Vencedor da Champions League em 2000, ex-zagueiro fala sobre o auge da carreira, da amizade com Maldini, início de Casillas e critica organização do futebol brasileiro
Foram cerca de 20 anos no exterior até o retorno ao Brasil. Tanto tempo longe de casa deixou o zagueiro Júlio César um homem maduro, bem relacionado e financeiramente estabilizado. Apesar do prestígio no México, na Europa e nos Estados Unidos, o ex-jogador e hoje empresário é pouco conhecido no país onde nasceu e, mesmo de volta a Belém – cidade em que morou na infância e adolescência – para abrir o mais recente empreendimento, ainda ostenta um sotaque diferente, fruto de muito tempo tendo o espanhol como língua principal.
Júlio
César (direita) sendo apresentado no
Real Madrid em 1999, ao lado do
atacante
colombiano Edwin Congo (Foto:
Divulgação/RealMadrid.com)
Júlio César
tem um currículo invejável no futebol. Foi parceiro de zaga de Fernando Hierro
no Real Madrid – onde acompanhou de perto do surgimento de ídolos merengues,
como Raul e Casillas –, teve Paolo Maldini como tutor no Milan
do renomado técnico
Alberto Zaccheroni e foi companheiro de clube de vários outros craques,
entre eles Djalminha, Rivaldo, Seedorf, Figo, Roberto Carlos, Eto'o,
McManaman, Makélélé, Xabi Alonso, Costacurta,
Bierhoff, Redondo e Shevchenko.
Ganhou uma UEFA
Champions League, de cinco disputadas, além de ter participações na extinta
Copa UEFA, hoje denominada Liga Europa. Jogou na Inglaterra numa época de
poucos brasileiros, passou por Portugal, Grécia, Turquia, Áustria e Romênia.
Aos 36 anos, se aposentou disputando a MLS, a emergente liga de futebol dos
Estados Unidos. Todas experiências engrandecedoras, garante o ex-jogador.
Júlio César enfrentou Deco, ainda no Porto, pela Champions League (Foto: Arquivo Pessoal)
Porém, chegar
até os principais clubes do Velho Continente exigiu paciência de Júlio César.
Ele nasceu em São Luís, mas ainda criança foi morar no Pará, aos 10 anos de
idade. No Brasil, teve apenas experiências amadoras, e no México deu os primeiros
passos rumo ao profissionalismo. Lá, conheceu o empresário Giuseppe Rubulotta, de
quem se tornou amigo pessoal e com quem mantém relação até os tempos atuais.
– Eu comecei em Belém e daqui fui para o México. Minha história
realmente começa do México para frente, porque aqui eu praticamente só joguei
na base. Joguei na base do Remo, na base de times pequenos de São Luís, e fui para
o México. O presidente do América-MEX na época, Giuseppe Rubulotta, estava andando
por Norte-Nordeste do Brasil em busca de talentos. Até hoje nos ajudamos, nós
seguimos em contato. Hoje nós temos uma sociedade. O Rubulotta é um grande
empresário, trabalha muito com jogadores argentinos, chilenos, uruguaios e da
Itália. Ele é italiano e eu trabalho com ele hoje em dia – explica Júlio César.
A ida repentina e prematura ao exterior fez o atleta perceber
uma antiga e triste realidade dos clubes brasileiros. A falta de infraestrutura
das categorias de base, principalmente nas regiões mais periféricas no país,
torna difícil a adaptação ao futebol dos grandes centros do mundo. Longe de
casa, o maranhense teve que se reinventar, e após encerrar a carreira, foi
nesse meio que escolheu trabalhar.
Os pontos mais altos da carreira do zagueiro foram os anos de Real
Madrid e Milan. No clube merengue, aliás, tem passe livre para andar pelos
corredores do Estádio Santiago Bernabéu. Casado e com três filhos, mantém duas
residências, uma em Belém e outra na capital espanhola.
– O Real Madrid
foi a base de tudo. Foi daí que aprendi a me aplicar em outros lados. Minha
postura, minhas decisões. A experiência dentro de campo veio toda de lá. E casei
na Espanha. Minha mulher é mexicana-espanhola. Ela fica lá e cá, meus filhos
também. Hoje me considero
super madridista, por amigos, famílias, pela força que tem em Madrid. Eu me
encantei. Peguei carinho por lá, onde também nasceram meus filhos. Eles já criaram
aquela raiz que é difícil de se desligar. Eu vou a Madrid, tenho minha casa e as
portas (do Real Madrid) estão sempre abertas, tenho uma boa relação com o
clube. São pessoas conhecidas da minha época. Ali é um ponto de encontro – brincou.
Foram três
anos no clube madrileno, época em que o futebol espanhol vivia um período de
ebulição. Vestindo a camisa “Blanca”, disputou sua primeira Champions League e
conquistou o oitavo título da competição para o Real Madrid, a chamada “La
Oitava”.
Júlio César em ação pelo Sporting KC, dos Estados Unidos, em 2012 (Foto: Arquivo Pessoal/Júlio César)
Nessa época, o brasileiro teve a oportunidade de ver de
perto o surgimento de uma geração de craques espanhóis, que foram pilares da
Fúria campeã europeia e mundial. Fernando Torres, Xabi Alonso, Xavi, Casillas...
e o goleiro, que ostenta inclusive a braçadeira da seleção, era apenas um
garoto quando Júlio César estava no clube merengue.
