terça-feira, 6 de janeiro de 2015

No Brasil desde a Copa, argentino realiza sonho de ser lutador de MMA

Micael Villagra, de 21 anos, chegou no país em junho e hoje treina na Team Nogueira. Com duas lutas de MMA amador, ele está invicto até o momento


Por  
Rio de Janeiro

 

A Copa do Mundo no Brasil fez o país receber uma avalanche de argentinos nos meses de junho e julho. Quase todos vieram com a intenção de realizar o sonho de ver sua seleção conquistar o título na terra do maior rival. Mas pelo menos um deles chegou no Rio de Janeiro com objetivo distinto. Aos 21 anos, Micael Villagra queria apenas conhecer a Team Nogueira e correr em busca do sonho de se tornar lutador de MMA. Faixa-preta de kickboxing, ele pisou em solo brasileiro no dia 1º de junho de 2014 e precisou encarar uma série de dificuldades até conseguir fazer parte da equipe profissional que queria.

A relação com as artes marciais começaram há sete anos, em Córdoba (ARG). Depois de desistir de tentar ser jogador de futebol e cogitar ser jornalista esportivo, Micael foi incentivado por um amigo para treinar kickboxing na Indio Team/Sangre Guerrero. Após 21 lutas na carreira, incluindo uma de muay thai na Tailândia e uma de boxe, percebeu que seria difícil ganhar dinheiro na modalidade e começou a traçar um novo rumo em sua vida de lutador.

Micael Villagra mma (Foto: André Durão)
Micael Villagra deixou a Argentina para 
realizar sonho de lutar MMA no Brasil 
(Foto: André Durão)


A primeira visita ao Brasil já o deixou impressionado. No fim de 2013, ao chegar em Balneário Camboriú (SC), procurou um lugar para ver o segundo duelo entre Anderson Silva e Chris Weidman e se surpreendeu ao ver duas senhoras torcendo fervorosamente pelo brasileiro, que acabou fraturando a perna no segundo round, saindo derrotado.

- Comecei a olhar o jeito que as pessoas ficavam, bravas, invocadas, pareciam argentinos com futebol. Lá eles gostam só de boxe, mas apenas os homens, não as mulheres. Quando ele chutou, imediatamente vi que se machucou e gritei. As mulheres começaram a falar besteira, xingar, ficaram p*** e isso me comoveu muito. O Anderson é meu ídolo - recordou.

Ao voltar para a Argentina e ver a dificuldade de conseguir lutas, o desejo de retornar ao Brasil aflorou. A proximidade da Copa do Mundo aumentou a vontade, mas faltava conseguir dinheiro para se manter no país por algum tempo, caso demorasse a conseguir emprego. Para isso, vendeu seu bem de maior valor financeiro, uma moto, e comprou a passagem de ônibus só de ida. Quando chegou na rodoviária, no dia 1º de junho, depois de 48 horas de viagem, dirigiu-se para Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde ficaria hospedado.

O período de hospedagem no local não foi dos mais longos. Para ser mais exato, durou um único dia. Desde que pôs os pés na Cidade Maravilhosa, seu intuito era conhecer a Team Nogueira e tentar uma chance para lutar sob a mesma bandeira de seu ídolo Anderson Silva. A expansão da academia, que hoje tem dezenas de franquias espalhadas pelo Brasil, o fez encontrar o local errado. Micael Villagra parou no Cachambi, bairro da Zona Norte do Rio, e teve que ir para o Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, onde fica a matriz.

Micael Villagra mma (Foto: André Durão)
Micael Villagra agora é atleta de MMA 
da Team Nogueira (Foto: André Durão)


Não foi fácil chegar. Sem encontrar a rua, ele caminhou pela Praia do Recreio por cerca de quatro horas. Ao avistar a Team Nogueira, acabou chegando tarde demais e nada estava acontecendo na academia naquele momento. Resolveu parar em um restaurante próximo. Ao conversar com o dono, contou sua história e disse que não queria dinheiro, apenas trabalhar em troca de moradia e alimentação, além de poder treinar quando precisasse. Proposta aceita e Micael resolveu usar boa parte do dinheiro que tinha guardado para pagar três meses e fazer todas as aulas comerciais que poderia na Team Nogueira.

