Ex-jogadora recorda grandes momentos da carreira, fala do trabalho como gestora e diz que equipe brasileira chegará às Olimpíadas 'de peito aberto'
Paula recebe a medalha de Fidel Castro no Pan de 1991 (Foto: Sérgio Berezovsky / Agência Estado)
As "mãos que regiam o jogo como se o basquete fosse um balé" foram eternizadas em crônica de Armando Nogueira. A "graça de enfeitiçar uma bola" já havia rendido a Paula um lugar no hall da fama do basquete feminino, nos Estados Unidos, em 2006. Agora, o "dom com que fintava a própria gravidade" lhe coloca ao lado dos brasileiros Oscar, Hortência, Amauri Passos, Ubiratan, e do técnico Togo Renan Soares, o Kanela, no panteão de 31 jogadores da Fiba.
- É um reconhecimento muito bacana. É um prêmio que estou recebendo depois de 14 anos fora de quadra. Já tinha a Hortência lá. O basquete é um esporte coletivo, por isso me sinto representando toda uma geração - disse Paula, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM.
Não vou discutir o governo (de Fidel Castro), mas o carisma dele é indiscutível."
Paula
Sobre a atual situação do esporte que a consagrou, Paula mostra preocupação com a seleção feminina. Com duras palavras, ela critica o trabalho que vem sendo feito para as Olimpíadas, daqui a três anos, no Rio de Janeiro.
- A seleção feminina sofre pelo descaso e pela falta de planejamento. Não se pensa a longo prazo. Tem Olimpíadas agora, e vamos de peito aberto. Mas não é assim.
Paula, terceira da esquerda para a direita, já em Genebra para receber homenagem (Foto: Divulgação CBB)
GLOBOESPORTE.COM: Quando você percebeu que o basquete seria o seu meio de vida?
PAULA: Quando deixou de ser uma brincadeira e se tornou profissional. Saí de casa aos 12 anos, mas ainda brincava de basquete. O primeiro momento em que eu falei "opa, o negócio é sério" foi aos 18 anos, quando deixei Jundiaí para jogar em Piracicaba. Foi neste momento que o basquete feminino começou a contratar jogadoras profissionalmente. Na época, eu recebi um carro como pagamento de luvas.
Paula, em Atlanta 1996: 150 jogos e 2.537 pontos em 22 anos de seleção (Foto: Getty Images)
Surgiu um convite para jogar fora. Na cidade onde nasci não tinha como me desenvolver. Na minha cabecinha eu não entendia bem por que tinha que sair de casa para “brincar”. Para mim o esporte era só uma brincadeira. Foi intuição da minha mãe. Nem na cabeça dos meus pais passou que o basquete seria a minha vida. De noite, quando batia a saudade, eu chorava. Falava em voltar, mas minha a mãe não deixava. Mas aí começaram as viagens, e aos 14 anos eu já treinava com a seleção brasileira. Teve uma renovação total no basquete feminino, e eu entrei. A Hortência também entrou, ela tinha 17 anos. Fui me adaptando.
Quais foram os momentos mágicos da sua carreira?
A Olimpíada tem todo um glamour. Mas o Mundial é mais difícil. São 16 times lutando por um título. Exige muito mais. A Olimpíada também exige, mas é um torneio mais curto. Mas o mais marcante foi o Pan. Todo mundo lembra do Fidel. A gente brinca que vai ficar velhinha e vai ficar contando isso todo ano de Pan. O título acabou ficando em segundo plano. A gente vinha de um bronze e de uma prata nos Pans anteriores, sempre dava Estados Unidos. Friamente você percebe que foi um gesto muito carinhoso dele. Era uma loucura na torcida quando ele chegava no ginásio. Não vou discutir o governo, mas o carisma dele é indiscutível.
Na minha cabecinha eu não entendia bem porque tinha que sair de casa para “brincar”."
Paula
A gente sempre deseja o ouro. Demorou quase 20 anos para voltarmos às Olimpíadas (o basquete feminino do Brasil ficou fora de 76 a 92). Ficamos em sétimo lugar em 92 e na seguinte fomos prata. Acho que foi merecida para nossa geração. Já foi o máximo.
A Magic Paula conheceu o Magic Johnson?
Sim. Foi num jogo em São Paulo, do time do Oscar contra um time do Magic Johnson (no ginásio do Ibirapuera, em 1997). Encontrei com ele no intervalo. Já haviam contado a minha história para ele, que foi bem simpático. Mas foi muito rápido. Para mim foi uma honra ser associada a esta marca. Me inspirei nele. As pessoas achavam que eu tinha me autointitulado Magic Paula. Mas foi o jornalista Juarez Araújo que criou o apelido. Nas Olimpíadas de 92, não tinha como encontrá-lo, o esquema de segurança era muito grande. Mas conseguimos ver um jogo dos Estados Unidos no ginásio.´
Quando você encerrou a carreira nas quadras já pensava em ser gestora?
Foi intuição. Estava me preparando para parar depois de 28 anos jogando, fazendo terapia. A vida sem casa e sem vida pessoal era muito desgastante. Mas aí, com 38 anos, voltei a estudar. Nunca quis ser treinadora. Ia continuar a ter a mesma vida de atleta. Sempre fui muito crítica com dirigentes esportivos. Tinha aquele papo de amador, que ficava 30 anos no poder porque gostava do esporte. Comecei a fazer cursos de administração. Assumi o Centro Olímpico de São Paulo e fiquei nove anos lá, me reciclando e fazendo outros cursos. Não dá pra dizer que, só porque me destaquei como atleta, que eu seria boa treinadora ou gestora.
Em 1984, Paula encara a defesa americana (Foto: Agência Getty Images)
O trabalho no Centro Olímpico era difícil. Eram mil atletas treinando, e apesar da reforma faltava recurso. Não havia uma valorização no meu trabalho. Já vinha trabalhando com um projeto social com basquete. Pedi ajuda para o Washington Olivetto pensar em um nome. No dia seguinte, ele me ligou e falou: “Instituto Passe de Mágica”. Começou em Piracicaba há nove anos, e hoje são 780 crianças em sete núcleos utilizando o basquete de forma lúdica. Quando surge um talento encaminhamos para os clubes, centros olímpicos ou para o projeto da Janeth. Em 2010 começamos a elaborar o projeto de esporte de alto rendimento, visando a 2016, com modalidades que não têm uma cultura e patrocínio no país, mas que têm em disputa um número grande de medalhas.
No início do investimento do IPM no esporte de alto rendimento surgiram comentários de que você estaria de olho na presidência do Comitê Olímpico Brasileiro.
Diziam que era um projeto político. Não tenho a mínima intenção de me candidatar ao COB. No começo houve uma resistência muito forte. Não investimos o dinheiro direto nas confederações, mas direto nos atletas. Temos um administrador dentro das confederações para fazer essa ligação. Isso foi uma condição da Petrobras, que quis reformular o apoio. Queremos ampliar as ações. Temos feito muita consultoria para empresas que querem saber como fazer para montar projetos. Vamos ter que aumentar a equipe. Atualmente são nove pessoas trabalhando na área de alto rendimento, e 21 na área social.
Você não quis se envolver com o basquete profissional?Quando começou a gestão do Carlinhos (Carlos Nunes, presidente da CBB), o Brunoro (José Carlos, atual diretor-executivo do Palmeiras) estava à frente, e eles conversaram comigo. Me chamaram, mas não quis porque eu não tinha participado da construção do projeto. E já estava envolvida com a Petrobras. Mas já sentei com pessoas que me pediram palpite, como a equipe do Grego (Gerasime Bozikis, ex-presidente da CBB). Disse que tinha restrição ao trabalho que ele fez, mas escutei o que eles queriam. Mas também não teria tempo para assumir nada.
Qual o problema do basquete feminino brasileiro?Estamos renovando tarde. A gente fica com uma geração até não dar mais. Esse é um problema crônico. Agora, é ter paciência. Para ter um trabalho bem feito tem que pensar em, no mínimo, oito anos. A hora é de jogar bastante fora do país. Vai perder muito. A seleção feminina sofre pelo descaso e pela falta de planejamento. Não se pensa a longo prazo. Tem as Olimpíadas agora, e vamos de peito aberto. Mas não é assim. Temos exemplos de que não deve ser assim, como no voleibol. Deve haver uma geração anterior para substituir a outra. Sofre também porque não tem muito material humano. Então tem que trabalhar muito mais.
A gestora esportiva Paula: trabalho de alto rendimento e social no Instituto Passe de Mágica (Foto:Divulgação)
Houve muita comparação lá atrás quando a gente jogava. E hoje tembém. Diziam, "ah, se a Paula estivesse lá.". É muito equivocado. Ela tentou fazer o melhor. Quando você assume um trabalho como esse, tem que dialogar com a comunidade. Quando o trabalho não dá certo, não dá certo para você. Talvez o erro maior foi esse, não ter algo constituído junto com o basquete.
Como você avalia a preparação do Brasil para os Jogos Olímpicos de 2016?Cada um está fazendo um pouco, do seu jeito. Não sei se isso é o ideal. Estamos correndo contra o tempo. Não ganhamos o direito de sediar os Jogos ontem. Acho que faltou ação, um modelo para seguir. Tem o projeto da Petrobras fazendo um pouquinho, outro fazendo (mais um pouquinho)...
Acredita que em 2016 o Brasil vai chegar entre os dez primeiros no quadro de medalhas, como o COB planeja?Tem que ter metas. Se vai chegar ou não, é outra coisa.
A convivência com dirigentes durante a carreira serviu para o seu trabalho como gestora?Tudo na vida é aprendizado. A experiência que tive dentro da política mostrou que eu não sirvo para aquilo. Não consigo fazer política, ficar agradando a um ou outro. Fiquei seis meses na Secretaria de Alto Rendimento e não aguentei. No Centro Olímpico conseguimos desenvolver um trabalho legal. O aprendizado é diário. Mas falta orientação. Tem atleta que, quando tem patrocínio, vai dar entrevista e não cita o patrocinador. Existe uma falta de conhecimento do mundo que cerca o atleta.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/basquete/noticia/2013/06/paula-entra-no-hall-da-fama-e-afirma-selecao-feminina-sofre-pelo-descaso.html
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