terça-feira, 10 de março de 2015

Livio Oricchio: Alonso e as decisões erradas na F-1. Vettel, sempre certo

Especialista fala da saída do espanhol da Ferrari, relembra opções e comenta ida para a McLaren, fazendo uma comparação com o alemão, agora na escuderia italiana


Por
Nice, França
 
Header LIVIO ORICCHIO F1 (Foto: Infoesporte)
O que há de comum entre Fernando Alonso, estreante este ano na McLaren-Honda, possivelmente a partir do GP da Malásia, no dia 29, campeão do mundo em 2005 e 2006, pela Renault, e Sebastian Vettel, agora na Ferrari, vencedor do Mundial de 2010 a 2013 com a RBR-Renault? Pensando bem, a questão expõe melhor o tema desejado se formulada de maneira oposta: em que ponto Alonso e Vettel divergem frontalmente?

Curto e grosso: na hora de definirem seu futuro. No caso da F-1, por qual equipe irão competir nas temporadas seguintes. Alonso, invariavelmente erra. Vettel, acerta. Nos casos de os pilotos terem opção de escolha, definir o time na F-1 quase sempre representa uma decisão difícil. No fundo, é uma aposta. Uma aposta de alto risco.



Alonso _McLaren (Foto: F1 Fanatic)
Alonso fechou com a McLaren para a 
temporada (Foto: F1 Fanatic)


Como o regulamento da F-1 exige que cada escuderia conceba e construa seus carros, todos competem com equipamentos distintos, à exceção dos companheiros de equipe. Não há garantias de que o carro do ano seguinte será igualmente eficiente ou se tornará veloz e confiável. Em outras palavras, se vai permitir a seus pilotos obter sucesso ou apenas serem coadjuvantes do espetáculo.

Quando os pilotos acertam em cheio nessa aposta, podem entrar para a história como um fenômeno. Foi o que aconteceu com Vettel na RBR, onde c

onquistou quatro títulos, 38 das 39 vitórias e 44 das 45 pole positions. Mas, na eventualidade de apostarem errado, o custo pode ser elevado. Por vezes, não mais vencerem o campeonato, a exemplo do que Alonso experimenta desde a tumultuada saída da McLaren-Mercedes no fim de 2007.

É exatamente na avaliação do momento de suas carreiras e ao projetar as perspectivas que podem ter numa outra escuderia que Alonso e Vettel mais se diferenciam entre si.




NÃO É SÓ QUESTÃO DE TALENTO

É preciso explorar uma particularidade da F-1. Muitas vezes, a oportunidade de se transferir de um time é criada pelo próprio piloto. E, por mais incrível que possa parecer, não apenas pelo que seu talento é capaz de produzir. Se fosse assim, Alonso, uma unanimidade na categoria quanto à competência, estaria sempre na melhor escuderia no seu instante de maior possibilidade de obter resultados. Os diretores das equipes levam muito em conta, também, o que um piloto é capaz de agregar ao grupo. Ou mesmo as cisões que pode provocar.

- Não adianta ter um piloto que mesmo com um carro não muito bom você sabe que terminará bem colocado se ele não consegue trabalhar coletivamente, gera intrigas no pessoal - disse Niki Lauda, ex-campeão do mundo e hoje diretor da Mercedes, no ano passado, sem especificar tratar-se de Alonso, mas claramente referindo-se ao espanhol.


Fernando Alonso Ferrari gp da Áustria (Foto: Agência Reuters)
Fernando Alonso pilotava pela Ferrari
(Foto: Agência Reuters)


Antes ainda das férias de agosto do ano passado, chamou Luca di Montezemolo e Marco Mattiacci, então presidente e diretor da Ferrari, para comunicar que estava deixando a escuderia no fim do ano. O próprio piloto contou a história para a imprensa.


- Foi a melhor opção para os dois lados - afirmou no Japão, no dia 2 de outubro.

Na etapa de Austin, nos Estados Unidos, 30 de outubro, o repórter do GloboEsporte.com perguntou a Alonso se, quando comunicou à direção da Ferrari que sairia, tinha já outra proposta nas mãos. Ele respondeu:

- Não. A partir daí saí a campo para negociar - relatou Alonso, que apostou que, por ser considerado o mais completo, as portas se abririam para ele. Estava enganado.



