sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O CÉREBRO DE MARCELO OLIVEIRA UM TÉCNICO MODERNO À MODA ANTIGA

À frente do Cruzeiro há mais de um ano e meio, treinador, com temperamento "certinho", faz time jogar futebol moderno, veloz e com arte rumo ao segundo título seguido no Campeonato Brasileiro. Saiba o que se passa em sua mente.



Os cabelos estão longe dos longos exibidos nos anos 1960 e 1970. Mas naquele espetáculo de 4 de maio de 2013 pareciam ainda balançar ao vento no Mineirão. Não, não era uma das arrancadas do meio de campo na época do Galo encantador em que ele, Reinaldo, Cerezo, Paulo Isidoro & Cia deitavam e rolavam. Não, não era também nenhum tipo de orientação à beira do campo quando comanda o seu Cruzeiro, time que há mais de um ano e meio joga o futebol mais eficiente e bonito do Brasil. Marcelo de Oliveira Santos Uzai se permitiu voltar no tempo para reviver outra emoção à flor da pele. Soltou a voz na estrada - não a de Milton Nascimento, um de seus favoritos. A travessia foi outra: para Liverpool, para a beatlemania, no show inesquecível de Paul McCartney. Marcelo não chorou. Mas cantou como nunca "Let it be". O estilo contido, a fala mansa, moderada - porém firme - do homem tranquilo, racional, equilibrado, deu lugar ao coração de estudante.
Deixa estar. É raro, muito raro, isso acontecer. Seja ouvindo no carro o pagode do Raça Negra no caminho da Toca da Raposa II, seja falando dos filhos, da família, orientando os jogadores e administrando os inúmeros egos, discutindo o esquema com o trio inseparável da comissão técnica que levou para o Cruzeiro, Marcelo Oliveira dificilmente sai do tom. Nem quando conta piadas na concentração nem quando bebe vinho noite adentro com o amigo Nelinho, ídolo das duas torcidas mineiras, dono de uma das maiores bombas atômicas da história do futebol. "Você vai se decepcionar comigo. Sou um homem muito simples", disse Marcelo em forma de aviso ao sair do prédio em que vive no bairro do Anchieta, em Belo Horizonte.
No caminho para o trabalho - e logo depois de mais um treino cheio de variações táticas -, mostrou o estilo que, embora sistemático, o torna um dos personagens mais interessantes do confuso futebol brasileiro. Ao decifrar a mente desse homem comum, entusiasta do jogo bonito, dos toques rápidos, dos deslocamentos constantes, da forte marcação, notam-se várias referências. Seja da Alemanha tetra no Brasil ao Brasil tricampeão e ao Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, do Barça de Messi ao Flamengo de Zico, do Bayern de Robben ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Jairzinho. Percebem-se também influências de Telê, Claudio Coutinho, Barbatana, Levir Culpi. Não à toa, já são 103 partidas no comando de um futebol celestial com números impressionantes. À luz da emoção, da razão, da memória, da análise e da disciplina, seja pelos seus depoimentos ou de gente como Tostão, Nelinho, Paulo Isidoro, Tico e Ageu, ex-jogadores e amigos, dá para concluir: sim, Marcelo Oliveira é um técnico moderno à moda antiga.

EMOÇÃO

Ouvindo Raça Negra no caminho para o trabalho... Gosta de pagode, Marcelo?
Gosto de tudo, da música boa. Acho as músicas muito boas. E lembram uma fase da minha vida que eu ia muito para Cabo Frio passar férias com a família. Nessa época estava tocando muito Raça Negra.
E do que mais gosta? Conte sua preferência musical...
Ah, meu gosto musical... Gosto muito de MPB. Tem uma rádio aqui de Minas que só toca MPB. Aí você ouve músicas um pouco mais antigas do Chico Buarque, Caetano, Milton Nascimento... De uma forma geral, é bem diversificado. O Chico me lembra épocas importantes, embora ele estivesse um pouco mais afastado. Tem muita coisa boa aí.. Mas tem muita coisa ruim também. Essas letras de funk... Gosto da batida, mas as letras é que são mais estranhas.
O seu cabelo anos 70 dava a impressão de que fosse roqueiro. Tem um lado para o rock?
Sem dúvida. Essa minha geração ouviu muito Beatles no auge deles. Fui um beatlemaníaco. Estive no show do Paul McCartney aqui em Belo Horizonte, me emocionei muito. Não cheguei a chorar, mas cheguei a cantar, coisa que não faço muito bem. Sou muito ruim, mas é emocionante ver um ídolo daquela época. Lembro que tinha um cabelo grande, a maioria dos colegas da mesma idade também. Peguei uma foto recentemente, a gente tinha costeleta grande. Engraçado ver aquilo novamente. Curti Elvis também. Jovem Guarda, Roberto, Erasmo...
Que música dos Beatles cantou naquela emoção toda?
"Let it be", "Hey Jude"... Essas duas são músicas que cantei muito quando era jovem, era qualidade boa também. Não à toa eles foram a banda que mais tocou, mais vendeu, mais empolgou. Gosto também do Pink Floyd, uma ou outra música. A Rita Lee, aqui do rock brasileiro, também, com os Mutantes, chegou a fazer sucesso.
Show de Paul McCartney no Mineirão emociona Marcelo Oliveira, que canta "Let it be"
Arquivo / Agência Estado
E viajar? Era bicho-grilo ou sempre foi mais caseiro?
Eu vim para jogar muito novo, com 14 anos. Minha carreira foi muito rápida. Com 16 anos fiz minha primeira viagem um pouco mais longa. Fui convocado para a seleção para jogar o Torneio de Cannes e aí viajamos para a África e posteriormente para a França. E aí virou uma rotina. Todo ano praticamente eu viajava com a seleção de base e também com o Atlético, os clubes faziam aqueles torneios internacionais na Espanha, tinham aquelas excursões a cada ano. Há pouco tempo eu estava botando no papel. Eu viajei para 28 países, sendo que em alguns países mais de uma vez. Só que a viagem do jogador é muito específica. Você tem muito pouco tempo para sair, para conhecer. Por mais que faça viagem e seja uma experiência importante para contato com outras pessoas, para conhecer, para abrir a cabeça para novas ideias, a viagem do atleta profissional é muito restrita. São muitos jogos em pouco tempo, você fica sem conhecer, diferentemente de um turista, de uma pessoa comum...
Sempre gostou da abordagem, do assédio da torcida?
