quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Data venia, ministra Cármen Lúcia, por Pasquale Cipro Neto



FONTE:]
http://jornalggn.com.br/noticia/data-venia-ministra-carmen-lucia-por-pasquale-cipro-neto



foto de Pedro Ladeira - Folhapress



Jornal GGN - A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, ao ser eleita por dez votos para a presidência do Supremo, resolveu subir nas tamanquinhas em questão perfeitamente dispensável: ela ironizou o desejo da presidenta eleita por 54,5 milhões de votos, Dilma Rousseff, em assim ser tratada. A questão rodou as redes sociais, pontuando como sendo de uma grosseria dispensável. A presidente do STF, com seus 10 votos, poderia ter ficado sem esta nódoa em sua primeira ação como chefe dos 12 ministros indicados por presidentes eleitos. 
Pasquale Cipro Neto, em seu artigo de hoje, fala sobre o presidente e a presidenta, explicando aos puros a questão. Leia a seguir.
da Folha
por Pasquale Cipro Neto
Na sessão de 10.ago, o atual presidente do STF disse o seguinte : "Então eu concedo a palavra à eminente ministra Cármen Lúcia, nossa presidenta eleita... Ou presidente?". A resposta da ministra foi esta: "Eu fui estudante e eu sou amante da língua portuguesa, eu acho que o cargo é de presidente, não é não?". 'Data venia', Excelência, o cargo é de presidente ou presidenta.
Essa questão atormenta o país desde que Dilma Rousseff venceu a primeira eleição e disse que queria ser chamada de "presidenta", porque, para ela, a forma feminina acentua a sua condição de mulher, a primeira mulher a presidir o país.
Esse argumento me parece frouxo e um tanto infantil. O que acentua o fato de Dilma ser mulher é justamente o fato de ela ser mulher, mas respeito a escolha dela e os que acham justo esse argumento.
O que não se pode, de jeito nenhum, é ditar "regras" linguísticas totalmente desprovidas de fundamento técnico, mas foi justamente isso o que mais se viu/ouviu/leu desde que Dilma manifestou a sua preferência por "presidenta", forma que não foi inventada por ela.
Na bobajada que se lê na internet, o argumento mais frequente é justamente o da inexistência de "serventa", "adolescenta" etc., como se a língua fosse regida unicamente por processos cartesianos.
Não é, caro leitor. Se assim fosse, não teríamos como fatos consagrados inúmeros casos que nem de longe seguem a lógica. Ou será que no padrão culto se registra algo como "Fulano suicidou"? Pela "lógica", seria essa a forma padrão, mas...
A língua não funciona assim. Um exemplo: às vezes, o falante não tem noção histórica da formação de um termo e acrescenta algo que "ressuscite" o seu sentido literal. É isso que explica, por exemplo, a pronominalização de "suicidar" ("Ele se suicidou", "Tu te suicidarias?"). O verbo não é "suicidar"; é "suicidar-se". Pode procurar no "Houaiss" etc.
A terminação "-nte", que vem do particípio presente latino, forma (em português e em outras línguas) adjetivos e substantivos que indicam a noção de "agente" ("pedinte", "caminhante", "assaltante").
99,9999% desses termos não têm variação; o que varia é o artigo ou outro determinante (o/a viajante, o/a estudante, nosso/nossa comandante), mas é claro que há exceções.
Uma delas é justamente "presidenta", registrada há mais de um século. Na sua edição de 1913, o dicionário de Cândido de Figueiredo registra "presidenta", como "neologismo". Um século depois, esse "neo-" perdeu a razão. A edição de 1939 do "Vocabulário Ortográfico" registra o termo. A última edição de cada um dos nossos mais importantes dicionários e a do "Vocabulário Ortográfico" também registram.
Deve-se tomar muito cuidado quando se usa como argumento o registro num dicionário. Nada de dizer que "a palavra existe porque está no dicionário"; é o contrário, ou seja, a palavra está no dicionário porque existe, porque tem uso em determinado registro linguístico.
Tenho profundo respeito pela ministra Cármen Lúcia, não só pela liturgia do cargo, mas também e sobretudo pela altivez com que o professa. Justamente por isso, ouso dizer que teria sido melhor ela ter dito simplesmente "Prefiro presidente".
Aproveito para lembrar que não tenho feicibúqui, tuíter, instagrã etc., portanto toda a bobajada internética a mim atribuída é falsa. É isso.

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