- O treino dos profissionais era muito forte, não dava para treinar assim. Paguei para fazer todas as aulas. Funcionais, jiu-jítsu, MMA, tudo. Só que gastei muito dinheiro que tinha guardado porque eram três meses. Um dia me falaram que ia ter que sair do quarto que estava morando porque a sobrinha do dono ia para lá. Falei com o mestre Everaldo (Penco, treinador de jiu-jítsu da Team Nogueira), e ele falou para eu ir fazer um teste. Fui para o submission, aprendendo, mas não sabia onde morar. Minha mãe veio me visitar por uma semana e fiquei com ela na pousada. Depois passei a morar com um garoto do jiu-jítsu que me ofereceu para morar na favela com ele, no Terreirão. Fiquei três, quatro semanas, mas era caro. Meu dinheiro estava acabando, então um amigo que mora em bonsucesso me chamou. Fui morar com ele lá, era muito mais barato, mas era muito longe daqui. Saí treinando, tive luta marcada, tinha que cortar peso com esse caminho longo até a a academia, já estava na equipe e precisava treinar. Lutei, depois lutei a segunda vez com um garoto bom, trocador, e ganhei ambas. A galera gostou. Como já não tinha dinheiro, com a ajuda do Tiago Trator me deixaram morar no apartamento da Team Nogueira - lembrou.

Vim para ver o que dava. Mas quando vi Anderson Silva, Minotauro e outros treinando, creio que foi o destino."
Micael Villagra


Início promissor

As duas lutas citadas por Micael terminaram com vitórias. Ambas foram no MMA amador em eventos realizados pela própria Team Nogueira. Na primeira, em setembro do ano passado, começou sofrendo uma queda. Normal para quem só treinara kickboxing e um pouco de boxe até chegar ao Brasil. Antes disso, nada de wrestling e jiu-jítsu. Mesmo assim, conseguiu se impôr no segundo assalto e nocauteou Matheus Sucena. Menos de dois meses depois, no início de novembro, já entrou novamente no cage. Desta vez conseguiu evitar que fosse derrubado e saiu vitorioso por decisão unânime. Para ele, tudo que tem acontecido em sua vida é obra do destino.

- Vim para ver o que dava. Mas quando vi Anderson Silva, Minotauro e outros treinando, creio que foi o destino. Os primeiros três meses foram muito duros. Tive febre, queria voltar para a Argentina porque estava com saudades. O começo foi muito complicado, estava muito calor. É difícil, mas estou focado. Não curti quase nada do Rio. Se me ponho a procurar mulheres para namorar, deixo de aprender jiu-jítsu, muay thai. Estou focado e treinando. Não tenho outro pensamento. Não se pode sair do caminho. Eu vim para conhecer a Team Nogueira. Até queria ir para a Fan Fest na Copa do Mundo, já que não dava para ir para o estádio porque não tinha tanto dinheiro, mas como vim na Team Nogueira, foi um impacto muito forte ver Minotauro, Minotouro...

 Micael Villagra e Rodrigo Minotauro, UFC (Foto: Raphael Marinho) 
Micael Villagra e Rodrigo Minotauro: fã e 
ídolo agora treinam na mesma equipe 
(Foto: Raphael Marinho)


A força de vontade de Villagra pode ser notada no esforço feito para conseguir bater o peso. Ao bater na porta da academia pela primeira vez, ele pesava cerca de 105kg. Em seu primeiro combate, atuou como peso-médio (até 84kg). No segundo, desceu ainda mais, para a divisão dos meio-médios, e pesou 76,9kg.

Micael Villagra e Emerson Rios (Foto: Arquivo Pessoal)
Micael Villagra, com a camisa do Belgrano e o amigo
Emerson Rios na Fan Fest (Foto: Arquivo Pessoal)


Fã do Mascherano, mas não de Messi

A paixão pelo futebol é algo comum entre brasileiros e argentinos. Com Micael Villagra não é diferente. Ainda mais tendo jogado durante parte da sua vida, antes de resolver migrar para as artes marciais. Torcedor fanático do Belgrano, ele sofreu com as inevitáveis brincadeiras por vir ao Brasil no período da Copa do Mundo. Dois jogos ficaram na sua memória por ter conseguido ir para a Fifa Fan Fest: a vitória do Brasil sobre o Chile nos pênaltis, nas oitavas de final, e, claro, a decisão entre Argentina e Alemanha. Apesar de torcer para seu país, como não poderia deixar de ser, ele não gostava da equipe. "Na Argentina ficavam bravos comigo", diz.

A maior curiosidade, entretanto, não é o fato de não gostar de uma seleção que chegou muito perto de ser campeã mundial. O que chama atenção nas críticas de Micael aos comandados de Alejandro Sabella é que justamente o craque da equipe, Lionel Messi, não faz o seu gosto. Para ele, bom mesmo é o volante Mascherano.