O reconhecimento é fundamental, é gratificante ver um trabalho reconhecido. E nada melhor que esse reconhecimento vir do torcedor, da abordagem, da palavra de apoio, carinho. Claro que em Minas aumentou muito essa situação. Às vezes saio, mas me sinto mais discreto no canto, porque aumentou muito. Às vezes em algum momento eu preciso conversar com a esposa, com um amigo. Mas é uma coisa que fortalece, estimula, não deixa de ser o reconhecimento pelo trabalho executado, o trabalho feito.
Teve uma hora, no trajeto para a Toca, que disse ter feito uma oração antes. É uma pessoa de muita fé, tem religião?
Minha esposa, a família dela e minhas filhas são muito religiosas. Frequentam a Igreja Católica. Eu também, mas nem sempre posso ir. Quando possível, vou domingo de manhã. Mas tenho fé sim. Nada é por acaso. Tem algo maior que nos orienta, nos leva, e minhas orações são mais rápidas. Mas sempre faço minha oração para iniciar o dia e faço também ao término do dia em agradecimento a tudo o que aconteceu. Acredito em Deus, acho que a nossa mente tem que ser nutrida sempre para você caminhar bem, fazer o melhor trabalho, de forma leal, lidar bem com as pessoas no dia a dia, poder ajudar alguém, poder encaminhar alguma coisa boa também.
TICO (auxiliar técnico)
E naquele jogo que o Marcelo deu uns pulos para comemorar um gol, com uma dança (contra o Botafogo, ano passado, pelo Brasileiro)? Aquilo ele não costuma fazer...
Tico: O Marcelo é muito ponderado. Foi um êxtase. Ele é até brincalhão, conta piadas, mas é mais para o grupo. Tem umas infames, nem dá para contar não. É um bom contador de causos. Mineiro gosta de contar causo. Ele é muito tranquilo no dia a dia, o trabalho fica muito calmo. Não fica acelerando na hora errada, dando bronca. É firme na cobrança, chama a atenção do cara.
O Juvenilson de Souza (preparador físico) estava lembrando que uma vez lá no Paraná ele explodiu com o grupo no vestiário, no intervalo do jogo...
Tico: A gente estava perdendo por 1 a 0 e ele virou para 6 a 1, na Copa do Brasil. Foi contra o Cerâmica, em 2010. Eu nunca vi o Marcelo daquele jeito. Ele xingou demais e falou cinco minutos. Aí os caras falaram: "E agora"? "Agora vocês vão entrar lá e resolver esse negócio."
Qual é a história mais divertida?
Tico: Teve um dia que numa palestra ele foi chamar um cara do Coritiba ou do Paraná, não lembro. Era Pará, ele chamou de Ceará. Aí ele falou: "É tudo estado do Brasil..."
NELINHO (ex-jogador)
O Marcelo tem um lado bem-humorado, mais alegre? Todo mundo vê aquele lado dele mais certinho. Ele gosta de uma cerveja?
Nelinho: Ele é sério na hora em que está trabalhando, mas é engraçado demais, bem-humorado demais. Conversa sobre tudo o que você quiser. Excelente de resenha, com jogadores, com qualquer um. Quanto à cerveja... Olha, ele gostava de cerveja. Mas eu fiz a cabeça dele. Hoje está só no vinho. E cada vez se aprimora mais. Há mais de 20 anos que não tomo cerveja, só vinho. E aí quando eu saía com ele, ele sempre tomava cerveja. Minha mulher, que só gosta de tomar uísque, tinha que beber vinho comigo para ele poder beber a cerveja dele. Aí ele começou: "Pô, deixa a sua mulher beber o que ela gosta, eu deixo a cerveja e tomo o vinho." Começamos. E o preço é outro. Aí ele ficou meio assim... Começamos bem baratinho, mas já aprimorou o paladar. Agora é só vinho bom. Tem uns que um amigo dele arruma lá de Curitiba. Um italiano bom demais. Argentino, chileno. Quando a gente sai, o nosso limite é uma garrafa. Cada um bebe meia garrafa. É muito difícil passar disso.

RAZÃO

Gostava muito de carros nos tempos de jogador? Trocava constantemente?
Eu gostava muito de carros sim, e gosto. Mas não era de ficar trocando a todo momento. Muito pelo contrário. Quando jogava, comprava o carro que eu gostasse, mas quando tinha a oportunidade de um imóvel... Eu sempre fui muito preocupado com isso, de fazer um patrimônio para depois usufruir disso. Algumas vezes já troquei o carro, peguei um menor, mais barato, para poder usar o meu dinheiro e comprar alguma coisa. Isso eu até comento com alguns jogadores como orientação. A gente só precisa do carro para locomover, e qualquer carro pode nos levar. Mas normalmente os jogadores vêm de família simples e acabam realizando esse sonho. Mas quando é de forma exagerada perde-se muito dinheiro. Eu não concordo com isso e até oriento os jogadores com quem trabalho.
E eles ouvem?
(Risada) Pelo menos a gente tenta, né? Acho que já é alguma coisa. Acredito que alguns, sim. Tenho relação muito próxima com alguns com quem trabalho há mais tempo. Às vezes falo: "Se eu estivesse jogando hoje, faria exatamente assim." Fico orientando. Também não acompanho direto. A gente fala e espera que eles possam colher alguma coisa boa.
Pode citar algum exemplo?
Se eu fosse um jogador hoje compraria imóveis comerciais, lojas, salas, e faria uma meta, um objetivo de quanto eu precisaria para ter uma renda que me desse tranquilidade no futuro - exemplo: 30 mil reais, 40 mil reais, 25 mil reais - e tentaria fazer, ao longo da carreira, cumprir essa meta para que pudesse ter essa renda. Aliás, aquelas duas lojas ali são minhas (aponta para as lojas à esquerda no trajeto de carro até a Toca da Raposa II). Aquela amarelinha ali e a do lado dela. O imóvel que é meu. Uma é uma imobiliária, e a outra é um restaurante japonês. Esse tipo de coisa o jogador pode criar como objetivo, como meta. A carreira passa muito rápido. O jogador de futebol dificilmente consegue fazer uma faculdade jogando num grande clube, teria que fazer um sacrifício muito grande para que isso acontecesse. Então ele tem que fazer um patrimônio para posteriormente ter tranquilidade para adaptação a outra profissão..
Sempre foi assim? Desde o começo da carreira tinha esse foco?
