Jegue é o ídolo das crianças em Arembepe, lugarejo que encantou Janis Joplin e Mick Jagger, não tem televisão, e bola fica de lado
Por ali não se escuta grito de gol. O canto de centenas de passarinhos é a sinfonia que impera. Naquela grande área entre rio, cachoeira e praia, quem manda não é Neymar, mas sim o jegue “Moleque”. Uruguaio, Leandro só soube que a seleção do seu país vencera a Nigéria por 2 a 1, nesta quinta-feira, na Fonte Nova, por um acaso. Neste sábado, Brasil e Itália farão, em Salvador, o jogo mais badalado da primeira fase da Copa das Confederações. Enquanto a cidade ferve com a partida, com festejos de São João e protestos, uma aldeia hippie, em Arembepe, município de Camaçari, a 30 quilômetros do Centro de Salvador, segue ao ritmo de paz e amor. Ninguém respira futebol, mas, sim, a maresia do mar e muito verde.
Leandro mora na vila hippie há cinco anos. Chegou do Uruguai, se casou com uma brasileira com quem tem cinco filhos – todos com nomes alternativos - e não se interessa em dizer o sobrenome nem falar de futebol.
- Só soube que o Uruguai ganhou, pois ouvi falar por aí. Eles ganharam, eu não ganhei nada (risos). Essa chuva da Copa passa e não me molha. Para quem ganha dinheiro é um prato cheio. Mas tem turista que vem assistir ao futebol e nem chega por aqui. Fica com medo dos cabeludos e acha que todos dormem pelados juntos – brincou Leandro, com seus longos dreadlocks, enquanto preparava um prato de mingau para o filho.
Atualmente, a população da aldeia de Arembepe é calculada informalmente em 50 pessoas. Isso sem contar os que chegam, ficam por um tempo e somem. A vila hippie, a primeira do Brasil, surgiu em 1970. Nessa época, Janis Joplin passou algumas temporadas na beira da praia e com loucuras que viraram lendas. Caetano Veloso e Gilberto Gil também pousavam pelas areias. Mick Jagger foi outro que se apaixonou pela bucólica região que também tem fama de afrodisíaca.
O
uruguaio Leandro, a família com mulher e cinco filhos, entre eles
Queñoa, em cima do jegue Moleque, na vida alternativa da bela e
'afrodisíaca' Arembepe: por lá, nada de Copa das Confederações. (Foto:
Janir Junior)
As casas são de madeira, pedra, barro e palha. Os banheiros ficam do lado de fora e têm funcionamento orgânico. Nem todos os moradores têm energia elétrica. Carros não passam do portal da Aldeia, ainda de barro. Depois, o percurso é feito com uma caminhada pela areia. Bem próximo, funciona o Projeto Tamar, que mantém uma de suas principais bases para preservação de tartarugas-marinhas em Arembepe.
Na manhã desta sexta-feira, véspera de Brasil x Itália, um dos filhos de Leandro, Queñoa (que faz menção a uma planta com flor), até disse, sem entusiasmo, que gosta de futebol. Mas não tinha uma bola em casa. Nem esboçou qualquer reação quando ouviu o nome de Neymar. Porém, bastou o jegue de estimação da família aparecer para o menino de sete anos vibrar como se fosse um gol.
- O nome dele é "Moleque". "Moleque"! – afirmou Queñoa, enquanto já montava no bicho, brincava e levava uma mordida sem maior gravidade.
Moleque é mais um integrante da família. Come tapioca no prato sobre a mesa, circula livremente, encosta as longas orelhas na caixa de onde sai o som, derruba um copo de café e “rouba” as ervas separadas pelo patriarca da família para a feitura de um chá.
Mas o jegue em momento algum é repreendido. Mesmo com a pressão de ter feito algo que poderia ser considerado errado, recebe carinho e festa de fazer inveja a Neymar na Seleção.
Uruguaio, Leandro nem quer saber da Celeste: só da família e do jegue 'Moleque' (Foto: Janir Junior)
Encantada com simples folhas de um bloco de papel e caneta, ela revela um dos seus gostos.
- Gosto de desenhar – disse Anahinayá, enquanto rabiscava uma mistura de carro e nave espacial.
Artesãos e apoio a protestos espalhados pelo país
Grande parte dos moradores da aldeia hippie trabalha com artesanatos. Os filhos de Leandro aprenderam desde pequeno a fazer costurar em bolsas e talhar cocos que viram suvenires.
O jegue 'Moleque' tem vida boa com a família na vila hippie em Arembepe (Foto: Janir Júnior)
- Gastam dinheiro com a Copa, e um dia desses um morador daqui deslocou o ombro e esperou mais de cinco horas no hospital. Tinham que fazer isso no estrangeiro, que é onde está o dinheiro – reclamou um dos vendedores de artesanato postado na entrada da aldeia.
O uruguaio Leandro também se mostra antenado com o momento do Brasil fora das quatro linhas. Apesar do tom de paz e amor, ele exalta a luta pelos direitos:
- Os governantes têm que sentir que o povo não está satisfeito. Tem que protestar mesmo.
Neste sábado, quando Brasil e Itália estiverem no gramado, é pouco provável que se escutem fogos de artifício na aldeia para celebrar a seleção. Caso aconteça, certamente será pelos festejos de São João, que tomam conta de Salvador. Certamente, o resulto do jogo vai aparecer novamente por um acaso, quase assobiado por um vizinho.
Naquele cantinho de Salvador, o ritmo é bem diferente do que vive o país, não só no momento atual, como ao longo do tempo. Muitos turistas e curiosos gostaram da aldeia, se arriscaram a ficar e tentaram virar hippies,
contrariando o lema local de que “não existe você virar hippie, tem que nascer assim”.
As crianças são alguns dos exemplos do espírito livre e o desapego ao futebol. Nenhuma delas tem o moicano de Neymar. Mas todas amam o jegue Moleque.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-das-confederacoes/noticia/2013/06/alheia-copa-aldeia-hippie-na-bahia-troca-neymar-por-jegue-moleque.html
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