- Gosto dos jogadores que colocam muita vontade na hora de jogar. Gosto do Mascherano porque ele botou muita vontade. Contra a Holanda, na última bola, quando o Robben arranca, ele se estica todo. É disso que eu gosto. Não gosto do Messi porque não o vejo com tanta vontade como vejo no Barcelona. Não vou falar que ele não é o melhor do mundo, só não gosto dele na Argentina - analisou.

Não fui eu que abri as portas para ele, foi ele que arrombou as portas da Team Nogueira e fez por merecer. Quando ele chegou, pensei: "Mais um argentino maluco né?". Depois de Hugo Galantini e Santiago Ponzinibbio, me vem Micael ainda. Falei: "É um para-raios de maluco argentino mesmo". Acho que a gente fez convênio com algum hospício argentino e mandaram todos pra cá (risos)"
Everaldo Penco, treinador da Team Nogueira

Treinador mostra confiança no futuro do argentino

Principal responsável pela entrada de Micael Villagra na equipe profissional da Team Nogueira, o treinador de jiu-jítsu Everaldo Penco brinca ao relembrar o encontro com o argentino, que lhe contou sua história para buscar uma chance no time, e diz que a academia virou um "para-raios de argentino maluco", já que conta também com Santiago Ponzinibbio e Hugo Galantini. Piadas à parte, ele garante que Micael pode fazer sucesso como lutador de MMA.

- Eu estou que nem programa de TV da tarde. Só me contam história triste. Depois que inventaram o "tá ruim", nunca mais ficou bom pra mim. Mas isso você vê no brilho no olho. Aprendi com meus mestres De la Riva e Júlio César que tem que ver o brilho no olho. Você vê quando o cara está para contar a história porque é modismo e quando ele quer mesmo. Em momento algum o Micael ria, dizia que era o que queria para a vida dele, pagava para treinar todos os horários e treinava realmente em todos os horários. Eu que falava para ele descansar. 
E descobri que não tinha nem onde dormir, cada hora dormia em um lugar. Não fui eu que abri as portas para ele, foi ele que arrombou as portas da Team Nogueira e fez por merecer. Quando ele chegou, pensei: "Mais um argentino maluco né?". Depois de Hugo Galantini e Santiago Ponzinibbio, me vem Micael ainda. Falei: "É um para-raios de maluco argentino mesmo". Acho que a gente fez convênio com algum hospício argentino e mandaram todos pra cá (risos). Como qualquer argentino, eles têm uma garra que ultrapassa qualquer limite. Ele não lutou tudo que pode ainda, mas tem um futuro brilhante. Se continuar nessa pegada, vamos escutar muito falar dele ainda - declarou.


Micael Villagra e Everaldo Penco, UFC (Foto: Raphael Marinho)
Micael Villagra e Everaldo Penco, na Team 
Nogueira (Foto: Raphael Marinho)


Everaldo deixa claro que Villagra chegou totalmente cru para treinar jiu-jítsu, mas cita o exemplo de Vitor Miranda, peso-médio do UFC que faz parte da Team Nogueira, e projeta que ele pode ser faixa-preta antes dos 28 anos. O projeto é que ele siga lutando MMA amador e, no fim do ano, faça sua estreia no profissional. O treinador acredita que em dois ou três anos ele possa estar pronto para eventos internacionais.

- Como qualquer cara do striker, ele teve uma dificuldade maior de começar a treinar chão. Sempre falo para ele se inspirar no Vitor Miranda. Está no UFC, fez final do TUF com o Cara de Sapato, todos falavam que, se fosse para o chão, ele ia pegar. Eu apostava que não pegava. Se apertassem minha mão, eu ia ganhar dinheiro. Não existe tarde para o MMA. Ele se dedica muito, e o jiu-jítsu não vai falhar com ele. Eu cuidando um pouco dele, pretendo que ele faça mais umas quatro lutas como amador para pegar o ritmo e vou soltando aos poucos em campeonatos de jiu-jítsu, boxe, muay thai, porque quero ver a agressividade dele. Ele é calmo até demais. Dentro do jiu-jítsu, se continuar mirando, antes dos 28 é um faixa-preta, porque treina muito e com muita vontade. Para eventos internacionais também não vejo como algo distante. Não podemos falar nada para menos de dois ou três anos, já que estamos falando de um atleta amador, que só tinha treinado muay thai, mas mesmo assim não era um top do muay thai. Só que é a vontade, é a guerra do quero mais. Do jeito que ele luta amador toda hora, acho que em outubro, novembro, ele deve estrear no profissional - concluiu.


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