Eu sempre fui muito orientado. Vim de uma família muito simples, mas que me deu uma educação muito boa. Meus irmãos me orientavam muito. Sempre tive essa consciência. Acho que hoje, ainda mais o jogador que joga num grande clube, cujos valores de salários são maiores, pode fazer esse tipo de coisa
Marcelo Oliveira orienta jogadores nos treinos e fora de campo na vida pessoal
Washington Alves/Vipcomm
Está bem de vida, Marcelo?
Tenho o necessário para viver, um pouco do que armazenei de quando jogava e um pouco de quando já trabalhei como técnico. Passo muito isso para os jogadores. A gente trabalha alguns dias em dois períodos, mas a maioria com o campeonato em andamento trabalha em um período só. Trabalhando três, quatro horas por dia fazendo o que gosta e ganhando para isso. Precisamos dar muito valor. Nunca devemos estar abatidos ou desanimados para vir para o trabalho. Precisa vir com muito prazer. É um privilégio muito grande fazer o que gosta. Eu nunca vi um jogador de futebol nesses longos anos trabalhando ou jogando que dissesse que jogava mas não gostava de futebol. Então é preciso pensar muito nisso para que a dedicação e o comprometimento sejam ainda muito maiores.
No tempo que jogava, os salários não eram tão altos como os de hoje. Poderia dizer que já ganhou mais dinheiro na carreira de treinador do que na de atleta?
É relativo. Quando eu jogava, os atletas mais antigos também achavam que a gente ganhava mais do que eles. Esse comércio do futebol, esses valores foram ampliando. Os clubes passaram a ter mais patrocínio. As coisas foram mudando. Eu tinha mais facilidade no tempo que eu jogava. A minha meta era que a cada temporada eu comprasse um imóvel. Hoje, trabalhando num grande clube, embora o imóvel esteja muito mais valorizado, existe ainda essa possibilidade. É bem equiparado, está bem próximo daquilo que acontecia no tempo que jogava.
O técnico está mais valorizado hoje? Como compara os treinadores que o comandaram com os atuais quanto à valorização profissional?
Os treinadores têm uma boa condição de trabalho, com CTs que os clubes têm, as estruturas que foram criadas. E mesmo assim nem todos têm. Quando trabalhei no Vasco tive essa dificuldade de boa estrutura de trabalho, de treinamentos. Isso agrega muito, facilita o trabalho no dia a dia. Só que, com a ampliação do comércio do futebol, cresceram também outros aspectos, inclusive a pressão em cima do treinador, o que gera uma instabilidade na profissão. Por isso um resultado passou a ser mais importante do que o valor ao bom trabalho. É uma profissão na qual você deve sempre gerar bons resultados. Existe uma impaciência com relação a isso que faz com que os clubes brasileiros troquem constantemente de técnico.
Sonha com seleção brasileira?
Chegar à Seleção é o ápice da carreira, mas tudo acontece no momento certo. Agora, só penso no Cruzeiro, na manutenção do bom trabalho que estamos fazendo por aqui e nos títulos que estamos disputando.

ANÁLISE

Queria saber sua impressão sobre a Copa do Mundo.
Gostei muito da Copa. Primeiro, a coisa fora do campo. A organização, as coisas parece que funcionaram muito bem, o Brasil deixou ótima impressão. Em relação à seleção brasileira, houve uma frustração. Jogando no Brasil, a gente esperava que a Seleção se apresentasse melhor e pudesse ir à final e almejar o título. Acho que a Alemanha mostrou um futebol solidário, uma seleção que tem um trabalho de mais tempo, e isso conta muito. Não existe futebol sem treinamento. Você formar uma equipe sem trabalhar muito, sem preparar muito. Como o Brasil não jogou as eliminatórias, teve essa dificuldade. Reunia-se para um jogo ou outro. Às vezes jogos de confrontos mais fáceis, de caráter mais político do que de teste, e isso dificultou um pouco o trabalho.
Muito se falou que a Alemanha praticou um futebol moderno, diferente. Há quem diga que o futebol brasileiro já praticou esse futebol da Alemanha e não houve nada de novo neste mundial em termos táticos. Qual a sua opinião sobre isso?
O que a Alemanha mostrou foi um trabalho de equipe muito bem-feito. Ninguém aparece mais do que o outro, todo mundo participa. Era comum você ver no time dez jogadores atrás da linha da bola marcando e encurtando muito o adversário, e ao mesmo tempo chegava com sete, seis jogadores na linha de ataque. E eles tinham uma coisa que eu gosto muito, cobro muito, que é uma movimentação, uma troca de posição, mas bem organizada. A gente sentia que era uma coisa bem treinada, ensaiada. A essência do futebol é simples. As grandes equipes que eu vi jogavam de forma simples: dois toques, movimentação. A Seleção do Telê de 1982, o Flamengo de 1981, 1982 do Zico, do Adílio. Habilidade, mas fazendo o trabalho sempre mais coletivo também. Difícil às vezes é fazer o simples. É trabalhar muito para que saia bem.
Tem muita gente vendo semelhanças entre Alemanha e Cruzeiro...
Procuramos fazer um futebol de toques rápidos. Já fazíamos isso até em 2013. Em alguns momentos o time encantou no campeonato passado. Ganhamos de forma antecipada. Saíam muitas jogadas assim. A gente trabalha muito isso. Algumas equipes do Brasil que têm atuado bem podem melhorar a constância. Tentar fazer durante todo o tempo. Às vezes o jogador brasileiro se mobiliza e desmobiliza muito rápido. Faz dois gols e acha que o jogo já está definido, deixa cair um pouco. Então, essa é a cobrança. De fazer um jogo sempre constante, com toques rápidos, boa marcação, troca de posição, ultrapassagens, triangulação. O Cruzeiro em algum momento fez isso muito bem.
Alemanha compacta na marcação, dando poucos espaços, é exemplo para Marcelo Oliveira
Washington Alves/Vipcomm
Na sua opinião o Brasil parou taticamente? Como avalia o futebol brasileiro?
No Brasil existe uma cobrança de que sempre jogou em função de individualidades. Quase todas as seleções tinham pelo menos dois, três jogadores acima da média. Hoje isso é mais raro. Tem o Messi, tem o Neymar no Brasil... Mas as seleções jogam mais coletivamente. O Brasil já não produz tantos foras de série como antes porque já não tem mais o campo de pelada. Acho que isso é uma situação que modificou um pouco. Como o futebol está muito físico, muito tático, é necessária a participação de mais jogadores. E acho que no Brasil não há muitos trabalhos a longo prazo. Os trabalhos são curtos. Muda-se muito de técnico, saem muitos jogadores quando o time está bem, por necessidade financeira. Isso atrapalha muito o trabalho. Com trabalhos mais planejados, mais tempo, as equipes brasileiras vão jogar ainda melhor.
