segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ex-motoboy e "afilhado" de campeão mundial, Lipe faz "bicos" de pintor

Representante da elite do vôlei de praia, atleta fala da relação com Franco e revela sonho: "Ser campeão de uma etapa do Brasileiro. Fui para duas finais"


Por Rio de Janeiro



Lipe volei de praia (Foto: Arquivo Pessoal)
Lipe fez "bico" de pintor em Campo 
Grande antesde estrear no 
Brasileiro (Foto: 
Arquivo Pessoal)


Ele já trabalhou na confecção de calçados e sacolas, foi motoboy, entregador de pizza e poderia até ter seguido a carreira como dançarino de banda de forró se o vôlei de praia não tivesse cruzado o seu caminho. Apadrinhado por Franco, campeão mundial e medalhista de bronze nos Jogos Pan-Americanos de 1999, em Winnipeg, no Canadá, Lipe Rodrigues é um exemplo de perseverança. Após se arriscar no futebol, o cearense de Fortaleza deu os primeiros passos nas areias para cumprir uma promessa que fez à mãe, antes de sua morte. Ela queria ver o filho como jogador de vôlei profissional, seja na quadra ou na praia. Lipe ia se virando como podia. Viajava só com a passagem e a roupa do corpo, e  contava com a boa vontade de desconhecidos que se sensibilizavam com a sua situação. Aos poucos, foi conquistando o seu espaço e hoje faz parte da elite do vôlei de praia brasileiro.

O espírito guerreiro ainda é uma de suas marcas. Quando há um intervalo grande entre as etapas do Circuito Brasileiro, ele dá sempre um jeitinho para pagar as contas do fim do mês. Há algumas semanas, Lipe fez um "bico" de pintor em Campo Grande (MS). Orgulhoso por ajudar duas senhoras de idade, vizinhas de sua "família adotiva", o jogador surpreendeu os amigos nas redes sociais com um registro do trabalho inusitado. Deixou de treinar por dois dias e conseguiu juntar R$ 1.000 pela pintura de suas casas.

- Quando o intervalo é grande, a gente procura alguma saída por fora para quitar as dívidas, mas esse serviço surgiu assim, avulso. Fiz mais para ajudar as duas senhoras, na amizade, não foi pelo dinheiro. As duas senhorinhas tinham fechado um preço salgado e me perguntaram: "Lipe, tu pinta?" O pintor cobrou R$ 1.500 pela casa de uma delas, que é muito pequena. Eu disse que fazia por R$ 500. O cara tinha cobrado R$ 1.000 para a outra vizinha. Aí eu falei: "Vou fechar um pacote por R$ 1.000, está caro? Vocês compram as tintas e eu faço o serviço da pintura em dois dias". Elas adoraram, deixavam merenda, serviam o almoço. Eu estava visitando a minha família, pude ajudar e fui ajudado. Pô, tirei a nona colocação do Challenger, R$ 1.000 em espécie, deixei a casa delas bem direitinha e acabei ganhando "milzão" - contou Lipe.

Lipe volei de praia (Foto: Arquivo Pessoal)
Lipe conseguiu R$ 1.000 ao fechar um 
pacote para pintar duas casas (Foto: 
Arquivo Pessoal)


Do alto de seus 1,94m de altura e 100kg, o cearense chama a atenção por onde passa. Foi assim que ele conheceu a sua família do coração, como ele mesmo gosta de dizer. Lipe estava dormindo no chão da rodoviária de Campo Grande quando uma mulher o viu vestindo o uniforme do Circuito Brasileiro e o convidou para ir para sua casa.

- Minha história é um pouquinho triste, mas eu acredito que, quando você quer, você tem que ir lá e superar. Fui disputar o campeonato só com a grana para comer, sem dinheiro para pagar o hotel. Acho que eu ia acabar conseguindo arrumar um cantinho, mas estava na rodoviária mesmo quando me chamaram: "Ei, grandão! Você joga vôlei? Estou com uns atletas lá em casa, você não quer vir?" Quando você vê uma senhorinha toda bonitinha te oferecendo um teto, e você está ali sem opção, não tem como negar. Dei muita sorte, foi coisa de Deus. Desde 2005, eles viraram minha família adotiva. Os filhos também jogam vôlei, e eu os chamo de mãe e pai. Sempre que eu posso, vou visitá-los. Tenho muito carinho e amor por eles.

Lipe franco volei de praia (Foto: Divulgação/CBV)
Campeão mundial, Franco é como um padrinho
de Lipe de vôlei de praia (Foto: Divulgação/CBV)


Lipe começou a jogar na quadra, mas migrou para a praia apoiado por um projeto da Federação Cearense. Com o fim do grupo de treinos, ele pensou em abandonar o esporte, mas mudou de ideia graças ao ídolo Franco, que apareceu um dia em sua casa em Fortaleza e o convidou para treinar com ele no Rio de Janeiro. Após disputar algumas temporadas com Beto Pitta e formar uma dupla com Oscar, em 2010, Lipe iniciou o ano de 2011 com Franco, já no fim da carreira. Pouco depois, o cearense voltou a atuar ao lado de Pitta e ainda jogou um período com Anderson Melo até estrear a parceria com Rodrigo Saunders para a temporada 2014/2015.

Campeão de duas etapas do Circuito Sul-Americano de 2007, no Uruguai e no Chile, e outras duas em 2010, na Colômbia e no Brasil, Lipe se espelha no "padrinho" Franco em busca do sucesso nas areias. O principal objetivo é conquistar pela primeira vez uma etapa do Brasileiro.

- Fui atrás do sonho da mãe, que acabou se juntando com o meu. O Franco me ajudou muito. As coisas não estavam andando muito bem no vôlei e ele me chamou para bater bola com ele. Imagina, um ícone do vôlei mundial te chamando para treinar? Ele foi um pai, foi fenomenal, fora do comum. Quando ele ia para o Mundial, deixava grana para eu viajar, pegar ônibus, colocava o técnico dele para me dar treino três vezes por semana... Jogamos ainda seis meses juntos antes de ele parar. Sou muito grato por tudo o que ele fez por mim. Não vivo sem o esporte. No início da carreira, meu maior sonho era disputar uma Olimpíada, mas hoje eu vejo que isso é meio surreal. Meu sonho agora é ser campeão de uma etapa do Circuito Brasileiro. Já cheguei muito perto, fui para duas finais. Quem sabe agora? - vislumbrou o jogador.

Lipe terá a chance de transformar o sonho em realidade na próxima etapa do Circuito Brasileiro, de 18 a 21 de setembro, em Niterói, no Rio de Janeiro. O SporTV transmite ao vivo as semifinais deste sábado, a partir das 18h (de Brasília), e a final, no domingo, às 10h.

Lipe volei de praia (Foto: Divulgação/CBV)
Lipe tem como maior sonho da 
carreira conquistar uma etapa 
do Circuito Brasileiro (Foto: 
Divulgação/CBV)


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