quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Lembra dele? Ex-Milan e Real Madrid, Júlio César busca novas joias no Pará

Vencedor da Champions League em 2000, ex-zagueiro fala sobre o auge da carreira, da amizade com Maldini, início de Casillas e critica organização do futebol brasileiro


Por
Belém
 

Foram cerca de 20 anos no exterior até o retorno ao Brasil. Tanto tempo longe de casa deixou o zagueiro Júlio César um homem maduro, bem relacionado e financeiramente estabilizado. Apesar do prestígio no México, na Europa e nos Estados Unidos, o ex-jogador e hoje empresário é pouco conhecido no país onde nasceu e, mesmo de volta a Belém – cidade em que morou na infância e adolescência – para abrir o mais recente empreendimento, ainda ostenta um sotaque diferente, fruto de muito tempo tendo o espanhol como língua principal.

Júlio César Santos Correa, zagueiro do Real Madrid e Milan (Foto: Divulgação/RealMadrid.com)
Júlio César (direita) sendo apresentado no 
Real Madrid em 1999, ao lado do atacante 
colombiano Edwin Congo (Foto: 
Divulgação/RealMadrid.com)


Júlio César tem um currículo invejável no futebol. Foi parceiro de zaga de Fernando Hierro no Real Madrid – onde acompanhou de perto do surgimento de ídolos merengues, como Raul e Casillas –, teve Paolo Maldini como tutor no Milan do renomado técnico Alberto Zaccheroni e foi companheiro de clube de vários outros craques, entre eles Djalminha, Rivaldo, Seedorf, Figo, Roberto Carlos, Eto'o, McManaman, Makélélé, Xabi Alonso, Costacurta, Bierhoff, Redondo e Shevchenko.

Ganhou uma UEFA Champions League, de cinco disputadas, além de ter participações na extinta Copa UEFA, hoje denominada Liga Europa. Jogou na Inglaterra numa época de poucos brasileiros, passou por Portugal, Grécia, Turquia, Áustria e Romênia. Aos 36 anos, se aposentou disputando a MLS, a emergente liga de futebol dos Estados Unidos. Todas experiências engrandecedoras, garante o ex-jogador.

Júlio César Santos Correa, zagueiro do Real Madrid e Milan (Foto: Arquivo Pessoal)Júlio César enfrentou Deco, ainda no Porto, pela Champions League (Foto: Arquivo Pessoal)


Porém, chegar até os principais clubes do Velho Continente exigiu paciência de Júlio César. Ele nasceu em São Luís, mas ainda criança foi morar no Pará, aos 10 anos de idade. No Brasil, teve apenas experiências amadoras, e no México deu os primeiros passos rumo ao profissionalismo. Lá, conheceu o empresário Giuseppe Rubulotta, de quem se tornou amigo pessoal e com quem mantém relação até os tempos atuais.

– Eu comecei em Belém e daqui fui para o México. Minha história realmente começa do México para frente, porque aqui eu praticamente só joguei na base. Joguei na base do Remo, na base de times pequenos de São Luís, e fui para o México. O presidente do América-MEX na época, Giuseppe Rubulotta, estava andando por Norte-Nordeste do Brasil em busca de talentos. Até hoje nos ajudamos, nós seguimos em contato. Hoje nós temos uma sociedade. O Rubulotta é um grande empresário, trabalha muito com jogadores argentinos, chilenos, uruguaios e da Itália. Ele é italiano e eu trabalho com ele hoje em dia – explica Júlio César.

A ida repentina e prematura ao exterior fez o atleta perceber uma antiga e triste realidade dos clubes brasileiros. A falta de infraestrutura das categorias de base, principalmente nas regiões mais periféricas no país, torna difícil a adaptação ao futebol dos grandes centros do mundo. Longe de casa, o maranhense teve que se reinventar, e após encerrar a carreira, foi nesse meio que escolheu trabalhar.

– Cheguei no México, passei um ano e meio e tive que me recriar como base, fazer tudo outra vez para poder encaixar no time deles lá, para depois me profissionalizar no Valladolid, da Espanha. Assinei um contrato de cinco temporadas. No primeiro ano já tinha proposta de Barcelona e no segundo ano o Barcelona realmente tentou a minha contratação, só que o Real Madrid já tinha feito uma proposta e preferi ir para lá. A partir daí a minha carreira foi pra cima, e eu costumo dizer que depois do Madrid, só o céu – exalta o ex-zagueiro, cujo projeto atual envolve a formação de atletas até 16 anos.

Real Madrid foi a base de tudo. Foi daí que aprendi a me aplicar em outros lados. Minha postura, minhas decisões. A experiência dentro de campo veio tudo de lá"
Júlio César, ex-zagueiro

Os pontos mais altos da carreira do zagueiro foram os anos de Real Madrid e Milan. No clube merengue, aliás, tem passe livre para andar pelos corredores do Estádio Santiago Bernabéu. Casado e com três filhos, mantém duas residências, uma em Belém e outra na capital espanhola.

– O Real Madrid foi a base de tudo. Foi daí que aprendi a me aplicar em outros lados. Minha postura, minhas decisões. A experiência dentro de campo veio toda de lá. E casei na Espanha. Minha mulher é mexicana-espanhola. Ela fica lá e cá, meus filhos também. Hoje me considero super madridista, por amigos, famílias, pela força que tem em Madrid. Eu me encantei. Peguei carinho por lá, onde também nasceram meus filhos. Eles já criaram aquela raiz que é difícil de se desligar. Eu vou a Madrid, tenho minha casa e as portas (do Real Madrid) estão sempre abertas, tenho uma boa relação com o clube. São pessoas conhecidas da minha época. Ali é um ponto de encontro – brincou.

Foram três anos no clube madrileno, época em que o futebol espanhol vivia um período de ebulição. Vestindo a camisa “Blanca”, disputou sua primeira Champions League e conquistou o oitavo título da competição para o Real Madrid, a chamada “La Oitava”.

Júlio César Santos Correa, zagueiro no Sporting KC, da MLS (Foto: Arquivo Pessoal/Júlio César)Júlio César em ação pelo Sporting KC, dos Estados Unidos, em 2012 (Foto: Arquivo Pessoal/Júlio César)


– Joguei no Madrid de 1999 a 2002. Eu digo que foi uma das melhores épocas porque o mercado espanhol estava em auge. Foi no ano em que a Espanha investiu muito no futebol mundial, levava para ali os melhores jogadores do mundo. Foi época também de Ronaldo, Rivaldo, Djalminha, Denilson; último ano do Romário, quando foi pro Valência, e lembro que o Luizão era impressionante, muito difícil de marcar. Todos os times estavam bem nivelados. Tinha muito brasileiro, argentinos, era uma época muito boa e para ser campeão era complicado. Além disso, vencemos a ‘La Oitava’ – afirmou.

Nessa época, o brasileiro teve a oportunidade de ver de perto o surgimento de uma geração de craques espanhóis, que foram pilares da Fúria campeã europeia e mundial. Fernando Torres, Xabi Alonso, Xavi, Casillas... e o goleiro, que ostenta inclusive a braçadeira da seleção, era apenas um garoto quando Júlio César estava no clube merengue.

– O Casillas cresceu junto comigo no Real Madrid. Ele tinha 18 anos, não tinha carteira de motorista, ia para o treino de ônibus e nós riamos muito dele. Todo mundo tinha carro. No primeiro teste que ele fez, foi reprovado. E o Casillas praticamente apareceu do nada, porque o Bodo Illgner, que era o goleiro titular, tinha se machucado no ombro e utilizaram, no jogo da Champions League, o Bizzarri, um argentino que era uma jovem promessa. Ele entrou nesse jogo contra o Porto e cometeu uma falha muito grande. Toshak, que era o treinador, tomou a decisão de ir buscar um goleiro na categoria de base. Encontrou o Casillas, e ele começou a entrar nos jogos e se destacar – relembra.
Ida ao Milan e contrato em guardanapo

Júlio Cesar no Milan (Foto: Arquivo Pessoal)No Milan, trabalhou com Maldini de Zaccheroni (Foto: Arquivo Pessoal)


Não bastasse o sucesso em um dos clubes mais ricos e vitoriosos do mundo, Júlio César queria fazer parte da história do Milan, outro clube tradicionalíssimo da Europa. A ida aos rossoneri não aconteceu apenas por uma situação de mercado: foi impulsionada por um desejo pessoal, cujo primeiro contrato foi escrito em um guardanapo.

– O Milan foi um sonho de moleque, então era o sonho de vestir aquela camisa. Cheguei lá e foi como eu esperava, um grande clube, uma organização invejada. Até maior do que a do Madrid na questão de estruturas, de viabilidade, de mecanismos. Você chega ali e só se preocupa em jogar futebol. Esquece o resto, que o resto faz o Milan. Quando eu queria conselho, eu pedia muito ajuda do Rubulotta. Meu contrato com o Milan foi feito em uma folha de guardanapo, que até hoje tenho guardado em meu escritório – conta.

Negociação sem sucesso com Santos e flamengo

Como jogador, Júlio César não vestiu a camisa de nenhum clube do Brasil. Mas não faltaram oportunidades. No fim dos anos 2000, ele negociou com Santos e Flamengo e quase assinou com o Peixe, mas acabou desistindo por conta da falta de estrutura e organização do futebol do país.
– Quando tu passas muito tempo na Europa, te acostumas ao ritmo de vida, aos mecanismos e àquela seriedade. O futebol brasileiro é muito instável. E eu tive uma carreira estável. Tu assinas um contrato: se dura três anos, é três anos, e tu não estás te preocupando se o pagamento caiu no final do mês. Em 2008, viajei ao Brasil para assinar com o Santos. Fiz uma viagem de urgência, peguei um avião em Madrid de manhã, cheguei a São Paulo e fui direto para Santos. Sentei na mesa com os diretores e estava tudo acertado. Fui para ver o jogo entre Santos e Atlético-PR. O Atlético venceu por 3 a 1 de virada. Quebraram tudo atrás do presidente. Não esperei nem o jogo terminar. Na mesma madrugada, fui para São Paulo e peguei o avião de volta para Madrid. Não dava para mim. Nesse tempo, estava terminando meu contrato com o Olimpyakos e apareceu esse negócio. Pensei que seria o momento ideal para jogar no Brasil, estava no auge da minha carreira. Fiquei assustado com aquilo lá, não queria isso para mim e nem para a minha família, por isso decidi voltar para a Espanha. Quanto ao Flamengo, eu me comunicava com os jogadores da época. Achei melhor que não era o momento – afirmou.

Lapidando joias para o exterior

Quando tu passas muito tempo na Europa, te acostumas ao ritmo de vida, aos mecanismos e àquela seriedade. O futebol brasileiro é muito instável. (...) Tu assinas um contrato: se dura três anos, é três anos, e não estás te preocupando se o pagamento caiu no final do mês"
Júlio César, sobre a quase ida ao Santos

Ao longo da carreira, o ex-zagueiro teve várias experiências distintas no mundo da bola, que lhe proporcionaram o conhecimento dos bastidores do futebol e, também, do mundo dos negócios. O bom relacionamento com pessoas importantes fez com que ele pudesse construir o projeto Spaceball, que visa não apenas revelar talentos, mas lapidá-los com qualidade.

– Mantenho contato com muitas pessoas, tanto gente da seleção espanhola, como da mexicana, da grega, e da americana mais da metade. Os argentinos também... nossa, é muita gente! É das coisas que eu agradeço hoje, que me abrem as portas para eu trabalhar. Não me considero empresário de futebol, prefiro dizer que sou um gestor de um profissional do futebol. Vamos mais longe. O que abre as portas hoje é essa amizade que eu tenho e construí durante toda a minha carreira. Eu não olhei só para o lado econômico. Sempre olhei pelo lado de deixar a relação aberta para que tivesse vários contatos. Sabia que um dia eu ia necessitar disso. Hoje é isso, essa relação, a facilidade que temos hoje de pegar um avião. Agora é só comprar a matéria-prima, que aqui é o que mais tem. Nós detectamos que a maioria do talento do futebol brasileiro sai de Norte e Nordeste do país porque nós temos mais, temos o puro-sangue, o autêntico. Só que esses talentos estão mal geridos. Não têm um direcionamento. Então quando chega na idade de 15 a 18, esse talento que eles têm poderia estar melhor. Eles poderiam ter um conjunto melhor – explicou.

Spaceball Júlio César Santos Correa (Foto: Arquivo Pessoal/Júlio César)
Projeto de Júlio César visa lapidar jovens talentos 
do norte do país (Foto: Arquivo 
Pessoal/Júlio César)


O empreendimento foi criado em 2013. É um complexo esportivo com cinco quadras, vestiários, academia e setor de fisioterapia para abrigar o projeto. 


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