Uma vez você falou que o toque de bola do Barcelona chegou a ser uma inspiração. Inspirou-se nele para montar o esquema do Cruzeiro?
Sempre pensei e aprendi com o Telê Santana, que foi o meu técnico. Você tem muitas bolas ali no campo, fora do campo. Mas dentro só tem uma. Se está com a bola, o adversário não vai fazer o gol. Agora, se está com a bola e jogadores técnicos, pode progredir rapidamente e criar situações para utilizar-se dessa boa técnica, de boa organização, para chegar ao gol adversário. Então, posse de bola é muito importante no futebol porque marcar é sempre mais complicado do que jogar. Quando joga você tem o prazer de ter a bola, aí as coisas se tornam mais tranquilas.
A compactação do time catalão também serviu de inspiração?
Fundamental. A Alemanha fez isso muito bem, o Barcelona, o próprio Bayern. Você fazer com que o jogador, quando não tem a bola, possa estar atrás da linha da bola com o número igual ou superior ao adversário. É o que a gente tenta fazer no Cruzeiro, pelo menos a ideia é essa... o jogo de futebol hoje, se você não marcar, perde. Tem que marcar sem a bola e procurar marcar bem. Pode tentar marcar com jogadores técnicos. Fazer com que o jogador criativo e técnico participe da marcação. Porque na retomada vai sair coisa boa.
É a questão do atacante participativo, que não fica fixo, os meias que ajudam, os volantes que saem para jogar, tudo isso a gente vê hoje...
O Cruzeiro joga hoje com dois segundos volantes. O Henrique era o segundo volante no Cruzeiro, no Santos. O Lucas Silva é o segundo volante. A gente só exige, orienta, para encurtar mais, para marcar mais, para eles terem a bola e utilizarem dessa técnica para fazer o time jogar.
Esse esquema do 4-2-3-1, que você adota... Antes do Cruzeiro, o Corinthians, na Libertadores e no Mundial de 2012, já o tinha usado. Inspirou-se também no Corinthians?
Eu fazia isso no Coritiba também, o Coritiba jogava assim. Qualquer esquema ou qualquer distribuição numérica que você faça pode dar certo, fazer com que o time jogue. O melhor sistema é tentar utilizar os melhores jogadores no momento. E a partir dos melhores jogadores e suas características, montar o seu esquema. O Cruzeiro em algum momento joga com quatro atacantes, porque quando tem a bola o Éverton Ribeiro se adianta, o Marquinhos se adianta, o próprio Ricardo Goulart. E quando está se defendendo, com o Ribeiro voltando, quase vira duas linhas de quatro. O Marquinhos para um lado, o Ribeiro para o outro. Então é bem flexível, não tem uma coisa garantida e fixa. Todos podem participar, inclusive com a bola, para que haja uma movimentação constante.
No Coritiba acha que teve todas as peças certas para fazer isso?
O Coritiba é interessante porque quando chegamos lá o time engrenou e o tornamos o time de mais vitórias (24 seguidas, entrou para o Guiness) e ganhamos da maioria dos times grandes de Curitiba de quatro, cinco... Esse time era muito incisivo jogando no Couto Pereira. Adaptamos algumas peças, e os jogadores cresceram muito com o ambiente. Tínhamos o Rafinha do lado direito, o Marcos Aurélio pelo meio, o Deivid pela esquerda e o Bill. Esses jogadores combatiam muito e sabiam jogar. Léo Gago e Leandro Donizete também encaixaram bem. Então foi um período muito bom.
Faltou algo para ter sido campeão?
Chegar a uma final é um grande mérito. E o Coritiba nunca tinha ido a uma final de Copa do Brasil. Chegamos dois anos seguidos enfrentando uma Copa que começa com 64 equipes, e esse trabalho foi muito reconhecido lá. A primeira Copa do Brasil que perdemos foi muito equilibrada entre Vasco e Coritiba. Perdemos fora de 1 a 0 e ganhamos em casa. E contamos com uma ou outra infelicidade também. E a do Palmeiras fomos muito prejudicados no primeiro jogo, lá em Barueri. Com o campo muito encharcado na segunda partida, a gente não conseguiu usar o nosso melhor jogo, que era de toque. Mas foram muito reconhecidas no Coritiba essas duas finais. Quem está chegando à decisão está muito próximo de ganhar. No Brasil parece que quem perde é um time que não estava preparado para ganhar.
Alguns jogadores que hoje formam a espinha dorsal do Cruzeiro não deram certo em alguns clubes, como Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart, Henrique, Egídio... Como fez para juntar esse grupo todo e fazê-lo render o que está rendendo no Cruzeiro?
A ideia inicial é que, vendo-os jogarem nos clubes, enfrentando esses jogadores, acompanhando os jogos, percebíamos que eram bons jogadores. Por algum motivo não estavam rendendo constantemente. Então eles vieram, e a gente trabalhou muito isso. Se você sabe jogar e joga em algum momento, pode jogar sempre. E aí é um exercício constante, diário, de dar confiança, apoio, assim como a gente faz com jovens jogadores. O Cruzeiro já vendeu o Vinicius, vendeu o Wallace, que eram jovens e cresceram rapidamente com o ano de trabalho, e temos agora o Mayke, o Lucas Silva e outros que estão crescendo também. É um trabalho diário não só do técnico, mas de toda a comissão técnica. Até porque eu não vejo como você obter êxito sem ser um trabalho em conjunto, um trabalho de equipe toda.
Qual o jogador que teve mais dificuldade deles todos?
O Henrique, quando chegou, acho que tinha uma pequena contusão de púbis. Ele demorou um pouco a engrenar. Tive uma conversa com ele no fim do ano passado. "Henrique, você é um ótimo profissional, já jogou muito bem. Mas para você jogar de volante, precisa marcar mais, se movimentar mais. E para fazer isso precisa treinar mais intensamente." Acho que ele entendeu a mensagem, a orientação. Voltou para a pré-temporada, era um dos mais dedicados e fazia depois do treino alguns trabalhos complementares. E se tornou um dos jogadores mais importantes do nosso time.
Queria que escolhesse jogadas que deram certo após terem sido ensaiadas exaustivamente e nas quais sentiu prazer enorme quando viu executarem com sucesso.
