domingo, 26 de janeiro de 2014

Alerta máximo em Sochi 2014: Rússia tenta controlar as tensões políticas

olimpíadas de inverno

Ameaça de terrorismo, lei antigay, protestos e corrupção ganham destaque às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno. Competição começa dia 6 de fevereiro

Por Amanda KestelmanSochi, Rússia

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Americanos só usam uniformes nas instalações

O ano de 2014 representa um marco para o povo russo. É o momento em que o país volta a receber uma edição de Jogos Olímpicos e tem a oportunidade de retomar sua posição geopolítica. Porém, a poucos dias receber atletas, dirigentes e políticos de 85 países, a Rússia vive um período mais tenso do que festivo. Em uma região marcada por conflitos há séculos, o clima de apreensão está no ar após os recentes ataques terroristas. No meio da confusão, os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Entre inúmeras questões políticas e históricas, o certo é que a segurança na cidade de Sochi está no centro das atenções da organização e em alerta máximo para o evento esportivo que começa no próximo dia 6 de fevereiro e vai até o dia 23. Um efetivo de 40 mil homens já está trabalhando na região.

- A grande questão será se os terroristas conseguirão realizar atentados dentro da própria Sochi durante os Jogos. Esta será uma tarefa difícil, pois o aparato de segurança lá é extremamente rigoroso. Acredito que se os terroristas não conseguirem realizar atentados em Sochi, poderão tentar realizar em outras cidades russas próximas ao Cáucaso, menos ''guardadas'' (como Volgogrado, por exemplo). Ou até mesmo mesmo tentar realizar um grande atentado em Moscou (capital russa) - opinou o historiador da Universidade de São Paulo (USP) Angelo Segrillo, autor do livro ''Os Russos''.

Reforço de segurança já está nas ruas de Sochi,

sede dos Jogos Olímpicos de Inverno

(Foto: Reuters)

O passado olímpico russo pode ser representado pelo contraste entre a força dos atletas da antiga União Soviética (URSS) e as questões políticas e controversas no país. Em 1980, as tensões entraram no esporte quando os Estados Unidos boicotaram as Olimpíadas de Moscou em protesto à invasão soviética no Afeganistão. A resposta russa foi o boicote dos Jogos de Los Angeles, em 1984, por parte dos países do bloco do Leste Europeu.

As Olimpíadas de Inverno de Sochi poderiam representar uma nova era na região. Mas questões de cunho político e tensões em diferentes esferas têm deixado no cenário uma sensação permanente de insegurança. Veja as principais questões:

Terrorismo

Nos dias 29 e 30 de dezembro de 2013, a cidade de Volgogrado, a 400 quilômetros de Sochi, sofreu com dois atentados terroristas. O primeiro foi um ataque a uma estação de trem lotada de passageiros em trânsito, devido às festas de fim de ano, que deixou 18 vítimas fatais. No dia seguinte, a explosão de outro artefato dentro de um ônibus elétrico matou outras 15 pessoas e deixou o dobro em número de feridos. Já na segunda semana de janeiro, um duplo atentado ocorreu na frente de um restaurante. Com o uso de um lança-granadas e de um carro-bomba, o incidente deixou feridos em Makhatchkala, capital do Daguestão.

De acordo com a imprensa internacional, o grupo denominado "Vilayat Daguestão" teria assumido a responsabilidade pelo ocorrido. A menos de três semanas da cerimônia de abertura, um vídeo publicado pelos militantes do Cáucaso do Norte da Rússia mostrou dois terroristas fazendo sérias ameaças aos Jogos. Na publicação, eles prometem "um presente" aos russos e também aos turistas que estiverem no país durante o evento.

Mapa mostra a localização das cidades russas sob alerta (Foto: Editoria de arte)

Mas os problemas na região não são recentes. Sochi é uma cidade localizada às margens do Mar Negro e aos pés da cordilheira do Cáucaso, região historicamente marcada por conflitos separatistas e guerras civis. O local registra uma série de ambições territoriais e muita complexidade étnica.

