Potiguar de Baía Formosa, que surfava na infância em isopor, supera passado difícil, expande negócios para família e hoje é apontado como candidato ao título mundial
O estilo agressivo, seja através das mais progressivas manobras e dos modernos aéreos ou em sua habilidade de entubar em ondas pesadas, contrasta com o jeito tranquilo, leve e brincalhão fora do mar. Quem vê Italo Ferreira se arriscar para romper os próprios limites, desbancando mitos como Kelly Slater e Mick Fanning, não imagina a sua trajetória até chegar ao seleto grupo dos 34 melhores surfistas do mundo. Melhor estreante e top 7 do ranking mundial no ano passado, o atleta de 21 anos superou um passado difícil para se tornar uma referência e transformar a realidade ao seu redor. Sem uma prancha própria quando criança, começou a surfar em um isopor, aos 8 anos. Usava ainda as emprestadas pelos primos até ganhar uma de presente do pai, aos 11. Foi o suficiente para despontar no esporte de forma meteórica. Hoje, Italo é um dos candidatos ao título mundial em 2016.
O brasileiro ainda está na Austrália, onde defende a bandeira verde e amarela na segunda etapa do Circuito Mundial de 2016, em Bells Beach. Ele é um dos três brasileiros ainda com chances de vencer a competição e já assegurou vaga nas quartas de final - assim como Wiggolly Dantas. Estreante na elite nesta temporada, Caio Ibelli ainda luta pela sobrevivência na repescagem (quinta fase). A próxima chamada para avaliar as condições do mar será neste sábado, às 18h (horário de Brasília).
- Eu gosto de arriscar e fazer as coisas mais difíceis. Não gosto de fazer só o básico, gosto de elevar meus limites e puxar o máximo de mim. Mesmo errando bastante, tento me adaptar aos diferentes tipos de manobras e colocar na bateria o que acredito que faça a diferença. Tento as manobras arriscadas, que impressionam as pessoas. E, pessoalmente, sou tranquilo e gosto de brincar bastante. Às vezes, falam até que eu sou chato, mas acredito que não conseguem viver sem a minha presença, sem as minhas brincadeiras (risos). A gente está longe de casa, não tem a família do lado, então, tento sempre manter aquele sorriso no rosto e me divertir com as pessoas. Você tem de abrir mão de várias coisas, da sua casa, família, namorada, então, sou sempre alegre. Estou correndo atrás de um sonho e é isso que eu tenho na minha cabeça - contou o potiguar.
Italo Ferreira na Gold Coast australiana, palco
da primeira etapa do Circuito Mundial
(Foto: Carol Fontes)
- Estou viajando, mas com um objetivo. Às vezes, fico triste por estar longe, mas aí vem os pensamentos de quando eu era criança, de quando eu sonhava estar aqui, viajar o mundo, conhecer culturas, pessoas e lugares que eu só via em vídeos... Você precisa abrir mão de tudo o que você tem na sua casa para viajar e correr atrás dos seus sonhos. Quando fico triste e lembro do meu passado, vejo que as coisas estão muito boas. Deus me deu essa oportunidade e eu tenho que abraçar com todas as minhas forças - acrescentou.
Na Gold Coast, Italo Ferreira aponta par
a onde quer chegar no Circuito Mundial:
número um (Foto: Carol Fontes)
ANO PERFEITO
Em Portugal, Italo acertou aéreo impressionante e ganhou nota 9.93 (Foto: Damien Poullenot/WSL)
Italo foi um dos mais regulares da temporada em que terminou como o melhor calouro. Sem medo dos grandes nomes do surfe, já surpreendeu logo na primeira de 11 paradas do Tour, na Gold Coast, ao eliminar Kelly Slater na terceira fase. Eles se reencontraram em Fiji, e o potiguar voltou a derrubar o 11 vezes campeão mundial, desta vez, na quinta fase. Ele também foi algoz de Mick Fanning na estreia pela etapa brasileira, no Rio de Janeiro.
Italo chegou nas semifinais no Rio, às quartas em Fiji, na França e em Teahupoo, e teve como melhor resultado o vice na etapa portuguesa, em Peniche. Vale lembrar que antes de brigar pelo título em Portugal, derrotou duas vezes Gabriel Medina, na quarta fase e nas quartas de final. Superou nas semifinais o local Vasco Ribeiro, que havia lhe vencido na decisão do Mundial júnior, em 2014, e fez uma das mais emocionantes finais da temporada contra Filipe Toledo. Se tivesse ganhado de Filipinho, o potiguar iria para o Pipeline Masters, no Havaí, com chances de terminar o ano como o número um do mundo. Missão que ele espera cumprir em 2016.
