Amigos e familiares se despedem do francês. Massa, Hamilton, Rosberg, Grosjean e Maldonado são alguns a marcar presença na Catedral Sainte Reparate, em Nice
O corpo de Bianchi é levado para o interior da
catedral (Foto: AP)
A fachada da catedral expunha fotos grandes de Bianchi, sorrindo, como em geral se apresentava. Tinha certeza de que um dia teria um carro para poder expor seus dotes de vencedor. Luca di Montezemolo, ex-presidente da Ferrari, declarou no fim de semana que ele era o escolhido para substituir Kimi Raikkonen no time do seu coração, a Ferrari, em 2016.
Atrás de duas mesas cobertas com toalhas lembrando a bandeira quadriculada das corridas, onde dois grandes livros registravam as mensagens abertas a quem desejasse escrever, havia duas fotos, de cerca de 60 por 40 centímetros: uma é de Jules. A outra, de seu ídolo, Ayrton Senna, sentado no cockpit da McLaren. Sob as fotos, os dizeres: “Deux champions au Paradis” ou “Dois campeões no Paraíso”.
Quadro
com fotos de Bianchi e Ayrton Senna,
duas últimas vítimas fatais na F-1
e a legenda
"Dois campeões no paraíso" (Foto: Livio Oricchio)
A cada instante um dos tantos integrantes do grupo que organizou impecavelmente o evento trazia grandes arranjos de flores, a maioria de gosto requintado: “Jean Todt e Michele Yeoh”, enviada pelo presidente da FIA, Scuderia Ferrari, formado por rosas de vermelho intenso, “A notre ami et frere de corse” ou “Ao nosso amigo e irmão no automobilismo”, anônimo, “Avec tout notre amour” ou”Com todo nosso amor”, família Valente.
Por o repórter do GloboEsporte.com residir em Nice e ter chegado cedo à catedral, antes de a missa começar, deu para ver como estava organizado o altar: à direita se acomodariam o pai de Bianchi, Philippe, a mãe, Christine, a irmã, Melanie, e o irmão, Tom, outras pessoas da família, o prefeito de Nice, Christian Estrosi, e Jean Todt. À esquerda, os pilotos que foram à missa e depois ao funeral, e parte dos integrantes da equipe, por onde competia o piloto no ano passado, Marussia, além de outros profissionais da F-1.
Philippe, pai de Bianchi, estava muito
emocionado (Foto: AP)
Do lado de fora da catedral, uma área de 30 metros de extensão foi mantida livre, bem em frente as duas grandes portas. A seguir, instalaram uma cerca metálica baixa, com uma pequena arquibancada. Destinava-se à imprensa. Os fãs podiam ficar atrás do espaço dos jornalistas e nas laterais da área em frente a igreja. Homens vestindo elegantes ternos cinza, camisa branca e gravata vermelha, e moças de vestido preto curto, todos muito educados e prestativos, organizavam tudo.
Às 10 horas, precisamente, três padres saíram da igreja transportando um crucifixo bem alto, dourado. Ao mesmo tempo, batedores da polícia abriam espaço para a chegada da Mercedes negra, funerária, com o caixão de Bianchi. Estacionaram em frente a catedral. De outro veículo, atrás, desceram o pai, a mãe e os irmãos do piloto. Nesse momento, um grupo grande de amigos de Bianchi se formou para receber o caixão de madeira clara, modelo simples.
Os sinos tocavam. Dada a dimensão pequena da Praça Rossetti, o som reverberava com vigor. Era impossível não se emocionar com a imagem de Philippe e Christina ao lado do caixão do filho, com tanta gente a apreciar tudo aquilo. Quando os sinos pararam, não se ouvia um ruído no ambiente. Pareceu ser uma espécie de respeito profundo dos fãs, de pessoas ligadas a Bianchi e da mídia.
Os nove meses que Philippe e Christina passaram ao lado de Bianchi, em vida apenas vegetativa, primeiro no hospital Mie General de Yokkaichi, no Japão, e depois na sua cidade, Nice, parecem que os prepararam para a morte do filho. Estavam visivelmente abatidos, como não poderia ser diferente, mas demonstravam já alguma resignação.
Os arranjos de flores seguiam chegando, assim como profissionais que trabalharam com Bianchi, a exemplo de Stefano Domenicali, ex-diretor da Ferrari, e quem o levou para a academia da escuderia em 2009, quando Bianchi tinha apenas 19 anos. “Perdemos um piloto de grande potencial. E um homem maravilhoso”, disse o italiano. Ninguém se aproximou da imprensa até o fim da programação na Praça Rossetti. Pouco se falava.
Com os pais e irmãos do lado, o caixão é transportado para dentro da catedral por homens da organização. O nove meses de Bianchi sob nutrição apenas intravenosa, a maior parte no Hospital Universitário de Nice, devem ter feito o corpo do piloto pesar bem pouco. Alto falantes na área externa permitiram a todos na praça acompanhar a missa. As duas grandes portas permaneceram abertas. As flores não cessam. O calor cresce. A temperatura passa dos 32 graus.
