FONTE:
http://jornalggn.com.br/noticia/gilmar-da-a-senha-para-o-acordao-que-vem-ai-por-tereza-cruvinel
Jornal GGN - Ao propor uma nova lei, até setembro deste ano, para o crime de caixa dois eleitoral, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, "deu a senha" para um acordão que possa salvar a classe política da Lava Jato. Na visão da jornalista Tereza Cruvinel, os arquitetos desse plano só terão dificuldade de explicar o que foi o Mensalão quando o acordão for executado.
Isso porque, na Ação Penal 470, figuras do naipe de José Dirceu foram condenadas por "corrupção passiva", isto é, ter criado um esquema de caixa dois para financiar o PT. Com a Lava Jato no calcunhar de partidos como o PSDB, agora há o esforço para impor a ideia de que o caixa dois do passado, já passou. O que vale é daqui para frente...
Por Tereza Cruvinel
Não há dúvida: a grande rede está sendo urdida e será lançada ao mar para evitar que a elite do sistema partidário morra afogada por denúncias de corrupção. Corrupção sob a forma de caixa dois eleitoral. Entre os tecelões, agora entrou em cena o ministro do STF e presidente do TSE, Gilmar Mendes, propondo que até setembro seja votada uma nova regulamentação do financiamento de campanhas. No bojo desta regulação – ele não disse nem precisava dizer, tudo no Brasil agora é implícito – seria dito algo como “o que passou, passou, daqui para a frente será tudo diferente”. Gilmar deu um ponto a mais na trama iniciada por FHC, ao apontar a diferença: se o dinheiro vai para o bolso, é crime de corrupção. Se compra mandatos, é “irregularidade” que precisa ser corrigida. Quem corrige é uma nova lei, e votada por quem? Pelo Congresso apodrecido que aí está, em que boa parte dos mandatos (como os da bancada financiada por Eduardo Cunha com suas propinas) sofre do pecado original.
A rede que se urde passará uma borracha sobre as decisões que o STF tomou em 2012, com o voto de Gilmar, no julgamento do mensalão, ao condenar Dirceu, Genoíno e Delúbio por corrupção passiva por terem atuado no financiamento oculto do PT. Ali, o caixa dois foi caracterizado como corrupção. Crime contra a democracia, dizia Joaquim Barbosa. Ofensa à sociedade, bradava a ministra Carmem Lúcia, irada com as afirmações de Delúbio ao chamar de “recursos eleitorais não contabilizados” o dinheiro do valerioduto.
Agora, quando ninguém pode mais fingir desconhecer que praticamente todos os partidos, começando por PSDB e PMDB, são bancados por empreiteiras (e bancos, e indústrias e outras empresas), Gilmar diz que não podemos ir para a eleição do ano que vem sem uma nova regulamentação. “Agora imagina o que vai ser uma eleição presidencial, em que vamos ter esta corrida de elefantes, com um sistema sem regulação”. Que ela venha logo, antes de setembro para que possa vigorar no ano que vem, adverte. A Constituição exige que regras eleitorais sejam votadas um ano antes do pleito. Então, para estar pronta em setembro, esta nova regra teria que começar a ser discutidas agora. Nem Gilmar, nem FHC, nem os ministros do STF sabiam que o caixa dois comandava o sistema eleitoral brasileiro. “Temos que encontrar um outro meio de financiamento eleitoral que não seja esse”, diz Gilmar, que segurou por mais de um ano a ação da OAB que arguiu, e fez prevalecer, a proibição das doações privadas, ora em vigor. Em 2012, Gilmar e a maioria do STF não sabiam que o meio era esse, e que não apenas o PT se valia dele.
Realmente, um festival de hipocrisias assola a terra dos papagaios. Uma das mais descaradas é a que tenta nos convencer de que Michel Temer não tratou atuou na captação de dinheiro ilegal, pois no jantar com Marcelo Odebrecht não discutiu valores. Pediu mas não fixou a cifra. Logo, está limpo. Depois da sobremesa e do café ele pediu licença e deixou que Eliseu Padilha ficasse na mesa com os homens da empreiteira acertando o pagamento dos R$ 10 milhões, que depois passaram a ser R$ 11,3 milhões. No poder, as coisas são assim mesmo. O “chefe” nunca se rebaixa para falar em cifras. Para isso, tem seus operadores. Mas a palavra que pesa é a dele e o próprio Planalto, em nota, reconheceu que Temer “pediu auxílio formal e oficial” para a chapa presidencial de 2014, onde figurava como vice. Sua defensa tenta negar até nota oficial. Marcelo Odebrecht, ao dizer que Temer não falou em valores, também lançou-lhe uma boia salva-vidas. Lealdade de classe. Mas ontem seu ex-executivo Claudio Mello Filho reafirmou que houve o pedido e que os valores foram discutidos.
Então fica combinado entre todos, inclusive com o TSE: até aqui, ninguém sabia que nossa democracia era de araque. Que o voto tinha preço e que quem arrecadasse mais dinheiro do caixa dois conseguiria comprar mais votos, turbinando campanhas e contratando marqueteiros a peso de ouro. Agora que estamos sabendo de tudo isso, vamos mudar as regras e daqui para a frente será tudo diferente. Bem, houve aqueles petistas condenados lá atrás por caixa dois, ou melhor, por corrupção passiva sob a forma de caixa dois. Foi um acidente, o que está feito está feito e vamos em frente.
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