles vieram me contratar em 2003 e eu não fui. Eu estava com a minha mulher grávida. Aí falei para eles que, se quisessem, podiam me procurar depois que minha filha nascesse. E eles ficaram me acompanhando, eu fazendo gol no Cruzeiro, e chegava muita notícia para eles. E os outros times tratavam da seguinte forma: vocês acham que vão conseguir contratar o melhor jogador do Brasil? Então, quando desembarquei, cheguei ídolo. Tinha umas 20 mil pessoas no aeroporto me esperando. Uma loucura que eu nunca tinha visto. Eu pensava comigo: ou carimbo isso ou estou morto. Fiz 30, 32 gols, fomos campeões, e eu confirmei a minha contratação. E essa loucura só foi aumentando dia a dia.
Qual foi a maior loucura que aconteceu?
A maior loucura foi a despedida. Foram 12 dias em que três, quatro mil pessoas rodavam minha casa. Minha filha veio me dizer um dia que tinha gente dormindo no nosso jardim, e eu tinha três cachorros que ficavam soltos. A gente teve que prender para que não atacassem as pessoas. Num momento de comoção do país, eu não ia querer ter problema com cachorro (risos). Isso foi muito louco. A minha saída do aeroporto era para 22h, e eles começaram a soltar fogos em cima do aeroporto. Às 19h30, um chefe da polícia falou: "Vai embora, porque esse povo só vai parar quando você for embora." O avião ficava nos olhos das pessoas, e não tinha como falar "ah, o avião saiu". Minha filha dominava o idioma, então, quando o cara falou que o aeroporto já estava fechado por causa da fumaça toda e dos fogos e que tinha um perigo grande do aeroporto explodir, ela entrou em desespero. O voo saiu às 19h40 porque a gente foi expulso. Eu sempre disse para a minha mulher que vou embora e entra outro, porque acredito nisso no futebol. O Cruzeiro foi fantástico, mas veio outro. E ela falou: "Não, você não está entendendo. Eu assisto ao jogo na arquibancada, ando nas ruas, e você só vai entender quando estiver fora."
Tinha uma vida normal lá? Ia ao cinema, restaurante, shopping?
Tinha, mas com a paciência de atender a todo mundo. Quando não queria a situação, eu ficava em casa. Quando eu ia ao shopping, cinema ou restaurante, já ia sabendo que não tinha hora para voltar. Não existe aquela coisa: vou ali rapidinho e já volto. É: vou ali e não sei que horas volto. Se fosse um dia em que eu e minha família não quiséssemos aquela situação toda, ficávamos em casa.
Estátua de Alex fica próxima ao estádio do Fenerbahçe, em Istambul (Foto: Márcio Iannacca)
Várias. Uma vez fomos numa boate famosa em Istambul com uns amigos, e na saída eu estava de mãos dadas com a Daiane. Do meu outro lado, tinha uma loira. O fotógrafo pegou a foto e cortou a minha mulher, mas aparece o ombro dela. E eles guardaram a foto até chegar uma derrota nossa para publicá-la e colocaram que eu tinha ido para a boate depois da derrota com uma loira. Mas o meu comportamento vai apagando essas situações. Se o meu comportamento fosse diferente, talvez aumentasse uma manchete mentirosa. A briga com o treinador também foi muito aumentada por eles. "Alex faz um gol, e faltam 12 para alcançar", e a coisa avançava. Quando eu fazia gol, a TV mostrava a reação do treinador. Foi quando dei a arma para eles. Quando fiquei no banco, um amigo brincou no Twitter: "Pô, você está muito mal. É reserva do Cristian, que era volante do Corinthians." E eu respondi: “Deve ser ciúme.. Foi a brecha que dei para eles darem um título só com a palavra ciúme.
(Nota: a crise com o técnico Aykut Kocaman começou com a decisão de colocar Alex no banco de reservas e, em seguida, nem relacioná-lo. A imprensa turca destacou que Kocaman temia que Alex o ultrapassasse na lista de artilheiros na história do clube)
Como conseguiu se controlar com esse assédio todo, de pensar "sou o Alex, mas não sou o melhor do mundo"?
Eu sei que não sou o melhor do mundo. Não me vejo diferente de ninguém. Estou jogador de futebol e daqui a pouco não sou mais. E as derrotas me ajudaram bastante. Perdi muito no início de carreira, no Coxa e no Palmeiras. Deus me deu um dom que é jogar bola, mas isso não me faz melhor do que um torcedor, um deputado e um gari. E também vivi a situação com a Daiane. Ela era de uma condição social, e eu era de outra. No início do namoro a gente enfrentou situações que eu achava ridículas e absurdas. Então fui vendo que não tem diferença. Você é o que a vida te proporcionou ser. Vivo de uma maneira tranquila.
seleção e a copa de 2002
Nenhuma. O Felipão, naquele momento, fez as escolhas dele. Foram boas escolhas porque era uma safra muito boa, de bons jogadores. Eu olho para trás e me via - e continuo me vendo - com condições de ter participado daquele Mundial. Fiquei mal, claro. Mas hoje levo de maneira muito tranquila.