- O ano passado foi incrível, consegui todos os objetivos que eu tracei no início de 2015. Eu avalio como um ano perfeito. Fiquei entre os 10 melhores surfistas do mundo e fui o estreante do ano. No início da temporada aqui na Austrália, não consegui bons resultados (9º lugar na Gold Coast, 25º em Bells Beach e 13º em Margaret River), mas, a partir do Rio, consegui ótimos resultados. Me mantive no top 10 até Pipe e acabei finalizando em sétimo. Consegui quase tudo, só faltou o primeiro lugar, mas, quem sabe, este ano. Vou estar ali brigando - disse Italo.
Embora tenha perdido para Filipinho por 17.83 a 17.13, Italo considera este o seu momento mais marcante em um ano mágico. Foi lá que decolou em um dos aéreos mais altos da carreira, que lhe rendeu nota 9.93 (confira no vídeo clicando no LINK da FONTE no final da matéria abaixo), em sua primeira final na elite do surfe.
- A bateria mais especial foi contra o Filipe em Portugal. Foi a minha primeira final no Circuito Mundial. Ele acabou vencendo e eu fiquei em segundo, mas eu acredito que eu consegui mostrar tudo o que eu sei fazer naquele evento. Mandei um dos maiores aéreos que eu já mandei na vida naquela bateria. Consegui boas notas, baterias excelentes e cheguei à grande final. Foi uma bateria que me marcou bastante, e eu quase venci. Se tivesse mais um minutinho, eu teria vencido. Veio uma onda ali no final assim que acabou a bateria e eu sabia que poderia virar. Eu tinha mandado dois aéreos na mesma onda, mas não era o meu dia. Era o dia do Filipe, que estava surfando muito bem. Mas, mesmo não vencendo, foi a bateria mais especial - lembrou.
Italo
Ferreira treinando0 em Teahupoo, no Taiti,
a mais temida bancada do
mundo, com onda
que pedra sobre corais venenosos a 1,5m de
profundidade
(Foto: WSL / Kelly Cestari)
BUSCA PELO TÍTULO
Apesar de jovem, aos 21, Italo já é apontado como um possível campeão mundial em um futuro próximo, sendo um dos surfistas mais completos do Tour. Uma de suas maiores inspirações rumo ao topo é o australiano tricampeão mundial Mick Fanning, o rei do "power surf" - estilo clássico, baseado na força das manobras. Quando quer inovar e arriscar manobras com um alto grau de dificuldade, ele se espelha no amigo Gabriel Medina e no californiano Clay Marzo, criado em Lahaina, na ilha havaiana de Maui, e que tem a radicalidade como a sua maior marca.
- O cara que eu mais me inspiro é o Mick Fanning. Um atleta incrível e um exemplo que todos deveriam seguir, um surfista muito determinado e disciplinado. Todo o ano, o Mick está brigando pelo título. Não é à toa que ele é um dos melhores de todos os tempos. Eu procuro saber como ele treina e o que ele faz, tento puxar essas coisas para dentro de mim e tentar ser disciplinado como ele. Um atleta precisa ter disciplina e foco. E para esse estilo mais moderno, eu me inspiro no Clay Marzo, um moleque de Maui que faz umas manobras muito loucas. E tem também o Gabriel, que é outro moleque que me coloca sempre no limite. Ele também é muito disciplinado e dedicado e faz as manobras que eu gosto de ver. Tento puxar um pouco de cada um - explicou.
Italo Ferreira acerta floater no fim da bateria em que derrotou Kelly Slater em Fiji (Foto: WSL/Kirstin)
- A briga está muito
grande este ano. É muito cedo para falar de título, mas eu
vou correr atrás. É meu desejo e meu objetivo, mas eu só quero me
divertir e aproveitar,
fazer baterias boas, pegar boas ondas, conseguir bons resultados e
chegar no fim do
ano com chances, sem pressão nenhuma. Vou me divertir com
responsabilidade, sempre com
um sorriso no rosto e ir para cima de seja lá quem for. Pode ser
qualquer um, que eu vou entrar com o mesmo objetivo de passar a
bateria. Tenho muitos objetivos e desejos e espero
alcançá-los. Vou me dedicar muito. Tenho um suporte incrível por trás
e só depende de mim agora - garantiu o potiguar.