Tão logo o caixão deixa a praça e entra na igreja, explode uma salva de palmas bem forte e longa, ao som de um solo de violão da música Hotel Califórnia nos alto-falantes. Uma das policiais, que também não quis falar com o repórter, se afasta do local muito emocionada.
O padre inicia o sermão, em francês, dando as condolências à família Bianchi. “Jules teve uma vida breve, mas intensa, e quão intensa. Deus hoje acolhe o seu filho”, diz a seguir. Outro padre faz discurso breve também. “Vocês sabem melhor do que eu a paixão de Jules por corridas de carro. Era sua paixão. Era sua vocação.” Exalta a breve mas marcante carreira do piloto.
O primeiro padre retoma a palavra e pronuncia palavras que de conforto não tinham nada, ao lembrar que um filho quando perde os pais se torna órfão, mas pais que perdem um filho, aos 25 anos, sofrem um duro golpe. Mas lembra que Deus o ressuscitará no seu reino. “Por isso Jules vive para sempre”.
Às 10h45, já no fim da liturgia há uma pausa para a música da cantora italiana Arisa. A letra fala de uma esposa cujo marido é piloto. Ela revela sua admiração, mas temores pela profissão e o tempo em que permanece sozinha, distante, enquanto o marido está exposto aos riscos naturais do que escolheu fazer.
A chefe de imprensa dos organizadores se recusa a dizer qual a sequência da programação do funeral, para onde será levado o corpo, se para o crematório ou cemitério. “A família pediu privacidade total”, diz. Dentro da igreja a cerimônia não acabou. O padre pede a Melanie e depois Tom para ler um pequeno texto. Ambos param várias vezes, por estarem muito emocionados, voz de choro.
Às 11 horas, o padre anuncia o fim da missa. De fora da igreja ouve-se palmas, muitas palmas, talvez mais de um minuto de palmas. Parte das flores é levada do altar para a área externa da catedral. Os sinos voltam a tocar. Os padres que haviam recebido o corpo na porta, com o crucifixo alto, dourado, são os primeiros a sair. São cinco, agora, não mais três.
O caixão deixa a Catedral Sainte-Réparate carregado pelos pilotos amigos, Jean Eric-Vergne, francês também, ex-piloto da STR e hoje piloto de testes da Ferrari, Adrian Sutil, testemunha ocular do acidente, pois o trator no qual Bianchi colidiu estava na área de escape da curva 7 de Suzuka para a retirada da sua Sauber, Sebastian Vettel, Felipe Massa, Pastor Maldonado, Andrea Ferrari, o preparador físico, e amigos do tempo de kart.
Jean-Eric Vergne, Adrian Sutil e Felipe Massa
ajudam a levar caixão com corpo de Jules
Bianchi (Foto: AFP)
Pastor Maldonado e Felipe Massa choram
copiosamente no funeral de Jules Bianchi
(Foto: AP)
Nesse instante, 11h10, aconteceu o momento de maior emoção de todo evento: o caixão ficou exposto, apoiado sobre cavaletes de aço, com o capacete de Bianchi em cima, e os demais pilotos, profundamente atingidos, do lado (Saiba mais desse instante no texto ao lado).
Não há mais espaço na área em frente a igreja, com a imprensa sempre isolada dos personagens que lá estão. Todos desejam abraçar, deixar sua mensagem pessoal a Philippe, Christine, Melanie e Tom. Alguns abraços são sentidos, longos, seguidos de choro. Estão nessa fila não muito respeitada o ex-piloto Alain Prost, Lewis Hamilton, atual campeão do mundo, Maurizio Arrivabene, diretor da Ferrari, Luca Baldisseri, chefe da academia da Ferrari, Daniil Kvyat, Daniel Ricciardo, pilotos da RBR, dentre outros. Ninguém viu Fernando Alonso e Kimi Raikkonen, os titulares da Ferrari. A ausência de Alonso foi comentada na mídia, pois o espanhol sempre se referia a Bianchi como um “amigo”.
Abatido, Lewis Hamilton chega para o
último adeus (Foto: AP)
Nico Rosberg foi outro a chegar cedo para o
cortejo (Foto: AP)
Acompanhado pela esposa, Romain Grosjean
também foi homenagear o piloto francês (Foto: AP)
O tetracampeão mundial Alain Prost
compareceu ao funeral (Foto: AP)
Os pilotos que vão disputar a décima etapa do campeonato, o GP da Hungria, domingo, embarcam hoje, ainda, para Budapeste, ou no máximo amanhã de manhã, tal qual os jornalistas. Bianchi estará, como diz uma das mensagens nos arranjos de flores, “vivo no coração dos que amam a F-1”.
Massa era um dos mais emocionados (Foto: AP)
Pilotos, amigos e familiares no funeral de
Jules Bianchi (Foto: AP)
Capacete de Jules Bianchi ficou em cima do
caixão do piloto francês (Foto: AFP)
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