A jogada da partida contra o Náutico no ano passado, em que demos 19 toques na bola. Foi a capacidade de ter paciência, não deixar o adversário pegar na bola até que surgisse um espaço para que se concretizasse a jogada. Essa jogada de roubada de bola no campo intermediário por dentro com Ricardo Goulart, com Éverton Ribeiro. A penetração dos meias. Mas a que mais gosto, acho que já fizemos um gol assim, é a de contra-ataque. A hora em que você está sendo atacado ou um escanteio do adversário, essa bola sai e rapidamente chega no gol adversário. Não lembro se já aconteceu o gol. Mas é moderna, é bacana, quando vem tocando muito o adversário sempre se fecha e cria dificuldades. Quando você retoma a bola, é o que eu sempre falo para eles. Às vezes o melhor momento de fazer o gol é quando você é atacado, toma essa bola e chega rapidamente, acho que é muito interessante.

Como avalia esse tempo longo à frente do Cruzeiro?
Aqui no Cruzeiro, pelas reuniões constantes que a gente tem aqui, o trabalho é muito elogiado, muito acompanhado. As palestras são acompanhadas pela diretoria. Isso é muito gratificante. Agora, não deveria ser um sucesso ficar um ano e sete meses. Deveria ser uma constante no futebol brasileiro. Dar aos técnicos, independentemente de resultados imediatos, a oportunidade de trabalhar mais tempo, de formar a equipe, permanecer com grupos de um ano para o outro. Isso é importante para que se possa jogar melhor.
NELINHO (ex-jogador)
O que o Marcelo tem de mais diferente que o torcedor não sabe?
Nelinho: O negócio dele é mesmo futebol. Acho que ele não vê mais filme. Ele gosta de música, de tudo. Mas o negócio dele é futebol. Claro que ele é bastante família. Mas nunca vi um cara tão direcionado para aquilo que faz. O cara dá treinamento hoje, e eu sei que ele dá, porque a gente conversa sobre isso, de antigamente. Não é que seja novidade. É que o que antigamente se fazia hoje deixou de se fazer. Os caras falam assim, e claro que é o ideal: "Profissional não é lugar de treinar fundamento. Isso aí é coisa de categoria de base. O cara tem que chegar pronto." Olha, independentemente de ter feito ou não na base, tem que fazer no profissional diariamente. O cara que joga no meio de campo tem que treinar diariamente passe longo, passe curto, domínio de bola. Os laterais, os pontas, os caras que jogam abertos... Tem que treinar os caras metendo bola para eles no fundo, eles chegando e batendo de primeira. O cara receber a bola na lateral, meter na linha de fundo ou para trás, como o Mayke já fez, batendo de primeira. O cara não pode chegar lá, dar dois toques, e vai todo mundo embora. Fica lá, fica treinando.
Marcelo Oliveira: Henrique teve dificuldades no começo até se firmar como um dos destaques do Cruzeiro
TOSTÃO (ex-jogador e comentarista)
Como avalia o trabalho de Marcelo Oliveira? Acha que tem condições de chegar à Seleção?
Tostão: É um treinador coerente, sensato. Tranquilo, não se precipita. Tem muito técnico de futebol que conhece muito de futebol mas é confuso, troca de jogador na hora errada... Isso não acontece com ele. É bom na estratégia. Quando troca um jogador, mantém a estratégia. É um dos principais técnicos brasileiros. Acho que parte da imprensa o trata ainda como uma promessa, mas já é uma realidade. Ficou muito tempo nas categorias de base do Atlético, isso o ajudou. Ele não chegou agora. Apesar de Cruzeiro e Atlético serem poderosos, se estivesse treinando Corinthians, Flamengo, Fluminense, poderia ter ganhado uma chance na Seleção. Há uma valorização maior para o mercado de Rio e São Paulo, e é até natural isso.
O fato de não ter feito um trabalho bom no Vasco o prejudicou?
Tostão: Todo treinador vai ter trabalho bom e ruim. Alguém acha que Felipão, Muricy, Tite já não fizeram trabalho ruim? O Tite no Atlético foi um fracasso. O Marcelo já merece estar na lista dos cotados para a Seleção.
TICO (auxiliar técnico)
O jeito dele reservado atrapalha? Agora, por exemplo, falaram em treinadores para a seleção brasileira. E o nome dele nem foi muito badalado. E tem números melhores do que muita gente cotada...
Tico: É o estilo Marcelo Oliveira. Isso ele tem consciência que atrapalha. Ele é muito fechado, não gosta de aparecer, chamar a atenção. Gosta de ficar mais no anonimato. Mas vai nas entrevistas e fala muito bem. É autodidata nisso. Essa questão de padronização de técnico brasileiro nos fez passar por um processo complicado. Tem os caras que falam mais, os que gritam mais, os que dão chute na laranja, no balde. O Marcelo é diferente. Ele cuida mais da semana, do contexto, não é de ficar fazendo teatro. Acho isso legal. Às vezes a coisa está ruim, você pensa que ele vai dar uma pegada nos caras... Fala firme, mas não baixa o nível, não baixa a guarda, não muda o contexto da conversa, não é de pegar e apelar. O Brasil precisa mudar essa concepção de técnicos que têm de chutar o balde, a caixa de isopor, dar gritos. O perfil do atleta mudou muito, e o Marcelo se adequou muito a essa mudança. Ele sabe lidar dentro de um grupo que você tem jogadores jovens, medianos e os mais velhos, tem quatro ou cinco jogadores mais velhos, acima de 32 anos. O Ceará, o Tinga, o Julio Baptista. Ele se dá com todos eles.

MEMÓRIA

Você quer um futebol moderno mas busca muita referência no passado, não é isso?
Joguei em belas equipes, vivenciei assim confrontos com equipes extraordinárias, que tinham marcação, tinham toque. Vou citar o Flamengo de 1981 com Andrade, Zico, Nunes, Tita, Julio César, Junior, Adílio. Era um time excepcional. Era técnica e recomposição, velocidade na bola. Então isso tudo a gente enfrentou e vivenciou. São referências. Embora o futebol tenha evoluído e mudado muito, essas equipes ainda podem ser espelho para que a gente tire como referência no trabalho.
No seu tempo de garoto, adolescente, em que via jogos na TV, certamente se encantou com alguma seleção, um time. Quais? E isso ficou na sua cabeça? Resgatou quando se tornou treinador?
Teve no meu período de garoto, quando acompanhava futebol, e o meu pai também foi jogador, criado no ambiente de futebol (foi atleta no interior de São Paulo). Os times que encantaram naquela época foram o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, Natal & Cia., e o time do Santos de Pelé também. O time do Santos era muito bom. Nessa mesma época, o Botafogo que tinha Rogério, Roberto, Paulo Cezar, Gerson... Tinha um toque de bola muito bom, os jogadores eram criativos e de velocidade. E se entregavam pela causa do time, pela vitória. Servem de espelho sim, lembrar o conjunto bem estruturado.
Teve o Brasil de 70...
Foi espetacular também. Eu estava com 15 anos, no juvenil do Atlético. Assistimos debaixo da arquibancada onde morávamos, e foi sensacional. Era um time com pelo menos dois gênios e vários craques. O Clodoaldo era um excepcional jogador. O lateral-direito, Carlos Alberto, muito bom. De técnica, marcação, apoio já naquela época. Tinha Gerson e Rivelino, sensacionais. Jairzinho com uma explosão em plena forma. E o Tostão e o Pelé, que eram gênios, decidiam uma partida numa jogada, numa trama bem-feita.
Acha que o Tostão foi uma espécie de precursor desse atacante que hoje você também busca na sua variação tática, que não é fixo, sai para jogar?
Ele cai mais ou menos na escalação do time, que deveria se passar pelos melhores jogadores. Aí você vai adaptá-los a um esquema em que possam jogar juntos. Já utilizamos aqui diversas vezes o Goulart como atacante. O Marcelo Moreno já tem a característica de ser mais fixo, sai menos. Mas ele acrescenta na entrega, no cabeceio, ele é ótimo. Eu mesmo já joguei assim no Botafogo, que não era aquele atacante trombador, não era referência, mas pode abrir espaço para quem vem de trás.
Quando atuava já tinha leitura tática de jogo?
Sempre prestei muita atenção nos treinadores falando, achava interessante. Participava às vezes, fui capitão algumas vezes, no Atlético e no próprio Botafogo. Mas não era constantemente o capitão do time. Mas interagia muito, procurava conversar, compreender o que ele queria e acrescentar alguma coisa a mais, sempre gostei sim.
Seleção brasileira tricampeã de 1970, de vários craques e dois gênios: Pelé e Tostão
Quais os treinadores que mais o influenciaram?
Tive um excepcional treinador de base que não foi tão conhecido no Brasil, mas aqui em Minas ele formou grandes jogadores, que foi o Barbatana. Essa geração do Atlético Mineiro toda passou pelo Barbatana. O Getúlio, o Danival, Marinho, Reinaldo, Paulo Isidoro, Cerezo, todos eles, João Leite... Posteriormente subi para o profissional com o Telê, com 17 anos. E aí eu trabalhei cinco anos com o Telê. Duas épocas diferentes. Entendo que o Telê foi o que mais me influenciou, embora tenha trabalhado com o Claudio Coutinho na seleção de base e na principal e gostava muito pela educação, pela forma de conduzir grupo, pela didática, pela forma dele de orientar. Como técnico de base e auxiliar eu gostei muito de ter trabalhado com o Levir Culpi. Eu cito muito isso, é um treinador que tem uma combinação de qualidades muito boa.
Quando teve o estalo de que poderia ser treinador?
Isso é interessante porque quando eu parei de jogar fui convidado para ser o treinador de juniores do Atlético. Naquela época eu entendia que precisava ficar fora, estava viajando muito, casado, e queria ficar fora do futebol um tempo, e fiquei uns 15 anos. Depois fui comentarista de futebol na Rede Minas de Televisão, e isso despertou uma vontade louca de voltar. Fiz uns dois cursos na UFMG de capacitação técnica, voltei, e a carreira foi muito rápida. Seis meses depois já estava treinando a equipe profissional do Atlético, embora tenha sido por um período curto.
O que absorveu de melhor em cada clube pelo qual passou, que o fez se aprimorar?
Quando você é muito interessado naquilo que faz e faz com amor e muita aplicação, a tendência é que, de temporada a temporada, se sinta mais seguro e confiante. E aí pode ser num momento bom, como no Coritiba, e pode ser também num momento de adversidade, que enfrentamos por aí. No Paraná Clube, por exemplo, havia uma dificuldade imensa de salários, tinha que estar conduzindo isso com os jogadores de forma muito delicada, influenciando para que os jogadores se dedicassem. O Ipatinga da mesma forma. Acho que o Coritiba me deu uma condição melhor de trabalho. Daí para frente...
No Atlético Mineiro você foi treinador seis vezes, mas sempre interino. O que aconteceu?
Eu fui seis vezes, sendo que duas efetivado. E fizemos trabalhos bons. Peguei o Atlético em 2008 na zona de rebaixamento. E nós crescemos. Terminamos o Campeonato Brasileiro em décimo primeiro. E ali apareceram jogadores jovens, que tiveram mais oportunidades. E foi uma experiência muito importante. Você treinar um grande clube com uma grande torcida, um forte apelo, de entrega, de conquistas, de tradição de conquistas, foi muito importante. Eu não sei dizer... Por mais que valorizaram o meu trabalho, nunca me deram uma oportunidade de fazê-lo desde o início. Planejando o ano, o elenco, como fizemos aqui no Cruzeiro. Pegamos jovens, jogadores de equipes que estavam surgindo, equipes intermediárias e jogadores de qualidade comprovada, que eram mais experientes, para formar um grupo. Acho que isso é importante: ter a cara do técnico o elenco para que possa ser trabalhado.
Ter sido jogador atleticano o levou a enfrentar uma resistência quando foi contratado pelo Cruzeiro como treinador. Mas hoje já goza de popularidade. Acha que é mais ídolo do Cruzeiro do que foi do Atlético? Como faz esse termômetro?
Ah, é difícil... Sempre respeitei muito as torcidas, não só do clube que estava jogando mas as outras também. E quando foi anunciado o meu nome, o Cruzeiro havia perdido de 4 a 1 para o Santos, estava numa fase muito ruim. Isso ampliou um pouco aquela rejeição inicial em função de rivalidade. O torcedor chateado, bronqueado com a diretoria, os jogadores, e ainda assim surge o nome de um jogador que trabalhou muitos anos no rival. Mas a partir da primeira entrevista, como não fui questionado pela minha competência de trabalho, resolvi enfrentar o desafio. Tinha até oportunidade de ir para outros clubes. Mas enfrentei por trabalhar num clube estruturado, com boa condição de trabalho, não via problema. Tinha que retribuir ou modificar essa situação através do trabalho, dos resultados. E hoje realmente tenho uma palavra de apoio, de incentivo, de carinho muito grande do torcedor do Cruzeiro. E o legal é que o atleticano chega e respeita muito. "Pô, eu gostava muito de você... Um dia vai voltar..." Alguma coisa assim. Mas não teve nada de agressivo até hoje, e isso é muito bom.
Quando percebeu que era um bom treinador? "Eu sou bom nisso...." Quando teve esse estalo?
Como eu trabalho muito, intensamente, procuro usar a semana toda, preencher bem com treinamentos, e trabalho com lealdade, acho sempre que o resultado vai ser bom. Vou sempre com confiança para o jogo, de buscar uma vitória. Agora, sem falsa modéstia, eu acho que consigo aglutinar, unir muito o grupo, conscientizar das responsabilidades profissionais, da carreira que é rápida, curta, que é preciso doar sempre o melhor. Isso eu acho que é uma coisa que eu faço bem, e isso é uma base para a sequência de trabalho.
PAULO ISIDORO (ex-jogador)
Você jogou com o Marcelo. Os dois foram praticamente criados juntos no Atlético. Lembra se nos tempos de jogador ele já tinha um olhar tático diferente?
Paulo Isidoro: Começamos na base do Atlético, e o Marcelo sempre foi um jogador diferenciado. Nós falávamos que o Marcelo, junto com o Reinaldo, tecnicamente se sobressaía no Atlético.
Mais até que você e o Cerezo?
Paulo Isidoro: Mais. E até o Ângelo. Nós éramos mais de pegada, de dar mais velocidade para o ataque. Usávamos mais a força do que a técnica. Costumávamos dizer que tinha que ter alguém nesse time que soubesse o momento de parar, pensar, fazer uma jogada mais séria, e o Marcelo era esse tipo de jogador. Na época do Barbatana, entramos numa disputa de posição. Então, como eu tinha uma pegada muito forte e saía também para o jogo, e o Marcelo já era mais técnico e também saía para o jogo, além de se entender muito bem com o Reinaldo, então o Barbatana na época criou uma maneira de jogarmos os dois. Foi um casamento que deu muito certo. E o Marcelo a gente já via com diferença de raciocínio, junto com o Reinaldo, bem à frente. O Marcelo, quando a gente vê a turma toda, a gente diz que ele está seguindo a coisa certa: um treinador que se encaixou bem na filosofia de jogo. Hoje o que é o Cruzeiro era o que o Marcelo jogava: uma equipe técnica e rápida, que joga para frente. Ele criou um time muito objetivo.

DISCIPLINA

Como é o dia do Marcelo Oliveira? A sua rotina? Acorda praticamente a mesma hora?
Eu falei que você ia se decepcionar... Sou uma pessoa muito simples e faço coisas muito comuns. Divido praticamente a minha vida entre a minha profissão e a minha família... Quando o treino é de manhã, eu tenho a hora certa de acordar, a hora certa de tomar o café da manhã, a hora certa de sair... Eu acordo às sete e meia, e às dez para as oito eu tomo o café, é um cafezinho só. Porque eu tomo o café reforçado lá na Toca da Raposa, a empregada ainda está chegando lá em casa. É só o cafezinho. E às oito horas eu saio. Às oito e quarenta eu estou na Toca da Raposa. Acompanho o noticiário por uma rádio aqui de Minas, as principais notícias são dadas, principalmente de esporte. Na minha casa não tem jornal, não. Notícia eu leio pela internet de forma geral.
Gosta de navegar bastante pela internet?
Na verdade, mais para ler as notícias de esportes dos times, um apanhado geral. Mas não sou um fanático pela internet, assíduo, até condeno um pouco isso porque é bacana, representa conhecimento, mas quando é exagerado afasta um pouquinho as pessoas. Sei porque tenho três filhos e um de onze anos, o Rafael, que nasceu depois de catorze anos da outra filha, e ele gosta muito. Em algum momento eu chamo a atenção dele porque ele não está dialogando, está sempre entrando, gosta muito, e aí se torna uma coisa bacana, fascinante, você tem ali a informação na hora, a notícia, o joguinho de distração, mas ao mesmo tempo as pessoas deixam de conversar. Ganha-se de um lado, mas perde-se do outro.
Não tem Facebook?
Não, não tenho, e há pouco tempo apareceu alguém dizendo "entrei na sua página"... Aí eu disse: "Mas eu não tenho..." Alguém estava fazendo por mim, botando meus retratos do tempo que eu jogava, e atuais também. Aí eu acabei falando disso publicamente, e a pessoa tirou. Estava até me preocupando um pouco, andavam fazendo comentários por mim, o que eu acho um absurdo.
Já acorda pensando em futebol? Às vezes não dorme com uma ideia de um treino diferente, uma jogada diferente? Como se dão esses insights?
Quando eu comecei a trabalhar como técnico profissional, nos primeiros trabalhos eu tinha esse problema. Ficava muito ligado no trabalho, jogo seguinte, treinamento, alguma coisa que surgia que eu achasse legal falar para os atletas, e às vezes isso me atrapalhava um pouco na relação indireta familiar, no dia a dia, na rotina da minha casa. Aí você acaba em temporadas amadurecendo, ganhando mais experiência, crescendo. Hoje às vezes eu penso mas desligo a maior parte do tempo quando estou em casa em relação à profissão. Por mais que tenha um jogo decisivo, importante, fundamental, eu consigo dividir bem isso, e me voltar totalmente para o treinamento do jogo quando vou para o meu trabalho na Toca da Raposa para poder comandar os treinamentos.
Quando está em casa, deve gostar de ver muitos jogos. Campeonatos europeus...
Vejo de tudo um pouco. Minha esposa já me pegou vendo um jogo da segunda divisão do campeonato de São Paulo. Deu uma chiada... Às vezes vejo jogos antigos. Foi lá em 1999, 10, 15 anos atrás, às vezes passa no Premiere. Por curiosidade, para ver quem estava jogando, que tipo de jogo fazia. Interessante é que em 10 anos já dá para perceber um jogo hoje muito mais rápido, uma marcação muito mais forte, essa evolução, essas mudanças que acontecem para melhor, e outras nem tanto.
No que acha que o futebol melhorou?