PASSADO DIFICIL
Italo Ferreira, de skate, na Gold Coast australiana; surfe é passatempo favorito (Foto: Carol Fontes)
A
coragem para enfrentar os melhores surfistas do mundo vem de berço.
Assim como muitos brasileiros, Italo driblou as dificuldades impostas
pela vida e lutou para conquistar cada um de seus objetivos. No início
da carreira, ainda sem patrocínio e dinheiro para viajar, o surfista
contou com a família e os amigos. Além da "vaquinha", eles abasteciam a
sua mochila com biscoitos e outras comidas compradas no mercado para as
competições nos finais de semana. Atualmente, o cenário é outro. Viaja o
mundo atrás das melhores ondas e tem a estrutura necessária para pensar
apenas no surfe, sem esquecer de ajudar os que precisam.
-
Quando eu era moleque, andava de skate,
gostava de música... Aí entrou o surfe. Eu via os meus
primos surfando e tive o interesse de aprender. Onde eu moro é um
lugar incrível e muito fácil para aprender a surfar. Eu não tinha
prancha e surfava em um isopor. Foi bem engraçada a minha história no
início, mas eu também tinha o suporte dos meus primos que me
emprestavam as pranchas. Depois, meu pai conseguiu comprar uma prancha
para mim, e eu venci o meu primeiro campeonato como estreante lá em
Baía Formosa. Depois, disputei estaduais,
brasileiros... Como eu não tinha como me bancar, eu ia pedindo dinheiro a
um, a outro... Às vezes, ia só com dinheiro da inscrição, mas cheio de
biscoitos e outras coisas que compravam no mercado para eu poder
competir no final de semana. Nada vem fácil. Por isso, às vezes, quando
fico triste, eu olho para trás e vejo que agora está tudo excelente,
tudo incrível - revelou Italo.
- Os
brasileiros tem muita vontade de vencer e crescer na vida, acredito que
todos vieram de famílias humildes que batalharam bastante para chegarem
onde estão. Os brasileiros tem muita garra e gana de vencer. E é isso
que faz a diferença - completou.
HABITAT IDEAL
Italo no pôr do sol em Baía Formosa, sua terra natal (Foto: Reprodução/Instagram)
- Baía Formosa é minha onda número um. Eu conheci Fiji no ano passado e me apaixonei pelo lugar também. Taiti, que eu conheci ano passado também, se tornou-se uma das minhas ondas favoritas. Até porque eu morria de medo do Taiti, só via aquelas ondas gigantes... Mas o lugar é incrível e as pessoas são especiais. Para fechar, outro local que eu me sinto muito bem é Fernando de Noronha. É muito bonito e as pessoas são legais - revelou o atleta.
Italo Ferreira nas Ilhas Fiji pelas lentes de Filipe
Toledo (Foto: Reprodução/Instagram)
Um
dos picos mais procurados pelos surfistas na Baía é o Pontal, em frente
à pequena cidade de 8.610 habitantes, segundo dados do IBGE em 2011. A
extensa direita tem formação melhor na maré cheia, ideal tanto para
profissionais e como iniciantes, enquanto a vazia exige uma maior
técnica e habilidade, já que a onda fica mais rápida e qualquer erro
pode jogar o surfista nas pedras. O local conhecido como Picão, na vila
de pescadores de onde saem as jangadas e os barcos, também tem boas
ondulações. São direitas que abrem sobre uma laje de pedras, porém, são
menos perigosas que o Pontal, devido a menor quantidade de rochas.
Italo Ferreira em seu habitat ideal: o mar (Foto: WSL / Kelly Cestari)
- Tento sempre voltar para casa antes de alguns eventos para treinar e recarregar as energias antes de viajar. Baía Formosa é um lugar bem tranquilo e sossegado, não tem balada, não tem essas festas que existem nos outros lugares e que, às vezes, podem tirar o foco. Eu não gosto desse tipo de coisa, mas la é o lugar ideal, onde você pode parar, botar a cabeça no lugar e focar novamente. É até engraçado, mas o meu passatempo preferido é o surfe. Quando eu fico estressado ou triste, vou para água. É a única coisa que me faz bem e me deixa tranquilo. Me faz esquecer das coisas. O mar é o lugar que eu quero estar nos momentos mais felizes e mais difíceis. Mas outras coisas que desviam também é estar feliz com os amigos, a família, a namorada e fazendo "surf trip" (viagem de surfe) - afirmou Italo.