Foi uma surpresa a não convocação?
Sim, com certeza. Eu tinha absoluta certeza de que iria à Copa.
Deve ter sido difícil aceitar que estava fora.
Foi muito difícil, um negócio inexplicável. Demorou muito tempo para eu me recuperar daquela situação. Conversei com muitas pessoas e até com o próprio Felipão algumas vezes. Mas naquele momento, e uns dois anos depois, ainda ficava pensando o que tinha acontecido. E em vários outros momentos fiz vários questionamentos que são sem resposta, né? A resposta mais concreta que tenho do Felipão é que foi uma opção dele. Sei que poderia ter participado, mas infelizmente não aconteceu.
Você está em paz com isso agora?
Muito. Sofri com isso até 2005, 2006. Achei que, como eu não fui em 2002, meio que fechou uma porta para as seguintes. Se o Felipão, que me conhecia, não me chamou, por que o Parreira ou o Dunga me levaria? Mas hoje estou muito bem resolvido com isso. A partir de 2005, 2006, fiquei sossegado e entendi que o Felipe tinha as opções dele, foi vitorioso, e o Brasil venceu muito bem. E aquela geração era muito boa. Vários jogadores ficaram fora e eram espetaculares.
Foi difícil acompanhar aquela Copa?
Eu não acompanhei, porque os jogos eram de madrugada e, na época, a minha esposa estava grávida e acabou perdendo o neném. Teve que fazer todo aquele processo de curetagem, então eu estava muito envolvido nesse momento com ela. Eu vi 20 minutos do jogo contra a Inglaterra, por sinal no momento que o Ronaldo faz a jogada e o Rivaldo marcou o gol. Depois vi os jogos, acompanhei os gols, mas durante a Copa não assisti a nada.
Não foi uma decisão consciente de não querer assistir, então?
Não. Foi por causa da minha mulher. Se não fosse isso, eu teria acompanhado na boa. Tenho amigos que torceram contra o Brasil na Copa deste ano, porque o Felipão era o treinador. E vi os jogos na boa. Acho que passou.
Seus amigos têm mais rancor do que você, né?
Com certeza. Eu estava na Turquia, e o Palmeiras queria me contratar com o Felipão como técnico. E os amigos me diziam o seguinte: "Aceita e, quando ele vier para Curitiba, a gente pode ficar perto dele e dar uns cascudos" (risos). Tem muita gente que ainda não absorveu essa situação. Eu absorvi bem. Estou no meio do futebol e sei bem como funciona. O Felipe tinha que fazer as escolhas dele. É claro que me imaginava estar entre os 23, mas não aconteceu. Já passou.
planos pós-aposentadoria
Vou fazer um curso de treinador, mas isso não quer dizer que eu vá virar treinador. Vou buscar as credenciais para ser.
O que acha que precisa fazer e que tempo levará para ter as credenciais?
Quanto a tempo, não sei. Existe uma lei no Brasil, que é ridícula, que me permite virar treinador em janeiro, só assinando meu nome no sindicato dos treinadores. Eu não quero, mas poderia. Acho isso um absurdo. Eu ter jogado tanto tempo não me credencia a ser treinador. Em nada. Só vivi o lado de dentro, agora preciso viver o de fora.
Por tudo o que passou na Turquia, pensa em treinar algum dia o Fenerbahçe?
Sim, com certeza. É possível. Já o Coritiba eu não quero treinar, não.
Qual a diferença?
Minha relação com o Coritiba acaba no jogo contra o Bahia. Não quero ter mais nenhum tipo de relação profissional com o clube, nem ser dirigente ou treinador. Posso até mudar de ideia mais na frente, mas hoje não quero. Essa relação de torcedor com o profissional dentro do campo é muito confusa. É difícil distinguir e separar. Por isso, vou acompanhar o Coxa das cadeiras, como torcedor, e apoiar quem estiver jogando.
Acha que na Turquia não haveria essa relação tão próxima?
Não, pois eu nunca torci para o Fener. Eu seria um funcionário normal, como em qualquer outro lugar. Iria de peito aberto para tentar fazer algo dentro daquilo que imagino. Mas, para isso, preciso virar treinador primeiro, né? (risos)
Outra área do futebol te interessa?
