O que antes ajudava a explicar o sucesso do show, o isolamento do que pensam fãs, empresas que sustentam os participantes e mesmo da mídia, hoje tem de ser revisto
No próximo fim de semana, o foco das atenções de milhões de fãs da Fórmula 1 vai estar na luta entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, a dupla da Mercedes, pelo título mundial, no Circuito Yas Marina, em Abu Dabi, última etapa do campeonato. Mas, ao mesmo tempo, três equipes, Lotus, Force India e Sauber, vão continuar chamando a atenção dos fãs e da imprensa, como já fizeram no GP do Brasil, para a sua luta de sobreviver na competição. O quadro é um reflexo da distância entre a realidade do mundo, hoje, em que contexto a Fórmula 1 se insere, e os homens que pensam, organizam e controlam o espetáculo.
Por mais de quatro décadas, desde que o competente Bernie Ecclestone, hoje com 84 anos, tornou-se o líder da Fórmula 1 e as transmissões de TV para o mundo todo criaram um grande interesse pelo evento, o modelo de gestão adotado pelo próprio Ecclestone, pelos diretores das equipes e até pela FIA foi o de ditar regras para tudo. Eles tinham a faca e o queijo nas mãos. Essencialmente, eram os fãs, as empresas investidoras e as emissoras de TV que deveriam de se adaptar às imposições da Fórmula 1.
E como funcionava, haja vista a atração exercida às montadoras, o crescimento exponencial nos contratos de patrocínio, no número de telespectadores, de torcedores nos autódromos e no aumento na receita geral da Fórmula 1, esse modelo de gestão pouco aberto ao diálogo se manteve por bom tempo. “Pode-se dizer que fez até mesmo parte do marketing do evento, como instrumento de valorizá-lo ainda mais”, diz Jackie Stewart, ex-piloto, três vezes campeão do mundo, 1969, 1971 e 1973, profissional que trabalhou como relações públicas da Ford no período do boom da Fórmula 1.
OUTROS PARÂMETROS
Bernie Ecclestone, o homem-forte da Fórmula 1 (Foto: Getty Images)
Outro indicativo de que algo está bem errado, para o ex-diretor da Benetton e Renault, campeão do mundo pelas duas, Flavio Briatore, é a queda de audiência na TV. “Se você tem um bom produto isso não acontece. Decidiram criar um regulamento que atende o interesse de três, quatro equipes, com esses carros híbridos que não fazem barulho e custam uma fortuna impensável, e não levaram em conta o que o público quer ver, o que os times podem investir. Portanto essa crise é perfeitamente compreensível”, diz o italiano.
Gerhard Lopez, sócio da Lotus, Monisha Kaltenborn, Sauber, e Vijay Mallya, Force India, querem se reunir novamente com Ecclestone, em Abu Dabi, como fizeram em Interlagos, para lhe mostrar que tanto ele como os chefes das equipes onde dinheiro não é problema precisam se mobilizar já. Há riscos de as três não terem como alinhar seus carros no GP da Austrália de 2015, etapa de abertura do próximo Mundial.
PARTICIPAÇÃO MAIS IGUALITÁRIA
O motivo dessa revolta é a discordância com o critério de distribuição de dinheiro, definido há meses, apenas, quando todos assinaram o novo Acordo da Concórdia, contrato que estabelece os direitos e as obrigações dos envolvidos com a Fórmula 1. “É um modelo onde os mais ricos tornam-se cada vez mais ricos e os que não têm superestruturas por detrás de si, como uma montadora, têm de lutar ainda mais apenas para sobreviver”, explica Lopez.
Para o empresário de Luxemburgo, é impressionante a falta de sensibilidade dos responsáveis por administrar a Fórmula 1. “Parece que eles vivem em outro mundo. As imensas dificuldades dos que são também essenciais para o show, como nós, simplesmente não os atingem”, disse Lopez, em Interlagos. “Não faz sentido nos dias de hoje, com a economia como está, uma escuderia ter de gastar US$ 150 milhões apenas para participar da Fórmula 1.”