Italo
Ferreira antes de sair do tubo em sua primeira
vez em Teahupoo, no
Taiti, no ano passado. Surfista
agora tem a onda como uma de suas
prediletas
(Foto: WSL / Kelly Cestari)
CAÇADOR DE SONHOS
Italo Ferreira apresenta Pousada do Porto, em Baía Formosa (Foto: Instagram / Italo Ferreira)
De
origem humilde, o potiguar de Baía Formosa viu os pais batalharem desde
cedo. A mãe vendia coxinhas em uma escola e o pai ainda vende peixes na
Pipa e em outras praias do litoral do Rio Grande do Norte. Quando as
contas apertaram, a família mudou-se de Natal para Baía Formosa, e o
surfe trouxe um novo rumo na vida dos Ferreira. Eles ganharam um espaço
na casa da avó de Italo, onde vivem até hoje, e, aos poucos, expandem os
negócios pela região.
Através do seu talento no esporte, o surfista pôde fazer a família a sonhar.
Construiu uma pousada em sua terra natal e deu para a mãe e a irmã
administrarem. Um barco que realiza passeios pela baía também foi outra
empreitada conquistada graças ao trabalho do surfista. Recentemente, ele deu duas
pranchas para a irmã vender e poder abrir uma loja de biquínis.
-
Dar uma estrutura melhor para a minha família é um dos meus objetivos e
algo que me motiva bastante: dar um carro, uma casa boa, ter o que
comer todos os dias... Agradeço a Deus por ter a oportunidade de mostrar
o meu talento para as pessoas e ao mesmo tempo ajudar a minha família.
Eles me ajudaram no início da carreira e agora eu tenho que
ajudá-los. Há alguns meses, terminei a pousada na Praia do Porto e dei
para minha mãe e minha irma. Tenho um barco também que faz passeio,
carros, enfim, coisas que antigamente a gente não tinha e eu consegui
com o meu trabalho. Isso é muito gratificante: poder ajudar a família
com o que eu faço.
NORDESTE COMO CELEIRO DE ATLETAS
Italo Ferreira foi eleito o melhor estreante do ano passado. Na foto, ele na Gold (Foto: Carol Fontes)
- O fato de me verem na elite abre a cabeça das crianças, que veem que é possível chegar lá mesmo com todas as dificuldades. Vejo o esforço de todos. Quando vejo alguém que passou pelo que eu passei, eu sempre vou ajudar. Para quem é de Baía Formosa, é difícil você ter o suporte pra sair de lé e disputar os eventos, porque hoje em dia tudo é caro. Se você não tiver um apoio, você não consegue. A não ser que a sua família tenha uma vida financeira boa e possa te ajudar, sem necessidade de um patrocínio. Vejo muitos atletas desistindo porque não tem esse tipo suporte que deixe tudo fácil pra ele ir aos eventos e competir - analisou Italo.
- O Nordeste deveria ter muito mais atletas no Circuito Mundial do que só eu e o Jadson (André). Mas, por causa dessa estrutura que os atletas não tem, eles não desenvolvem. É bem difícil, mas acho que se houvesse um suporte a mais, o Nordeste seria também uma potência como São Paulo, que coloca vários surfistas no Circuito Mundial - acrescentou o potiguar.
BATERIAS DA QUINTA FASE EM BELLS BEACH
2. Matt Wilikson (AUS) 16,57 x Julian Wilson (AUS) 16,57
3. Mick Fanning (AUS) x Davey Cathels (AUS)
4. Caio Ibelli (BRA) x Jordy Smith (AFS)
QUARTAS DE FINAL
2. Wiggolly Dantas (BRA) x Matt Wilkinson (AUS)
3. Conner Coffin (EUA) x ganhador da bateria 3 da quinta fase
4. Michel Bourez (TAH) x ganhador da bateria 4 da quinta fase
Italo Ferreira observa o mar na Gold Coast
australiana, palco da primeira etapa do
Circuito Mundial (Foto: Carol Fontes)
Italo Ferreira em belo cenário na Gold Coast
australiana, palco da abertura do Circuito
Mundial (Foto: Carol Fontes)
Italo Ferreira na Gold Coast australiana, palco
da primeira etapa do Circuito Mundial
(Foto: Carol Fontes)
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