Após o colapso da União Soviética, em 1991, Geórgia, Azerbaijão e Armênia foram algumas das repúblicas que se tornaram independentes. O caso da Chechênia é bem distinto, já que se trata de uma região constituinte da Rússia. No entanto, um grupo de líderes locais separatistas declarou-se como governo legítimo, anunciando um novo parlamento e declarando independência. Mas até hoje essa independência não foi reconhecida oficialmente. Desta forma, a região do Cáucaso se tornou palco de disputas e do surgimento de inspirações fundamentalistas, gerando violência e instabilidade na área.

- O governo russo tem mais controle atualmente, pois conseguiu que Ramzan Kadyrov governe a Chechênia com mão forte em nome de Moscou. Reprimidos na própria Chechênia, os guerrilheiros antigovernamentais atuam a partir de outras regiões do país. Daí a possibilidade de ocorrerem atentados durante os Jogos de Sochi, apesar do forte aparato de segurança russo - analisou Segrillo.

Derrotados em conflitos militares, os rebeldes atuam de forma clandestina. Os atentados terroristas têm levado o governo de Moscou a endurecer sua posição. Casos emblemáticos foram cruciais para isso, como a tomada de reféns na escola de Beslan, em 2004, e em um teatro de Moscou, em 2002.

- A possibilidade de um ataque está sempre presente. Os chechenos, um povo guerreiro e difícil de derrotar também por viver em terreno montanhoso, sempre foram muito rebeldes - explicou o especialista.

Atentado em um ônibus em Volgogrado, no fim

de 2013 (Foto: AP)

lei antigay

Principal assunto do ano que antecedeu as Olimpíadas de Sochi, a lei antigay russa, que proíbe propaganda homossexuais no país, foi minimizada pelo governo local. No entanto, ainda é motivo de preocupação do Comitê Olímpico Internacional (COI). A norma assinada pelo presidente russo em junho de 2013 diz que até estrangeiros podem ser multados e presos. Depois de uma onda de protestos e ameaça de boicote, as autoridades do país asseguraram que a lei local não vai interferir na vida privada de atletas e visitantes durante os Jogos de Inverno.

O capítulo de maior impacto sobre o caso envolveu a recordista mundial do salto com vara, Yelena Isinbayeva, que se posicionou a favor do governo durante o Mundial de Atletismo de Moscou, em agosto de 2013.

Protesto na Rússia contra a lei antigay (Foto: AP)

- Se permitirmos promover e fazer esse tipo de coisas, tememos muito por nossa nação porque nos consideramos normais, com um padrão. Nós apenas vivemos com homens ao lado de mulheres, e mulheres ao lado de homens. Tudo deve estar bem. Isso vem da história. Nós nunca tivemos problemas assim na Rússia. E não queremos ter problemas assim no futuro – afirmou a atleta, na época.

A lei gerou repercussão também no cenário político internacional. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, decidiu indicar duas atletas homossexuais para representar o país nas cerimônias de abertura e encerramento em Sochi.

Corrupção

Há pouco mais de cinco anos, o presidente russo Vladimir Putin estimou que seria necessário um investimento de cerca de R$ 24 bilhões para a realização dos Jogos Olímpicos de Sochi. No entanto, este valor deu um salto significativo. As próximas Olimpíadas de Inverno custarão mais de R$ 100 bilhões, ultrapassando os Jogos de Pequim 2008, na China, que chegaram a R$ 88 bilhões. Londres 2012 gastou R$ 60 bilhões para a realização dos Jogos de Verão, na Inglaterra.

vladimir putin coletiva russia (Foto: Reuters)

Os gastos excessivos deram margem para outra polêmica comum no cenário político da Rússia: a corrupção. A opinião pública acredita que parte dos gastos pode ter sido desviada em contratos de construção. Apesar do orçamento estourado, o governo russo aponta Sochi 2014 como as Olimpíadas mais ''compactas'' de todos os tempos, com áreas de competições separadas entre montanha e costa a 30 minutos do Mar Negro.

- A corrupção é um problema histórico russo, desde os tempos czaristas. Parece muito com o caso brasileiro, onde a corrupção pipoca nos mais diversos níveis. A prática do superfaturamento, comum no Brasil, ocorre também na Rússia e provavelmente ocorreu também para os Jogos de Sochi. Como no Brasil, é um problema muito difícil de resolver - prosseguiu Segrillo.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, tenta colocar panos quentes no assunto. Às vésperas dos jogos, ele afirma que o custo elevado não é sinônimo de supervalorização de preços ou qualquer irregularidade financeira.

- Se alguém tiver informação concreta de evidências de corrupção em relação aos Jogos de Sochi, pedimos que nos forneça. Nós entendemos que há certas forças que são contra tudo, até as Olimpíadas (de Inverno). Não sei por quê - é isso que fazem. Não houve grandes casos de corrupção com os Jogos de Sochi. Houve tentativas de executivos e de empreiteiras de elevar os preços, mas isso acontece em qualquer país do mundo - disse o presidente russo.

Tensões com a geórgia

Sochi está perto da fronteira com a Geórgia, região marcada por tensões com a Rússia. Atualmente, o governo georgiano questiona a presença política e econômica do vizinho m, além da atuação militar na área da Ossétia do Sul.

Outra região de tensão na Rússia: Sochi, Geórgia e Chechênia (Foto: infoesporte)

Dentro do território da Geórgia, a Ossétia alcançou sua autonomia apoiada pela Rússia, no início dos anos 90. Os georgianos, no entanto, ainda tentam reintegrar a região. O Parque Olímpico de Sochi está perto da região da Abkhazia, outra área de conflito.

- A Rússia, em princípio, não tinha tanto interesse direto na Abkhazia, mas quando a Geórgia atacou a Ossétia do Sul, que se declarara independente como a Abkhazia (em um episódio em que morreram russos), os russos decidiram reconhecer a independência da Abkhazia também. Ou seja, aumentaram os focos de tensão sobre estes "pontos quentes". Mas acredito que tanto o governo russo quanto o governo georgiano, em termos oficiais, não terão interesse em esquentar mais ainda a situação durante o período específico dos Jogos de Sochi - disse Segrillo.

Em 2013, mais de 10 mil georgianos já assinaram uma petição através da internet pedindo o cancelamento do envio de atletas do país a Sochi 2014. No entanto, o governo local não levou a iniciativa adiante.

A tensão entre os vizinhos ainda aumentou desde que repúblicas separatistas da Geórgia foram tratadas como independentes nos formulários de inscrição para as Olimpíadas de Sochi.

Putin com voluntários dos Jogos de

Inverno Sochi (Foto: Reuters)

genocídio circassiano

Perto dos 150 anos do trágico genocídio circassiano, os descendentes dos sobreviventes do massacre tentam usar as atenções dos Jogos de Inverno para mostrar que Sochi é uma cidade que carrega um passado de dor. A cidade foi onde aconteceu um dos mais violentos e sangrentos confrontos da região, quando a Rússia se voltou contra o povo circassiano, que vivia no local.

Apesar de uma resistência inicial dos circassianos, historiadores acreditam que 400 mil pessoas morreram, mas há quem diga que o número pode ser ainda maior. Além disso, 500 mil foram deportados para fora do território russo, sendo exilados. Os representantes de descendentes criticam o fato de a memória dos que perderam a vida ter sido ignorada durante a organização do evento na cidade de Sochi e já iniciaram protestos ao redor do mundo.

edward snowden

Ex-analista de inteligência da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), Edward Snowden foi motivo de mais polêmica. Após revelar ao mundo a existência de um programa de vigilância em massa pela CIA, o americano recebeu asilo temporário do governo russo. A atitude gerou desconforto político entre Rússia e EUA. Alguns membros do congresso americano chegaram a pedir ao presidente Obama que boicotasse os Jogos de Sochi.

Edward Snowden também gerou polêmica entre

Rússia e Estados Unidos (Foto: AP)

As primeiras competições dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi serão no dia 6 de fevereiro, com disputas de patinação, snowboard e esqui estilo livre. A abertura oficial, no entanto, será no dia 7 de fevereiro, no Estádio Olímpico Fisht. O SporTV.com acompanha tudo em Tempo Real até o encerramento, no dia 23. A TV Globo e o SporTV transmitem algumas provas ao vivo.