RBR OU MERCEDES: SEUS CAMINHOS

Ele tinha duas grandes esperanças. A primeira era ser escolhido por Helmut Marko e Christian Horner, os profissionais que decidem os pilotos da RBR. Vettel, todos sabiam, mesmo antes do anúncio da sua saída, dia 3 de outubro, estava de partida para a Ferrari. Sua vaga ficaria livre.
O outro sonho de Alonso, ainda maior, era correr, este ano, ao lado de Nico Rosberg na Mercedes, organização que dominava tudo na temporada passada.

Lewis Hamilton, bastante descontente com a sua situação na equipe, já que se sentia preterido por conta de Rosberg ser alemão, poderia aceitar o convite que Ron Dennis lhe fez para voltar a McLaren, associada agora à Honda. E se Hamilton, visivelmente insatisfeito na Mercedes, atrás de Rosberg na classificação do campeonato, aceitasse a proposta de Dennis, haveria uma vaga no time mais eficiente da F1, a Mercedes. Era tudo que Alonso queria.




PRETERIDO, DE NOVO 

Mas o que aconteceu? No caso da RBR, todos viram o empresário do piloto, Luiz Garcia Abad, entrar e sair do seu "motorhome", na Itália e, depois, na sala de Horner no paddock de Cingapura, no dia 20 de setembro. Garcia não foi discreto ao falar com o diretor da RBR. Na sua cabeça e na de Alonso, as negociações estavam evoluindo.

Mas, para a surpresa e profunda decepção de ambos, na sexta-feira anterior ao fim de semana do GP do Japão, dia 3 de outubro, a RBR oficializou que Vettel deixaria a organização ao término do ano e o seu substituto seria o russo Daniil Kvyat, de 20 anos, então na STR. Alonso e seu empresário souberam da escolha através da imprensa. Em conversa com o GloboEsporte.com, ainda em Monza, Marko comentou a respeito de Alonso ficar com o lugar de Vettel.


- Fernando conosco? Não sei, ao certo, como é trabalhar com ele, mas tudo o que ouvimos é que é um homem difícil. Acho que não funcionaria no nosso time.

Daniil Kvyat no dia 4 de testes da Fórmula 1 em Jerez de la Frontera (Foto: Divulgação)
Daniil Kvyat, o piloto russo de apenas 
20 anos (Foto: Divulgação)


Quanto à Mercedes, a maré virou a favor de Hamilton a partir do GP da Itália, dia 9 de setembro, em Monza, quando arrancou para uma série de cinco vitórias espetaculares, praticamente garantindo o título, o segundo da carreira. O pior foi Alonso e Abad saberem o que Toto Wolff, diretor da Mercedes, disse numa entrevista, quando estava clara a ida de Hamilton, como não poderia deixar de ser, honrar o contrato com os alemães.

- Não consideramos a possibilidade de contar com Alonso.

O compromisso do inglês campeão do mundo em 2008 e 2014 com a Mercedes termina no fim do ano. E deverá ser estendido. Como Marko, Wolff sequer aventou a possibilidade de ter Alonso da equipe. O piloto mais completo em atividade, de novo, se via com uma única alternativa para seguir na F-1: aceitar o convite de Ron Dennis para regressar à McLaren, de onde saiu no fim de 2007, tendo ainda dois anos de contrato pela frente. Foi de interesse do piloto e de Ron Dennis a rescisão, depois da guerra que se estabeleceu entre ele e o companheiro, Hamilton.

A exemplo do que ocorreu no fim do ano passado, em 2007, Alonso também estava sem ter para onde ir. E teve de correr por onde dava, a Renault, time que tinha sido bicampeão com ele pouco antes, em 2005 e 2006, mas que se desmantelara. Com os pilotos Giancarlo Fisichella e Heikke Kovalainen, a Renault acabou o campeonato em terceiro, com apenas 51 pontos, diante de 204 da Ferrari, campeã, e 101 da BMW Sauber. 




