quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Única brasileira, Silvana Lima vendeu carro, apê e até cães para voltar à elite

Vice mundial duas vezes, cearense usa infância pobre como aprendizado para superar lesões e falta de patrocínio. Na Gold Coast, encara algoz Steph Gilmore


Por
Gold Coast, Austrália
 
Silvana Lima em Gold Coast, Austrália (Foto: Felipe Siqueira)
Silvana Lima na Gold Coast, Austrália 
(Foto: Felipe Siqueira)


Enquanto na elite do surfe mundial masculino o país conta com o chamado “Brazilian Storm”, apelidado dado à geração de surfistas brasileiros, no feminino, uma solitária representante deseja fazer chover na temporada que começa neste fim de semana na Gold Coast, Austrália. 

Vice-campeã mundial em 2008 e 2009, Silvana Lima conquistou o direito de retornar ao CT (antigo WCT) em 2015 após se qualificar em primeiro na divisão de acesso (QS) do ano passado. Mas para isso, a cearense de 30 anos precisou superar muitas dificuldades.

Silvana Lima celebra vitória no WQS de Galícia, em 2014 (Foto: Divulgação)Silvana Lima celebra vitória no QS de Galícia, em 2014 (Foto: Divulgação)


No ano passado, a surfista precisou tirar dinheiro do próprio bolso para bancar as viagens para competir. Primeiro, vendeu o apartamento que tinha no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Em seguida, passou o carro. Por fim, precisou vender as crias dos buldogues franceses de seu canil. E foi com o dinheiro arrecadado nas vendas dos buldogues que Silvana conseguiu ir para Europa e disputar as etapas de Hossegor (França) e Galícia (Espanha), que a garantiram na elite do surfe em 2015.

Fotos: conheça as surfistas da elite

- Foi difícil correr todas as etapas do QS. Não consegui um patrocínio principal para me ajudar. As passagens são muito caras. O Real para trocar para Dólar tá complicado… Tive que  botar dinheiro do meu próprio bolso para chegar aonde cheguei hoje. Tive que vender um apartamento no Rio, vendi meu carro… Minha cadelinha teve seis filhotes. E foi o que me ajudou a comprar passagem e hospedagem para a Europa. E lá acabei vencendo na Espanha e garantindo a vaga.  

Silvana Lima brinca com seus cachorros (Foto: Reprodução)
Silvana Lima brinca com seus cachorros 
(Foto: Reprodução)


lesões e falta de patrocínio

Mas por que a surfista de maior sucesso do país sofre para conseguir patrocínios? Em 2011, Silvana rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. No ano seguinte, sofreu a mesma lesão, só que na perna direita e precisou passar por sua terceira cirurgia de joelho. O histórico de operações espantou os patrocinadores. Longe das melhores condições físicas e sem dinheiro, disputou a temporada de 2013 literalmente no sacrifício. O resultado: não conseguiu ficar entre as 11 melhores surfistas que permaneciam na elite no ano seguinte. A carreira promissora parecia fadada ao insucesso.

- O ano de 2013 foi muito difícil, porque eu estava voltando das cirurgias, estava sentindo muito o joelho. Eu não estava nem treinando para as baterias. E quando eu chegava até as quartas de final, já começava a ficar dolorida e não conseguia surfar mais. Quando você começa a sentir dor, seu psicológico não fica bem, então foi bem difícil. Mas foi um ano de aprendizagem.


Silvana Lima mostra cicatrizes das operações nos joelhos (Foto: Felipe Siqueira)
Surfista mostra cicatrizes das operações nos 
joelhos. Rompeu ligamentos cruzado 
 anterior do joelho esquerdo duas vezes, 
em 2007 e 2011, e do direito uma vez, em 
2012 (Foto: Felipe Siqueira)



vaquinha online e ajuda de fernanda lima

Em 2014, Silvana bem que tentou outras formas de arrecadar fundos para bancar a temporada do QS, onde tentaria voltar à elite. Primeiro, criou o site  “SilvanaFree”, de “crowndfunding” (a chamada vaquinha online), onde os fãs podiam colaborar com desde ajuda financeira até pagamento de passagens por milhas e hospedagens. Mas o projeto não foi adiante.

- Me ajudou um pouco. Mas não foi o que esperava. Só consegui dinheiro para correr a primeira etapa na Austrália. Depois os depósitos diminuíram e eu tive que botar meu dinheiro.

Depois, vislumbrou a ajuda da apresentadora Fernanda Lima, fã de surfe, praticante de bodyboard e que, apesar do sobrenome, não é parente dela. Em outubro do ano passado, a modelo a convidou para participar de seu programa de TV. Mas a data batia com uma etapa do calendário, e a surfista precisaria pagar uma multa se não participasse. Fernanda ficou então de repetir o convite em outra ocasião e também de ajudar na procura de patrocinadores.

- A verdade é que não rolou. Ela me deu grande atenção. Até hoje me manda e-mail, disse que assistiu minha vitória na Nova Zelândia, e que ficou superfeliz. Mas ainda não rolou - admite Silvana.


