Apesar de proibidos, jogos podem ser feitos em dezenas de sites estrangeiros que operam em português; especialista vê país mais frágil a fraudes do que há dez anos
O diretor de relacionamento do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo (Sapesp), Mauro Costa, percorre as sedes de clubes pequenos do estado munido apenas de um projetor e um DVD. São as armas que dispõe para combater o que ele considera a principal ameaça ao futebol brasileiro, a manipulação de resultados.
Sentados no chão do vestiário, os jogadores ouvem com atenção as palavras do dirigente sindical enquanto ele relata casos antigos com detalhes que enfatizam punições severas e ameaças graves aos que entraram no jogo das quadrilhas de apostadores, risco que fez a Interpol se unir em 2014 à Fifa e à FifPro, a organização mundial de atletas, para uma campanha.
A plateia de Costa é formada principalmente por jovens humildes,
que recebem pouco, frequentemente com atrasos. Fora da elite do futebol nacional,
são apontados como os mais vulneráveis aos fraudadores, que encontram na
internet um terreno fértil e pouco vigiado para lucrar com seus acertos.
–
Tem muito clube em dificuldade financeira, com salários
atrasados. E o jogador fica pensando na família, no filho. Precisamos
orientá-los para que não caiam nas mãos desses manipuladores – afirma o
sindicalista em visita ao Nacional, tradicional equipe de São Paulo.
Mauro Costa fala sobre manipulação de resultados
a atletas do Nacional, em São Paulo
(Foto: Leonardo Lourenço)
MERCADO DE € 500 BILHÕES
Consideradas jogo de azar, as
apostas esportivas são enquadradas na Lei de Contravenções Penais, de
1941, que sofreu uma atualização recente com a promulgação da Lei do
Profut, para refinanciamento da dívida dos clubes. Até então estipulada
em réis, moeda que deixou de circular em 1942, a punição ganhou nova
redação em agosto. Agora, o parágrafo segundo do artigo 50 estabelece
multa de até R$ 200 mil a quem é "encontrado a participar do jogo, ainda
que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como
ponteiro ou apostador".
Apesar de proibidas no
Brasil, as apostas on-line encontram quase nenhuma resistência por aqui.
Dezenas de sites hospedados em outros países operam normalmente com
versões em português e aceitam formas de pagamento simples, como boletos
e transferências bancárias.
As apostas não se restringem aos duelos dos principais
torneios. É possível palpitar em confrontos de divisões inferiores e até em partidas
de categorias de base, o que facilita a aproximação das quadrilhas aos atletas
que disputam campeonatos de pouco visibilidade.
Entre 2011 e 2014, foram reportados 67 casos de manipulação
de resultados, a maior parte deles na Europa (37) e na Ásia (17). As Américas ainda
representam parcela pequena nesse mapa da corrupção no esporte – no mesmo período, cinco
episódios foram registrados.
Mas há preocupação com o avanço desses apostadores, que
fogem da repressão policial nos centros maiores e encontram na América Latina
fiscalização mais frouxa.
– Temos alerta da polícia internacional de que já existe
esse problema na Europa e que ele pode se estender para a América do Sul – diz o
coronel Marcos Marinho, presidente da Comissão de Arbitragem da Federação
Paulista de Futebol.
– O movimento de apostas esportivas cresceu muito nos
últimos 20 anos, e com a internet ele se internacionalizou. É um problema que
transcende as fronteiras – afirma o professor da Fundação Getúlio
Vargas Pedro Trengrouse, consultor da ONU para a Copa do Mundo no Brasil em
2014.
O especialista defende a regulamentação e o
monitoramento
das apostas no Brasil – os próprios sites poderiam cooperar caso
percebessem padrões foram do comum, como altas quantias em equipes
consideradas zebras ou uma sequência apostas em partidas apitadas pelo
mesmo árbitro. Trengrouse crê que a vigilância intimidará as quadrilhas e
protegerá o esporte. Seria, na prática, a legalização de uma prática que
já é
comum no país.
– As apostas feitas por brasileiros já são significativas.