RBR, OPÇÂO EM 2008

Vettel com Adrian Newey comemoração título GP da India (Foto: Reuters)Vettel com Adrian Newey (Foto: Reuters)


Nem todos sabem. Mas, nessa época, Alonso recebeu o único convite que teve até hoje da RBR. Adrian Newey já era o diretor técnico e estava montando a estrutura que iria fazer do time austríaco um modelo de organização. Mas seria preciso esperar 2008. Isso porque, em 2009, estrearia um regulamento completamente novo, com severas mudanças na aerodinâmica dos carros. Newey se concentraria em 2008 a trabalhar no projeto de 2009.

Alonso não aceitou o convite. De novo, avaliou mal o cenário. Os números pareciam lhe dar razão no fim daquele ano, 2008. A RBR, sempre com motor Renault, disputou temporada bastante fraca, ao terminar com David Coulthard e Mark Webber em sétimo, com apenas 29 pontos, atrás até mesmo de sua outra escuderia, STR-Ferrari, com 39 pontos.

Mas já havia sido antecipado ao espanhol que o foco de Newey, em 2008, estaria nos campeonatos seguintes, pois os projetistas tinham pela frente um desafio bem distinto de tudo o que se fazia na aerodinâmica da F-1 há dez anos. Seria uma grande chance para a criatividade de Newey conceber algo inovador, capaz de fazer escola e, principalmente, tornar a RBR uma equipe vencedora.

Em 2009, Vettel, com o carro que Alonso não acreditou ser possível a RBR construir, disputou o título com Jenson Button, da Brawn GP, cujo modelo era equipado com o polêmico difusor duplo, até as últimas etapas. E, nesse mesmo ano Alonso, com a Renault, não foi além do nono lugar no Mundial de Pilotos, com 26 pontos, enquanto Vettel ficou com o vice, contabilizando 84. Button conquistou o título, com 95.

Sem perspectiva na Renault, Alonso aceitou o desafio de correr pela Ferrari a partir de 2010. E cinco anos mais tarde, no fim de 2014, o espanhol anunciou sua saída, fez elogios desmedidos ao projeto da McLaren e da Honda, para onde se transferiu.




A DURA REALIDADE DE HOJE

Terminada a pré-temporada, no dia 1 de março, quais as perspectivas de Alonso? Primeiro, recuperar-se do estranho e ainda não explicado acidente no dia 22 no Circuito da Catalunha. Não disputa o GP da Austrália no próximo fim de semana, mas deve correr na Malásia, duas semanas mais tarde. Recomposto fisicamente, ele vai torcer para que o modelo MP4/30-Honda o permita participar normalmente dos treinos livres no Circuito de Sepang, próximo a Kuala Lumpur, e depois completar os 305 quilômetros da corrida. O projeto, apesar de avançado, não demonstra resistência para disputar um fim de semana de GP.

Enquanto a Mercedes completou 6.107,2 quilômetros nos testes de Jerez de la Frontera e Barcelona, este ano, a McLaren-Honda, apenas 1.750,9. E seu ex-time, a Ferrari, que Alonso afirmou não confiar poder construir um carro competitivo, 5.395,7 quilômetros, com tempos que sugerem estar quase no mesmo nível da Williams-Mercedes, a esperada segunda força no começo do campeonato.


jenson button fernando alonso mclaren formula 1 carro novo (Foto: Site Oficial McLaren)
Alonso e Jenson Button na McLaren 
(Foto: Site Oficial McLaren)


Em suma, o melhor piloto da F-1 de novo se encontra numa situação difícil. E, dentre os profissionais do evento, a maioria concorda que a razão é, mais uma vez, a forma como Alonso conduz seu futuro, decorrência de como trabalha o seu presente.

- Se tivesse permanecido na McLaren (no fim de 2007) acredito que teria sido campeão do mundo uma ou duas vezes”, afirmou ninguém menos de Bernie Ecclestone, promotor da F1, no ano passado. Hamilton, que ficou na McLaren, venceu o campeonato de 2008.



ROENDO AS UNHAS

E o que não deve estar pensando agora o próprio Alonso, ao ver Vettel com o carro da Ferrari que seria seu, como foi o RBR de 2009, apresentar-se para o início do Mundial em condições muito melhores que as do ano passado. Pior: conhecendo o atraso na preparação do projeto da McLaren-Honda.

O que de novo está se apresentando ao fã da F-1 é que Alonso terá de usar todo o seu imenso talento e vontade de trabalhar, não muito demonstrada na Ferrari, segundo fontes, para levar o projeto da McLaren-Honda se tornar minimamente competitivo até a metade do campeonato. Por si só, já um desafio.



