Na hora e no lugar errados, lateral campeão da Conmebol morre aos 22 anos, vítima inocente de execução. Colegas da época dizem: era talentoso
O jogador foi vítima de uma pólvora que não lhe pertencia (veja no vídeo acima). Junto com ele, morreu seu primo Wander, o verdadeiro alvo dos bandidos. Executado no banco dianteiro de seu automóvel, o atleta deixou noiva, pais e dois irmãos. E uma carreira promissora.
Clei nos tempos de Botafogo: foram três anos como
profissional (Foto: Arquivo Pessoal)
profissional (Foto: Arquivo Pessoal)
A carreira de Clei não estava em seu melhor momento na época em que ele foi assassinado. O lateral havia sido emprestado duas vezes pelo Botafogo. Era reserva. Mas a desesperança foi interrompida em 5 de dezembro de 1996 por uma notícia que poderia mudar sua história no clube alvinegro. Ele estava radiante naquele dia. Menos de 24 horas depois, porém, sua vida estaria encerrada, em um caso que o GLOBOESPORTE.COM reconstitui abaixo.
O melhor dia também foi o último
Clei sonhava com dias melhores no Botafogo quandofoi assassinado (Foto: Arquivo Pessoal)
Era um presente do destino. Joel, justamente Joel, justamente o primo de seu Irineu, pai de Clei, seria o novo treinador alvinegro. Estava na cara: era a chance de uma valorização maior, de uma renovação de contrato. O jogador olhou para dona Wilma e disse para ela: "Mãe, acabaram os problemas. Daqui para a frente, tudo vai melhorar."
- Era o dia em que ele estava mais contente - recorda a senhora de 66 anos, de fala mansa, simpática, mas que carrega no olhar aquela tristeza que parece exclusiva a quem já perdeu um filho.
Clei, eufórico, passou o dia na praia. Mais tarde, foi à casa da noiva, Soraia. Ficou a seu lado até cerca de 3h, quando despediu-se dela. Para sempre.
Era o dia em que ele estava mais contente"
Wilma, mãe de Clei, sobre a morte do filho em 96
Clei parou ali. Comeu um misto quente e tomou refrigerante. Foi aí que Wander, seu primo, pediu carona para casa.
Eles moravam praticamente juntos, em um espaço dividido dentro de um mesmo terreno: Wander à direita de quem olha da rua, Clei, seus pais e seus irmãos à esquerda. O primo fazia segurança em bailes funk. Por vezes, era violento. Tinha inimigos.
Wander não ia para casa de carro. Deixava seu veículo estacionado perto do bar. Foi por isso que pediu carona para Clei. Vitor, outro primo, se ofereceu para levá-lo. Clei disse que não precisava, que ele mesmo esperaria. E foi para seu automóvel, modelo Monza, cor vinho, placa LKB 8619.
Lá de dentro, viu Wander ser alvejado por dois homens. E foi, ele próprio, baleado.
O automóvel do lateral estava com problemas no arranque. O grito de "Volta, Clei!", o último da vida de Wander, não surtiu efeito. Foram três tiros na direção do jogador, um deles certeiro, na cabeça. O relógio, por causa de um gesto automático de proteção, foi quebrado por uma bala.
O atleta ainda foi socorrido. Em vão.
Clei foi assassinado porque estava no lugar errado e na hora errada - e com a companhia errada.
Foi quem melhor viu os executores de seu primo e, por isso, acabou executado também. Um dia que começara tão bem, com esperança de um futuro melhor no Botafogo, terminava em tragédia.
Passados 17 anos do crime, a reportagem do GLOBOESPORTE.COM foi à travessa Dona Maria. O assunto ainda é de conhecimento de todos por ali. É curioso que, mesmo tanto tempo depois, as pessoas ainda se sintam receosas de esmiuçar a história. Dizem que um dos assassinos foi executado pouco tempo depois, como vingança inclusive pela morte de Clei. Garantem, todos, que o jogador foi uma vítima absolutamente inocente. O mesmo atestam os jogadores campeões da Conmebol de 93 com ele.
O atleta
Clei (D) nos tempos de futebol de salão no Vasco
(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)
A ascensão foi rápida. E foi facilitada pela enorme dificuldade financeira do Botafogo. Em crise, o clube teve que recorrer aos jovens formados na base e a atletas baratos para formar a equipe que disputaria a Conmebol - fruto da vaga conquistada pelo vice no Brasileirão de 1992.
A estreia de Clei foi ainda em 92. Com 18 anos, ele participou da derrota de 1 a 0 para o Madureira, pelo Campeonato Carioca, em 24 de setembro. Mas foi na temporada seguinte que se firmou mais no time. E especialmente com Carlos Alberto Torres, um especialista da função, como treinador.
O Botafogo apostou no capitão do tricampeonato mundial para comandar o time na Conmebol.
Carlos Alberto logo viu potencial no jovem Clei.
- Ele era uma grande promessa da posição de lateral. Era bastante técnico, com disposição para o ataque. Dava passes, servia de desafogo para o time. E foi muito importante a presença dele na Conmebol. O Clei teve muita regularidade. Era um cara muito disciplinado. Era realmente um jogador com um grande futuro - comentou o comandante do título de 20 anos atrás.
Pelo Botafogo, Clei disputou 45 partidas e marcou um gol (Foto: Arquivo Pessoal)
Os colegas daqueles tempos lembram de Clei como jogador mais propenso ao ataque, de bom cruzamento e bastante técnico. São unânimes em dizer que havia um futuro de sucesso para o garoto.
- Ele era muito técnico. Muito mesmo. E muito ofensivo. Hoje, não tem um jogador como era o Clei. Ele vinha do futebol de salão. A bola ficava presa no pé dele - recorda o também lateral Eliomar, que entrou na final justamente no lugar de Clei.
Clei (E) com a taça da Conmebol de 1993
(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)
- Acho que o Clei já era um jogador acima do tempo dele. Hoje, se exige um lateral que vá ao fundo, que cruze, que marque nos 90 minutos. Ele já tinha todas essas características. Hoje, seria jogador de seleção brasileira. Tinha muita força e muita técnica.
Com os companheiros, Clei era um sujeito tímido, amistoso. Falava pouco. Era atleta de Cristo.
- Era um menino quieto, caladão. Ele falava que aquele bigodinho que ele usava era para impor respeito. E a gente brincava que era para ele raspar o bigode. A gente falava assim: "Como impor respeito, se não fala?". Ele era tranquilaço. Era um menino maravilhoso - lembra o ex-meia China, outro campeão da Conmebol.
Clei (primeiro à direita) com os colegas de Botafogo
no ônibus (Foto: Arquivo Pessoal)
no ônibus (Foto: Arquivo Pessoal)
- Ele dizia que ia pedir duas casas ao Botafogo na renovação, uma para ele e outra para mim.
Mas não teve tempo. Foi tudo muito triste. É muito duro conviver com essa dor - afirmou dona Wilma.
A mãe de Clei diz que o Botafogo deu um pequeno auxílio financeiro à família na época de Clei, mas depois cortou laços. Ela segue morando na casa onde viveu com o filho até o dia de sua morte. Nas paredes, há imagens do jogador. Na quinta-feira, quando a reportagem esteve lá, Wilma estava preocupada com Irineu, o pai de Clei, em recuperação por causa de um enfarte.
- Ele adora conversar sobre o Clei. Era o orgulho da vida dele - contou ela, com uma foto sua e do filho nas mãos.
Dona Wilma segura imagem do filho: dor persiste após quase 20 anos (Foto: Alexandre Alliatti)
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/botafogo/noticia/2013/09/campeao-assassinado-tragedia-de-clei-vencedor-em-93-com-o-botafogo.html
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