Em 2009 fizemos um estudo na Fundação Getúlio Vargas que apontava para um
volume de US$ 600 milhões de dólares por ano.
Para o professor, a medida não só serviria de escudo ao futebol
como também representaria um instrumento de arrecadação – há discussão do
assunto no Congresso, que calcula ser possível gerar até R$ 20 bilhões em
impostos.
– Não temos ferramentas para monitorar o padrão das apostas
e defender o esporte da manipulação. Não temos tributação em cima disso.
Simplesmente ignoramos o fato de que é algo que já acontece no Brasil há muito
tempo – completa Trengrouse.
DEZ ANOS DEPOIS
Há dez anos, apostadores protagonizaram o maior escândalo do
futebol brasileiro. Com a ajuda dos árbitros Edilson Pereira de Carvalho e
Paulo José Danelon, fraudaram partidas dos campeonatos Paulista e
Brasileiro. Os jogos do nacional foram anulados e a ação interferiu na
classificação do torneio, vencido pelo Corinthians.
– O mundo das apostas é considerado extremamente preocupante
– afirma o promotor José Reinaldo Carneiro, do Ministério Público de São Paulo,
que comandou as investigações da chamada "Máfia do Apito", em 2005, ao lado da Polícia Federal.
O processo criminal, porém, foi trancado em 2007 antes de uma sentença.
A suspensão se deu por uma decisão da 7ª Vara Criminal de São Paulo, que concedeu habeas corpus a Fayad. Os desembargadores entenderam que os acusados não podiam ser processados por estelionato – tese defendida pelo Ministério Público, já que em 2005 a manipulação de resultados não era um delito no Brasil.
Edilson Pereira de Carvalho nunca foi condenado
por fraudar resultados (Foto: Clayton de
Souza / Agência Estado)
Até hoje, não houve nenhuma condenação. Carneiro agora aguarda o
julgamento de um recurso especial, parado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde
2013. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Corte afirmou que não há previsão para que isso aconteça.
Foram
necessários cinco anos desde a revelação da Máfia do Apito para que a
legislação fosse alterada. Apenas em 2010 o Estatuto do Torcedor foi
modificado para finalmente criminalizar a manipulação esportiva.
–
Hoje nós temos um delito próprio e quem o comete está
sujeito a uma pena de até seis anos de detenção – explica o promotor,
que atuou para a alteração na legislação, que instituiu também punições
para a prática de cambismo.
– Não basta colocar o crime na lei, é preciso ter instrumentos para verificar se ele está ocorrendo. O futebol brasileiro
está muito mais exposto hoje do que estava em 2005. Por uma razão simples: o
movimento de dinheiro nas apostas esportivas aumentou muito.
Carneiro
acredita que o caso da Máfia do Apito, ainda que ninguém tenha sido
condenado, não deve ser lembrado como um episódio de impunidade.
– Seria
se ela não tivesse sido descoberta. Acho que foi a página mais triste
do futebol brasileiro, mas se ele for fraudado hoje, temos um crime que
não existia. É um avanço. Temos mecanismos mais profundos, além da
interceptação (telefônica), existe a possibilidade de delação premiada –
afirma o promotor, que mantém a cautela ao falar sobre a blindagem doo
esporte.
– Ninguém pode dizer que não está
acontecendo. Mas a gente sabe que se as coisas surgirem, a reposta penal
será muito maior do que foi em 2005 – completa.
Edilson
se tornou a cara mais conhecida daquele escândalo. Banido, nunca mais
apitou uma partida e hoje vive com a mãe em Jacareí, no interior de São
Paulo. É um dos personagens citados por Mauro Costa em suas palestras
pelos clubes pequenos do estado.
Quando a imagem do
ex-árbitro é projetada na parede do vestiário do Nacional, o
sindicalista aponta o dedo: "Hoje ninguém quer vê-lo nem pintado de
ouro".
(OBS. DO BLOG:
PARA ASSISTIR AO VÍDEO CLIC
NO LINK DA FONTE ABAIXO)
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FONTE:
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