E VETEL ONDE ENTRA NESTA HISTÒRIA?

Vettel Ferrari F1 (Foto: Mark Thompson / Getty Images)Vettel está na Ferrari (Foto: Mark Thompson / Getty Images)


O primeiro a ser destacado é a falta de visão do diretor da BMW, Mario Theissen, que simplesmente concordou em liberar o talentoso alemão de 20 anos para a STR em 2007, a fim de substituir o norte-americano Scott Speed, por desempenho abaixo do esperado, a partir do GP da Hungria. A BMW tinha Vettel sob contrato. A montadora alemã permaneceu na F-1 até o fim de 2010 e poderia ter Vettel como piloto, ao lado de outro talento, o polonês Robert Kubica, mas Theissen optou por manter Nick Heifeld na equipe.

Em 2008, Vettel impressionou a todos ao aproveitar-se bem do fato de a STR competir com o chassi da RBR, equipado com motor Ferrari, e permitir ao segundo time da RBR disputar a melhor temporada de sua história, com vitória e pole position no GP da Itália, em Monza.


Ambas obtidas por ele.

Vettel também acreditou na estrutura que Newey estava criando para a RBR e sabia que, com a sua capacidade de engenheiro, os recursos disponíveis e a mudança drástica do regulamento, em 2009, os resultados viriam de alguma forma. Recentemente, Vettel confessou que a Ferrari o convidou para, já nessa época, pilotar os carros vermelhos, pois seu talento era evidente, apesar dos 20 anos, e por ser um sonho defender a escuderia de seu ídolo, Michael Schumacher.




TIRO CERTEIRO

Mas Vettel decidiu honrar a oferta da RBR, de quem já era piloto na STR e, como de hábito, deu certo. Em 2009, o jovem alemão disputou o título. Terminou vice-campeão. De 2010 a 2013, conquistou quatro títulos. A RBR levou o de construtores. Vettel estabeleceu recorde atrás de recorde, transformando-se num fenômeno de precocidade, possível apenas a quem é talentoso e enxerga com clareza as melhores opções profissionais.

Nesse mesmo espaço de tempo, Alonso, na Ferrari, conseguiu ser vice em 2010, quarto em 2011, e vice em 2012 e 2013. No ano passado, com outra revisão conceitual técnica na F-1, a maior de sua história, com a introdução das unidades motrizes híbridas, tanto Vettel quando Alonso sofreram com suas escuderias e a pouca eficiência das unidades motrizes da Renault e Ferrari.

Mas, nesse instante, Vettel compreendeu que, além da desaconselhável nova concorrência interna com Daniel Ricciardo na RBR, para quem perdera feio em 2014, a estrutura vencedora montada por Newey estava em xeque. Sua capacidade de produzir carros tão eficientes como os de 2009 a 2013 foi reduzida, já que Newey passou a ser apenas consultor, além a importância assumida pelas unidades motrizes. Enorme. O melhor a fazer era mesmo deixar a RBR.




PERSPECTIVAS ELEVADAS

Ninguém sabe como a nova administração da Ferrari vai se sair este ano, pois seu líder, Maurizio Arrivabene, não tem experiência na condução de uma equipe de F-1. Mas era já esperado que, com a chegada de engenheiros competentes (como foi o caso de James Allison, o novo diretor técnico, ex-Lotus, e a dispensa de outros que pouco demonstraram, como Pat Fry, na área de chassi, e Luca Marmorini, unidades híbridas), a Ferrari produzisse, este ano, um modelo bem mais eficiente que o de 2014.

Enquanto Alonso não acreditou nessa possibilidade, Vettel apostou tudo. E ao menos por enquanto, embora as coisas mudem rápido na F-1, o alemão mais uma vez demonstrou ter decidido certo. E Alonso, também de novo, errado. O que pode lhe custar, talvez, encerrar a carreira com apenas dois títulos mundiais, mesmo sendo um dos maiores pilotos de todos os tempos. Nunca é demais lembrar que o espanhol vai completar 34 anos de idade dia 29 de julho. E Vettel, 28, dia 3 de julho.


FONTE:
http://glo.bo/1MqqAJQ

Nenhum comentário: