Apesar de ser um supertalento, piloto inglês tem histórico de falhar nos momentos decisivos. Rosberg sabe disso: “Tenho de fazer o possível para colocar pressão nele"
O que primeiro emergiu do primeiro dia da disputa do título entre Lewis Hamiton e Nico Rosberg, a dupla da Mercedes, nesta quinta-feira, no Circuito Yas Marina, é que o ambiente entre ambos está bastante tenso. Os dois pilotos foram convocados para a coletiva da FIA. Hamilton passou a nítida impressão, pela aspereza das respostas, que se dependesse dele jamais estaria lá diante dos jornalistas. Apesar de ser um supertalento, o controle emocional não é o seu forte. Ao menos é o que sua história reflete.
Para começar o campeão do mundo de 2008, pela McLaren, demonstrou não gostar da pergunta sobre a pressão de ser o líder do Mundial, com 334 pontos diante de 317 de Rosberg. “Eu não sinto nenhuma pressão”, falou, com semblante fechado, olhando nos olhos do repórter. “Eu acho que acumulei experiência suficiente nesses meus 15, talvez 20 anos de carreira.”
Curiosamente, a maneira como se sentiu atingido pela questão demonstra que Hamilton não está tão em paz como procurou passar. Rosberg disse que não usaria a palavra “pressão” no seu caso, mas “ter um fim de semana intenso”. Falou mais: “Será uma grande batalha. Eu a espero ansiosamente. Estou aqui para ganhar a corrida e preciso da ajuda de Lewis para não terminar em segundo.”
Lewis Hamilton e Nico Rosberg apertam as
mãos durante a coletiva para o GP de
Abu Dhabi (Foto: Reuters)
A matemática do título é muito favorável ao inglês. Se Rosberg vencer, Hamilton será campeão se terminar em segundo. E o retrospecto da Mercedes este ano, com 11 dobradinhas, sugere que não será tão desafiador, assim, na corrida, obter a 12ª. O que Rosberg não disse é que enquanto ele ganhou cinco vezes, Hamiton venceu 10 GPs nesta temporada. É por isso que a maioria no paddock não só acredita que o inglês celebrará seu segundo título como será amplamente merecido.
Mas há ainda pela frente uma difícil corrida de 55 voltas num dos circuitos mais imprevisíveis do campeonato, com suas 21 curvas e 5.554 metros de extensão, e nas duas ocasiões em que Hamilton se apresentou em situação semelhante para ser campeão, em 2007 e 2008, cometeu erros comprometedores. Hoje é um piloto mais maduro. Porém, em Interlagos, rodou sozinho na pista. O fato não pode ser desprezado.
Não há dúvida de que Rosberg procurou explorar esse lado de eventual descompasso emocional de Hamilton. “Eu tenho de fazer o possível para colocar pressão nele. No Brasil, Lewis cometeu um erro, portanto há chance.” Olhando para o fundo da sala da coletiva lotada, procurando demonstrar indiferença com a resposta do adversário, Hamilton afirmou, em outro momento, sobre se os dois já conversaram a respeito de como se comportar na disputa que vale o campeonato. “Não precisamos disso”, falou, ríspido. “Já discutimos no começo do ano e em várias ocasiões ao longo da temporada, especialmente depois de Spa, portanto não há razão para voltarmos a falar disso. Não somos crianças, devemos saber o que é certo e errado”, complementou Hamilton.
Hamilton na coletiva do GP de
Abu Dhabi (Foto: Reuters)
Os dois pilotos já foram amigos, apesar de adversários desde os 15 anos, quando competiam pelo time de kart da própria Mercedes e sonhavam com esse dia na F-1: chegar à etapa final do Mundial com chances de ser campeão. Mas como agora buscam exatamente o mesmo espaço, a relação se deteriorou. Hamilton chegou a chamar Rosberg de desonesto, por ter, segundo ele, provocado deliberadamente seu “acidente” na classificação do GP de Mônaco, manter a pole position e vencer. Como, de fato, ocorreu.
O inconformismo de Hamilton com o comportamento de Rosberg foi tão grande que comparou sua missão na Mercedes a uma luta de classes, uma espécie de operário x burguês. “Eu dormia num sofá na sala no apartamento do meu pai num subúrbio de Londres enquanto ele residia em Mônaco e viaja no jato e no iate do pai.”
Rosberg, por sua vez, já deixou claro a Hamilton não ser mais o mesmo piloto da época do kart, quando invariavelmente perdia a disputa. “Acho que cresci como piloto. Está bem mais difícil para Lewis me vencer.” E nesta quinta-feira, em especial, lembrou o seu companheiro de Mercedes sua maior eficiência nos treinos de definição do grid, algo realmente importante e que pode ser decisivo na luta pelo título por conta das características do traçado árabe: “Minha forma nas classificações tem sido realmente muito boa, o que deve ser algo extra a meu favor nesta corrida”.
O GP de Abu Dabi é o 19.º do calendário. Até agora foram disputadas 18 sessões de classificação. Rosberg obteve 10 pole positions e Hamilton, 7. O único piloto a quebrar a série de poles da Mercedes este ano foi Felipe Massa, no GP da Áustria.
Já nesta sexta-feira essa tensão toda poderá ser transferida para a pista. Serão realizados os dois primeiros treinos livres da prova de encerramento da temporada. Por conta de um sistema de pontuação único na história da competição, os pontos serão distribuídos em dobro, o que faz com que os 17 pontos de vantagem de Hamilton na classificação não tenham um peso excessivo na luta. Talvez a razão de ao menos nesta quinta-feira seu estado de desconforto, tal qual 2007 e 2008, ter sido vão visível.
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