Silvana e Fernanda Lima (Foto: Fábio Minduim / Revista Fluir)
Silvana Lima e Fernanda Lima em 
premiação da Revista Fluir 
(Foto: Fábio Minduim / Revista Fluir)


E em 2015, mesmo de volta à elite, Silvana está na mesma situação. Sem patrocinador master, conta somente com apoiadores de menor porte. Sendo que apenas um deles lhe dá dinheiro. Os demais, lhe “pagam” em produtos: desde pranchas e acessórios até itens para vender e arrecadar dinheiro. Assim, nem a temporada na elite está garantida. O jeito é tentar obter bons resultados nas três etapas australianas (Gold Coast, Bells Beach e Margaret River) para conseguir pagar os gastos das próximas viagens:

- Quando você tem um patrocínio acreditando em você, você só vai para a água para surfar. Não precisa se preocupar com “caraca, tenho que passar essa bateria para ter dinheiro para a próxima etapa”.  Mas continuo na luta. Terei que passar bateria por bateria para poder correr o outro evento.


Silvana Lima treinando em Snapper Rocks, Gold Coast, nesta quinta-feira (Foto: Divulgação)
Silvana Lima treinando em Snapper Rocks, Gold 
Coast, nesta quinta-feira (Foto: Divulgação)


infância pobre como aprendizagem

Nada tão assustador para quem na infância precisava, como diz o batido ditado, “vender o almoço para comprar a janta”. Toda essa determinação em dar a volta por cima remete ao passado, à sua história. Nascida em Paracuru, município a 87km de Fortaleza, capital do Ceará, Silvana veio de uma família pobre. Passou fome, dormiu na rede por não ter colchão. Vendeu adesivo para comprar comida na escola. E superou isso tudo para se tornar um dos grandes nomes do surfe feminino.

- Sou muito guerreira. Depois de toda dificuldade que tive na minha vida, não eram três cirurgias que iam me derrubar. O que passei na minha infância foi muito complicado. Minha família não tinha condição. Morávamos na beira da praia, em uma barraca, meu pai era pescador. Não tinha o que comer. E eu estudava em escola particular por ter ganho uma bolsa por jogar bola. Mas aí tinha a parte ruim de não ter a comida de graça da escola pública. Aí tinha que comprar. Eu vendia adesivos para conseguir ter dinheiro para comprar alguma coisa para comer. Se não conseguisse, tinha que ficar pedindo um pedacinho de biscoito, um salgadinho. Hoje eu tenho que agradecer muito a Deus por ele ter me dado essa oportunidade de virar surfista profissional. Mesmo não tendo a melhor das vidas, para o que passei, isso aqui são mil maravilhas.


Silvana Lima - família (Foto: Arquivo Pessoal)
Silvana cresceu em família humilde no Ceará. 
Superações viraram aprendizado 
(Foto: Arquivo Pessoal)


hexacampeã no caminho

Do interior do Ceará à elite do surfe, Silvana em seu auge, ficou perto do título por duas vezes mas acabou sendo batida, em ambas ocasiões, pela australiana Stephanie Gilmore, hoje nada menos que hexacampeã mundial. E é Gilmore que Silvana reencontrará logo na primeira rodada - que não é eliminatória - desta etapa de Gold Coast. As duas reeditarão a rivalidade do passado junto com uma terceira surfista que virá do qualifying. A melhor avança para o round 3, enquanto as duas demais vão para a repescagem. Mas Silvana não teme Stephanie, nem ninguém. Voltando a se sentir confiante, ainda sonha com o título que ainda não veio.

- Estou 100% preparada para o que der e vier e sem dores agora. Tenho confiança. Hoje estou na minha melhor fase do meu surfe. E por isso acredito que posso alcançar meu grande sonho que é ser campeã mundial. Não vim para somar, vim para brigar pelo título - bradou.


Stephanie Gilmore evento WSL (Foto: WSL / Kirstin)
Hexacampeã mundial, Stephanie Gilmore será 
rival de Silvana no round 1 em Gold Coast 
(Foto: WSL / Kirstin)


Mas Silvana retorna em um período diferente de quando brigou pelo título. Assim como no masculino, uma nova geração de jovens surfistas vem mostrando talento e desafiando as veteranas. Mais velha das 17 competidoras da elite, com 30 anos, a cearense terá não apenas o desafio de bater Gilmore, mas terá também de vencer a concorrência de novos nomes como Tyler Wright (20 anos), Carissa Moore (22) e Sally Fitzgibbons (24).  Mas para uma atleta que superou tantas dificuldades, a idade é o que menos conta nessa hora:

- As pessoas falam que os mais velhos são mais experientes, outros falam que não tem o mesmo ritmo dos mais novos. Mesmo passando por três cirurgias, estou superfeliz com meu físico, com meu psicológico e com meu surfe. Hoje eu estou com 30 anos, mas estou me sentindo como se tivesse 20 - concluiu.


round 1 - gold coast - feminino

Bateria 1: Malia Manuel (HAW), Johanne Defay (FRA), Sage Erickson (USA)
Bateria 2: Sally Fitzgibbons (AUS), Courtney Conlogue (USA), Nikki Van Dijk (AUS)
Bateria 3: Stephanie Gilmore (AUS), Silvana Lima (BRA), TBD
Bateria 4: Tyler Wright (AUS), Dimity Stoyle (AUS), Alessa Quizon (HAW)
Bateria 5: Carissa Moore (HAW), Laura Enever (AUS), Tatiana Weston-Webb (HAW)
Bateria 6: Lakey Peterson (USA), Bianca Buitendag (ZAF), Coco Ho (HAW)



FONTE:
http://glo.bo/1E0WPht

Nenhum comentário: