domingo, 31 de julho de 2016

Vaquinha, 72h no ônibus... O caminho de Ana Paula até a terceira Olimpíada



OLIMPÍADAS RIO 2016


HANDEBOL


Destaque da seleção, maranhense deixou a casa dos pais aos 14 anos para jogar handebol em São Paulo e sem dinheiro, cruzou as estradas do país pelo seu sonho




Por
Rio de Janeiro

Ana Paula Rodrigues e  Fernanda Silva deixam o Bucuresti, da Romênia (Foto: Divulgação/Bucuresti)Ana Paula Rodrigues com a taça da Champions League (Foto: Divulgação/Bucuresti)


Ana Paula fala pouco. Se preciso for, conversa com os jornalistas. De poucas palavras, o que ela gosta mesmo é de jogar handebol. E foi por essa paixão que a maranhense tomou a decisão mais importante e difícil da sua vida. Aos 14 anos, ainda uma menina, percorreu um caminho comum aos jogadores de futebol, mas pouco visto na modalidade que é uma das mais jogadas nas escolas do Brasil, mas profissionalmente não é tão valorizada. Ana deixou a casa dos pais, em São Luiz, no Maranhão, e foi se aventurar em São Paulo. Após se destacar nos Jogos Escolares nacionais, a jovem aceitou o convite da técnica Láusida Góes para treinar em Guarulhos, a 3.000 km de casa. Apesar da idade, a pequena teve a responsabilidade de decidir seu destino naquele ano de 2002: "Meus pais disseram que era decisão minha, se queria ou não. E decidi ir".

Vencida a primeira etapa, Ana Paula teve ajuda da família para driblar o segundo obstáculo. De família humilde, a maranhense não tinha dinheiro para comprar a passagem para São Paulo. O pai, motorista da procuradoria de Justiça em São Luiz, teve a ideia de fazer uma vaquinha. Amigos se juntaram e conseguiram os R$ 360 para a viagem de avião. Sozinha, ela embarcou para o Sudeste e disse para si mesma que teria que fazer a saudade e a distância valerem a pena. Dali em diante, viu os pais e a avó uma vez por ano, sempre pegando a estrada de ônibus, cruzando por até três dias os estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia e Piauí até chegar em São Luiz.

Trajeto, Ana Paula Rodrigues, handebol, Brasil (Foto: Reprodução/Google Maps)
Com 14 anos, Ana Paula cruzou o Brasil sozinha 
em busca do seu sonho no handebol 
(Foto: Reprodução/Google Maps)


- Naquele primeiro ano, tivemos folga em julho, mas fiquei lá porque não tinha dinheiro para ir para casa. Em dezembro eu fui, mas fui de ônibus. Uma pessoa em São Paulo me ajudou, o Alexandre. Eu sempre falo que é a determinação. Eu gosto muito de desafios. Então, para mim, foi um desafio ficar em São Paulo. Depois ir para fora do Brasil. A determinação foi essencial. Vai de pessoa para pessoa. No começo foi muito difícil, eu sempre fui muito apegada a minha avó. Os primeiros meses foram bem complicados. Eu nunca imaginei me separar dela. Chorava todos os dias. Morria de saudade dela. Ligava para falar com ela, com meus pais, mas fui ficando - lembra Ana Paula.

Ana Paula Rodrigues, handebol, Brasil (Foto: Reprodução/Facebook)Ana Paula com a camisa 9 do Guarulhos, que tinha parceria com o São Paulo Futebol Clube (Foto: Reprodução/Facebook)


O esforço foi recompensado. Ana evoluiu e viu Guarulhos ficar pequena para o seu talento. Em 2007, rumou para a Espanha, depois Áustria e Romênia. Passou a integrar a seleção brasileira, tem duas Olimpíadas no currículo (Pequim e Londres) e em 2013 conquistou o Mundial da Sérvia com o Brasil. Neste ano, pelo CSM Bucuresti, a garota de Bequimão, interior maranhense, conquistou a Champions League, o principal torneio de handebol na Europa. E agora, aos 28 anos e prestes a disputar sua terceira Olimpíada, não se contenta em apenas participar. Quer o pódio.