Outro exemplo de como a direção da Fórmula 1 ainda vive no passado, diante do exposto por alguns de seus profissionais, é a recente declaração de Ecclestone de que seu produto não precisa dos jovens. “Eles não compram Rolex”, disse, dentre outras coisas, para argumentar sua tese. A Rolex é a responsável pelo serviço de cronometragem da Fórmula 1.
Pois esse é um dos motivos de discussão séria entre quase todos na Fórmula 1 com Ecclestone. Nesse ponto o isolamento do principal dirigente do show é total. “Não podemos ignorar a internet, as mídias sociais, a Fórmula 1 precisa encontrar uma forma, e elas existem, de se aproximar do jovem sem que isso implique riscos à comercialização dos direitos de TV, uma importante fonte de receita do evento”, afirma Toto Wolff, sócio e diretor da Mercedes.
PÚBLICO NÃO JOVEM
Jacques Villeneuve contesta a ausência de heróis na Fórmula 1 atual (Foto: Getty Images)
Para o ex-diretor da McLaren, Martin Whitmarsh, a Fórmula 1 ignorar esse segmento dos jovens, não atraí-los desde cedo, como faz a Red Bull com os esportes que promove com extrema competência, “e capacidade de investimento”, é condená-la a ser seguida apenas por pessoas com idade que num futuro não distante as farão estar fora do mercado consumidor de boa parte dos produtos divulgados pela própria Fórmula 1. “Age contra os interesses da Fórmula 1.”
Essa questão fundamental de olhar o jovem como o fã de amanhã da Fórmula 1, já que hoje uma parte deles não se interessa como antes pelas corridas, parece não gerar nenhuma reflexão mais séria em Ecclestone. Há dias o inglês anunciou que irá rever o critério de credenciamento para os sites. Haverá uma sensível redução desses veículos de comunicação nos autódromos. E eles atingem, essencialmente, o público jovem. Já para a mídia impressa há bem mais tolerância.
Mas quem consegue imaginar um rapaz ou uma moça de 20 anos indo a uma banca a fim de comprar um jornal para ler sobre a Fórmula 1? Mais de uma geração foi educada a buscar na internet as informações desejadas. É provável que falte até mesmo prática para movimentar as páginas de um jornal tamanho standard a esse público. Mais: amanhã, que é quando o jornal informa, representa um espaço de tempo impensavelmente grande nos dias de hoje. Tudo tornou-se mais imediatista. O consumidor da Fórmula 1 não é diferente.
FALTA O HERÓI
Todos
os exemplos mencionados ratificam o distanciamento da política de
gestão da Fórmula 1 das exigências modernas de seus consumidores. “Ao
contrário do passado, quando o desprezo não atingia o fã, porque ele
tinha o herói para quem torcer, o seu piloto favorito, como foi o meu
pai para muitos deles, atualmente esse descaso fere gravemente a Fórmula
1”, afirma Jacques Villeneuve, campeão do mundo de 1997. Ele é filho do
mito Gilles Villeneuve, morto num acidente no GP da Bélgica de 1982.
O maior exemplo desse comportamento frio, desinteressado em gerar reações de paixão no torcedor, é o que acontece agora, no final do campeonato, entre Hamilton e Rosberg. “Você vê algo que sequer se assemelhe ao que vimos quando Senna e Prost estavam lutando pelo título nas corridas finais?”, pergunta Jacques. “Quase não há conversas nos bares sobre a decisão do campeonato. Mesmo entre interessados pela Fórmula 1 não assistimos mais àquelas manifestações alegres da torcida, do público fiel. E por quê? Porque Hamilton e Rosberg não são heróis. Tem quem os admira, uns mais outros menos, mas não mais que isso.”
Diante do exposto, o que primeiro parece ser necessário ser revisto na Fórmula 1 é mesmo a questão de o ser humano ser valorizado. Esteja ele dentro do evento, como os seus profissionais, e permitir que o universo dos interessados passe a conhecê-lo de verdade, ou fora do espetáculo, basicamente quem garante a existência do espetáculo, o fã, tão ignorado por um modelo de gestão que vive do passado. E condena o seu futuro.
FONTE:
http://glo.bo/1uFnz1N
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