Organizador, gerente, manager, seja qual for o nome, isso me interessa. Acho que, falando aqui do Coritiba, o clube precisa montar uma filosofia, porque senão a cada fim de temporada vamos estar discutindo a mesma coisa. Se a temporada foi boa, se as contratações foram legais, por que não usamos o menino bom da base? Esse tipo de situação me agrada. Mas não neste momento.
o gol
Alex elege o que ele fez em 2003 sobre o Flu (a partir de 0:33)
o jogo
O meia destaca a vitória do Palmeiras sobre o River em 1999
a loucura
Torcedores do Fener fizeram acampamento em
frente à sua casa
pingue-pongue
Foi em Cruzeiro x Fluminense (em 2003). A gente já era campeão brasileiro e, nesse dia, a diretoria do Cruzeiro fez uma festa muito legal, chamou os campeões de 1966 para trocar a faixa. E eu troquei com o Dirceu Lopes. Então já fui para o jogo superemocionado, porque eu tinha crescido ouvindo falar do Dirceu Lopes. Na época, as pessoas falavam em Minas: "Você não foi para a Copa, e o Dirceu Lopes também não." Isso acabou me aproximando dele. A jogada do gol foi muito difícil, de controle difícil, muito próxima, e dificilmente eu faria um gol como aquele. Então, para mim, esse foi o gol de execução mais difícil e o que me traz uma satisfação muito grande. Fiz gols muito mais importantes, mas é meu preferido.
E o jogo preferido?
É difícil escolher um. Mas, se tivesse que escolher, seria Palmeiras x River Plate, na semifinal da Libertadores de 1999. Eu já vi esse jogo inteiro umas 10 vezes, da escalação ao momento final. É um jogo em que deu tudo certo, do início ao fim. Eu errei pouquíssimo no jogo, fiz dois gols, participei de todas as jogadas ofensivas do Palmeiras e deixei o Euller e os outros atacantes em condições para fazer gols que deixariam até o jogo mais tranquilo (veja abaixo).
Um estádio?
Do Fener. Foi onde eu vivi as maiores atmosferas. Dificilmente joguei com o estádio vazio. Jogos nevando, temperaturas baixas, e o povo sempre participando. Públicos sempre incentivando, mesmo com o time mal. Foi uma torcida que eu vi ganhar jogos. A gente mal no jogo, e os caras em cima, empurrando. Você buscava força de algum lugar e acabava ganhando.
E um estádio no Brasil?
É difícil escolher pelo seguinte: era difícil nos vencer no Palestra Itália, e o Mineirão todo de azul era um negócio absurdo em 2003. E o Couto é a minha casa. Mesmo vivendo na maioria das vezes atmosferas difíceis, com pouco público e com participação pequena, é a minha casa, onde eu cresci, onde tudo aconteceu. Então, escolher um estádio no Brasil é realmente complicado.
Que amigos o futebol lhe deu?
Sou um felizardo, pois fiz alguns amigos por aí. O Mozart é muito amigo meu, o Paulo Miranda também, Aristizábal, Arce, Roque Júnior, e tem muitos outros por aí. Posso até estar sendo injusto e acabar esquecendo. Mas sempre participei muito bem nos grupos. Mesmo quando tinha problema com alguém, eu sempre resolvia com a pessoa. Então sempre fiz boas amizades. Por exemplo, aqui no Coxa, o Júlio Cesar vai ser um cara que, acho, vai ser amigo para sempre.
Há algum time que você gostaria de ter defendido e não defendeu?
Sim, mas não vou falar (risos). Senão... Mas tem um clube que eu gostaria muito de ter jogado, mas infelizmente não aconteceu.
Por quê?
Porque eu gosto do clube, a torcida é legal, acho que é um clube vencedor, sempre funciona.
É no Brasil?
Sim, no Brasil. Mas não aconteceu, paciência. Vou torcendo à distância pelos amigos.
Que pergunta você não aguenta mais responder?
Entrevista de dia a dia é sempre a mesma coisa. Expectativa para o jogo de domingo ou aquelas: por que o treinador está jogando com um atacante? Poxa, pergunta para ele, não para mim (risos). Antigamente o cara vinha, sentava ali atrás do gol para assistir ao treino e era mais fácil, porque você não dava entrevista, você conversava. Com alguns, até virava amigo. Hoje, como tem esse negócio da janela, da coletiva, não tem muito o que fazer. O repórter vai perguntar a mesma coisa, o jogador vai fugir da resposta, e com o treinador acontece a mesma coisa. Isso não vai me fazer falta (risos).
Olhando para trás, o que deixa para o futebol brasileiro?
Eu não deixo nada. Deixo a minha satisfação, meu respeito e agradecimento. Devo tudo o que tenho ao futebol. Então meu agradecimento ao futebol é eterno. O que eu ofereci para as pessoas? Isso é muito individual. Já encontrei palmeirense que acha que não joguei nada, e respeito. E tem outros que acham que fui o maior jogador que eles viram na história do Palmeiras. A questão maior que eu enfrento é aqui no Coritiba. Muitos falam que sou ídolo do clube, aí vem outro que é antagônico e diz que nunca joguei nada aqui no Coritiba. Então isso é muito individual.
FONTE:
http://glo.bo/1w2hwV8
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