– O Casillas cresceu junto comigo no Real Madrid. Ele tinha
18 anos, não tinha carteira de motorista, ia para o treino de ônibus e nós
riamos muito dele. Todo mundo tinha carro. No primeiro teste que ele fez, foi
reprovado. E o Casillas praticamente apareceu do nada, porque o Bodo Illgner,
que era o goleiro titular, tinha se machucado no ombro e utilizaram, no jogo da
Champions League, o Bizzarri, um argentino que era uma jovem promessa. Ele entrou
nesse jogo contra o Porto e cometeu uma falha muito grande. Toshak, que era o
treinador, tomou a decisão de ir buscar um goleiro na categoria de base. Encontrou
o Casillas, e ele começou a entrar nos jogos e se destacar – relembra.
Ida ao Milan e contrato em guardanapo
No Milan, trabalhou com Maldini de Zaccheroni (Foto: Arquivo Pessoal)
Não bastasse o
sucesso em um dos clubes mais ricos e vitoriosos do mundo, Júlio César queria
fazer parte da história do Milan, outro clube tradicionalíssimo da Europa. A
ida aos rossoneri não aconteceu apenas por uma situação de mercado: foi
impulsionada por um desejo pessoal, cujo primeiro contrato foi escrito em um
guardanapo.
– O Milan foi
um sonho de moleque, então era o sonho de vestir aquela camisa. Cheguei lá e
foi como eu esperava, um grande clube, uma organização invejada. Até maior do
que a do Madrid na questão de estruturas, de viabilidade, de mecanismos. Você
chega ali e só se preocupa em jogar futebol. Esquece o resto, que o resto faz o
Milan. Quando eu queria conselho, eu pedia muito ajuda do Rubulotta. Meu
contrato com o Milan foi feito em uma folha de guardanapo, que até hoje tenho
guardado em meu escritório – conta.
Negociação sem sucesso com Santos e flamengo
Como jogador, Júlio
César não vestiu a camisa de nenhum clube do Brasil. Mas não faltaram
oportunidades. No fim dos anos 2000, ele negociou com Santos e Flamengo e quase
assinou com o Peixe, mas acabou desistindo por conta da falta de estrutura e organização
do futebol do país.
– Quando tu passas muito tempo na Europa, te acostumas ao
ritmo de vida, aos mecanismos e àquela seriedade. O futebol brasileiro é muito instável.
E eu tive uma carreira estável. Tu assinas um contrato: se dura três anos, é
três anos, e tu não estás te preocupando se o pagamento caiu no final do mês. Em
2008, viajei ao Brasil para assinar com o Santos. Fiz uma viagem de urgência, peguei
um avião em Madrid de manhã, cheguei a São Paulo e fui direto para Santos. Sentei
na mesa com os diretores e estava tudo acertado. Fui para ver o jogo entre Santos
e Atlético-PR. O Atlético venceu por 3 a 1 de virada. Quebraram tudo atrás do
presidente. Não esperei nem o jogo terminar. Na mesma madrugada, fui para São
Paulo e peguei o avião de volta para Madrid. Não dava para mim. Nesse tempo, estava
terminando meu contrato com o Olimpyakos e apareceu esse negócio. Pensei que
seria o momento ideal para jogar no Brasil, estava no auge da minha carreira. Fiquei
assustado com aquilo lá, não queria isso para mim e nem para a minha família,
por isso decidi voltar para a Espanha. Quanto ao Flamengo, eu me comunicava com
os jogadores da época. Achei melhor que não era o momento – afirmou.
Lapidando joias para o exterior
Ao longo da
carreira, o ex-zagueiro teve várias experiências distintas no mundo da bola,
que lhe proporcionaram o conhecimento dos bastidores do futebol e, também, do
mundo dos negócios. O bom relacionamento com pessoas importantes fez com que
ele pudesse construir o projeto Spaceball, que visa não apenas revelar
talentos, mas lapidá-los com qualidade.
– Mantenho
contato com muitas pessoas, tanto gente da seleção espanhola, como da mexicana,
da grega, e da americana mais da metade. Os argentinos também... nossa, é muita
gente! É das coisas que eu agradeço hoje, que me abrem as portas para eu
trabalhar. Não me considero empresário de futebol, prefiro dizer que sou um
gestor de um profissional do futebol. Vamos mais longe. O que abre as portas
hoje é essa amizade que eu tenho e construí durante toda a minha carreira. Eu
não olhei só para o lado econômico. Sempre olhei pelo lado de deixar a relação
aberta para que tivesse vários contatos. Sabia que um dia eu ia necessitar
disso. Hoje é isso, essa relação, a facilidade que temos hoje de pegar um
avião. Agora é só comprar a matéria-prima, que aqui é o que mais tem. Nós
detectamos que a maioria do talento do futebol brasileiro sai de Norte e Nordeste
do país porque nós temos mais, temos o puro-sangue, o autêntico. Só que esses
talentos estão mal geridos. Não têm um direcionamento. Então quando chega na
idade de 15 a 18, esse talento que eles têm poderia estar melhor. Eles poderiam
ter um conjunto melhor – explicou.
Projeto de Júlio César visa lapidar jovens talentos
do norte do país (Foto: Arquivo
Pessoal/Júlio César)
O empreendimento foi criado em 2013. É um complexo esportivo
com cinco quadras, vestiários, academia e setor de fisioterapia para abrigar o projeto.
FONTE::
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