- Eu falo que a gente sempre pode mais na nossa vida. O dia que achar que eu não posso, é a hora de parar de jogar, com certeza. As pessoas falam que eu estou na minha melhor fase na carreira, mas já ouvi isso antes de muita gente. Então, o dia que eu achar que não posso mais evoluir, é o momento de parar. Foi a realização de um sonho ganhar a Champions League este ano. Todo atleta de handebol quer o Mundial, a Champions, e agora falta uma medalha em Olimpíada para mim. Quando olho para trás, eu vejo que tudo valeu a pena. Chegar numa Olimpíada agora não é mais um sonho. Eu já cheguei em 2008. Já cheguei em 2012. Agora eu não quero só chegar. Eu quero ganhar uma medalha. Que seja bronze, prata ou ouro, mas a gente pode - garante Ana Paula, que conseguiu comprar uma casa para a família com o dinheiro do handebol.


Neste domingo, às 13h, Ana Paula estará em quadra com o Brasil em amistoso de preparação para a Rio 2016. A seleção pega a Holanda, vice-campeã mundial, na Urca. No outro jogo-treino, vitória do Brasil por 29 a 27.


COMEÇO FOI NA CAPOEIRA

Se hoje brilha no handebol, Ana Paula começou em uma modalidade que não é olímpica, mas é a cara do Brasil. Aos dez anos, a menina praticava a capoeira. No início, ia para as aulas apenas para ficar mais próxima do pai, que ela pouco via durante a semana. E foi assim até os 13 anos, quando foi obrigada a escolher apenas um dos esportes e optou por ficar nas quadras, abandonando a tradicional luta trazida pelos escravos ao país.

Ana Paula no Brasil x Coreia do Sul pelo Mundial de handebol da Dinamarca  (Foto: Wander Roberto / Inovafoto)
Ana Paula em ação no Mundial da Dinamarca, 
em 2015 (Foto: Wander Roberto / Inovafoto)


- Meu pai trabalhava como motorista e tinha um projeto do trabalho dele nos fins de semana. E como ele tinha que levar as meninas para treinar capoeira, eu ia para ficar com ele. Era o único momento meu com ele. Comecei a ir junto para ficar com ele e treinava também. Ficava lá a tarde inteira, e meu pai levava as meninas de volta depois, então, comecei a treinar. Depois, uma amiga que fazia capoeira me chamou para o handebol. Fui para ficar junto com a galera e me apaixonei - conta a maranhense.

Primeira técnica a dar chance para Ana Paula em São Paulo, Láusida Góes lembra que de cara percebeu que a menina era diferente. A treinadora se recorda da dificuldade da central para ir visitar a família, mas de sua força de vontade em vencer na carreira.

- Ela não tinha condições de ir sempre ver a família, a passagem era cara. Todos ajudavam. Uma vez a avó dela adoeceu e ela quase enlouqueceu aqui. Ela tinha uma pequena ajuda de custo e quando recebia gastava tudo em bolacha (risos). Quando ela treinou a primeira vez, não esqueço, ela bem magrinha, as pernas finas... Alta já, e saltava muito, saída quase meio metro do chão. E eu pensei: "Essa menina vai longe". Era geniosa, de personalidade forte, não se abatia com as dificuldades. Ia embora e voltava para São Paulo. Jogava com uma alegria sabe, que chegou me dar saudade agora - lembra Láusida.

Família de Ana Paula faz festa para acompanhar os jogos da seleção de handebol (Foto: Reprodução/Facebook)
Família de Ana Paula faz festa para acompanhar 
os jogos da seleção de handebol 
(Foto: Reprodução/Facebook)


No Mundial de 2015, na Dinamarca, Ana Paula esteve em quadra na derrota do Brasil para a Romênia nas quartas de final. Chorou, se decepcionou com o revés, mas fez uma grande competição.
Nos bastidores, viu seu nome circular como um dos favoritos a ganhar o prêmio de jogadora mais valiosa (MVP) após suas atuações na primeira fase. A queda precoce, contudo, fez tudo cair por terra. Agora, após o título da Champions, Ana esta novamente no bolo de grandes jogadoras do mundo, mas não foca em ser a melhor do mundo, como já foram Alê Nascimento e Duda.

- Tudo é consequência do trabalho. Não é algo que fica na minha cabeça como uma obrigação: "Eu tenho que ser a melhor do mundo, eu tenho que ser a melhor do mundo....". Não é algo que eu tenho que ser. Se tiver que ser, vai ser. Penso mais em trabalhar, tentar fazer melhor. O que vier é consequência - diz a jogadora.


FONTE:
http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/handebol/noticia/2016/07/vaquinha-72h-no-onibus-o-caminho-de-ana-paula-ate-terceira-olimpiada.html

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