Eu acho que uma coisa que evoluiu absurdamente foi o preparo físico dos jogadores. Hoje é muito melhor. Com a globalização, eu acredito que todos os clubes fazem esse tipo de trabalho forte na parte física, e isso possibilitou um jogo mais rápido, os jogadores correrem mais, mas uma marcação mais forte, provocando um futebol de mais erros. Quem não se preparar para sair dessa marcação acaba perdendo muito a bola. Então fica um jogo muito mais acirrado, mais competitivo. Acho que é necessário olhar o futebol por esse lado. O jogo é mais corrido, tem menos espaço, e é mais acirrado, provocando mais erros também. O que cresceu, melhorou também foi o profissionalismo. O jogador hoje é mais consciente, sabe mais da necessidade de se cuidar, trabalhar mais. Entendo que vai ser sempre melhor se houver mais profissionalismo não só dos atletas, mas também de quem comanda o futebol.
E piorou em quê?
Ah, gerou mais faltas, tecnicamente falando. O número de faltas é maior porque o preparo físico é melhor, então tecnicamente se treina bastante, mas eu penso que o fato de o atleta não ter a base da pelada de rua do dia a dia, coisa que a minha geração teve muito. Eu jogava todos os dias. O meu filho de 13 anos joga três vezes por semana. Duas horas, uma hora e meia ali. Então eu acho que essa base de pelada aguça mais a criatividade do atleta. Quando tem o dom para aquilo se prepara melhor para posteriormente ingressar no clube.
Considera que, por conta da preparação física, o trabalho do treinador se tornou mais importante até para criar mais opções para o jogador fugir da marcação, de ter mais criatividade, mais jogadas ensaiadas?
Hoje você tem o perfil completo do atleta. Sabe se o cara é veloz, quanto imprime de velocidade, se tem boa impulsão, arrancada melhor. Isso deu ao treinador a possibilidade de criar melhores jogadas não só pela qualidade técnica, mas também física de cada atleta. São avaliações em formações que ajudam na estratégia que vai ser feita ou até na iniciativa de jogadas. Isso facilita bastante.
Gosta de usar muito isso, não é?
É. Você tem um jogador com uma velocidade, pode criar uma jogada para ele sabendo o que pode usar do seu melhor físico, e, tecnicamente falando, também para ajudar no coletivo.
Agora, falando em velocidade... Você é supertranquilo ao volante. Nunca se estressa? Nenhuma fechada o irrita?
Em algum momento já tirou do sério. Mas quando saio de casa e faço minha oração para sair, trago essa informação para minha mente, para ter um dia tranquilo, saber lidar com as pessoas, pode ser que você encontre alguém muito estressado no trânsito. Você está saindo para o trabalho que gosta muito de fazer. Então cabe a cada um se controlar. Por mais que o outro esteja errado, é importante ter essa tranquilidade. Porque o dia a dia de cada pessoa é às vezes muito estressante.
Arbitragem de Héber Roberto Lopes em Atlético 2 x 1 Cruzeiro, neste Brasileiro, irritou Marcelo
O que dentro do campo o tira do sério?
A deslealdade, a jogada violenta. Eu oriento muito os jogadores nesse sentido, de jogarem com determinação, forte, mas visando à bola, com lealdade. Erro de arbitragem muito grosseiro eu acho que é terrível porque pode modificar uma partida. Por isso penso que os árbitros, como tudo se profissionalizou, deviam ser profissionais também. Embora recebam para apitar, é muito comum ver o cara que trabalha numa profissão para no fim de semana apitar. Talvez fosse necessário criar uma escola de árbitros. Não sei se seria possível agora, mas seria importante.
Que jogo o deixou mais irritado com arbitragem?
O clássico com o Atlético Mineiro pelo Campeonato Brasileiro deste ano. Aconteceram muitos erros, fáceis de serem apitados. Ali a gente estava ganhando, e isso acabou modificando muito o resultado, depois foi comentado por todos. Teve um pênalti durante o jogo que a gente faria 2 a 0. Já estava ganhando. Depois houve um impedimento com três metros e vinte e seis centímetros de distância que não foi marcado.
Qual o maior momento de pressão que teve, de ficar sem dormir direito, tenso? Chegou a ter estresse?
Na verdade eu nunca tive estresse. Controlo bem isso. Sei minha medida certa para administrar essas situações. Agora, todo jogo é um jogo complicado. Futebol, talvez como todos dizem, é o único esporte coletivo que você, grande, não tem a garantia de ganhar do pequeno. O pequeno pode em algum momento vencer uma partida. Basta que o grande esteja um pouco desatento, uma jogada ou outra de infelicidade, uma expulsão de um jogador, então todo jogo gera essa ansiedade. Mas para minimizar qualquer tipo de ansiedade passa-se pela preparação. Então, como a gente busca trabalhar com intensidade, buscando sempre o melhor, comissão técnica, jogadores, quase sempre você vai com a perspectiva de que as coisas vão funcionar bem. Sempre digo para os meus jogadores que é sempre muito bom ter a sensação de que trabalhou o seu máximo, que o adversário pode ter trabalhado igual a você, mas nunca mais do que você.
Nos treinamentos no Cruzeiro você gosta muito de treinar pênaltis. Todos os dias. Não é só quando há possibilidade de decisão por penalidades...
Sim, todos os dias. Porque eu acho que pênalti é treinamento e emocional. Só que, se você está muito bem treinado, o seu emocional estará mais equilibrado, vai gerar mais confiança. Treino todos os dias e aqueles que vão se sobressaindo durante a semana próxima do jogo vão bater. Normalmente na preleção do jogo eu já marco os três jogadores, pela ordem, que estão capacitados para bater.
TICO (auxiliar técnico)
Em concentração, o Marcelo gosta de puxar brincadeiras?
Tico: Ele é um dos caras mais caxias. Trabalhei com vários, eles nem iam para concentração às vezes. Mas o Marcelo não perde uma concentração. Faz questão. Não sai do hotel, a gente viaja e ele não sai do hotel de jeito nenhum. Ele gosta de aparecer no lanche, no jantar. E tem uma certa razão. O jogador reclama muito de concentração. Aí se a comissão não aparece, não vem... Ele é o primeiro a chegar, não se atrasa de jeito nenhum. E aqui a comissão técnica toda dorme na Toca da Raposa. Não é uma exigência dele, mas é um pedido, uma solicitação, faz parte do nosso trabalho. Aqui a gente está junto, vê jogos juntos, desce para fazer musculação juntos... E conversa sobre trabalhos, sobre jogadores, parte tática, adversários. É um tempo que você ganha a mais para estar junto. E o Marcelo nesse ponto é muito profissional.
Nos casos do Paraná e do Coritiba faltou estrutura para ele ter sido tão bem-sucedido como foi no Cruzeiro?
Tico: Faltou estrutura do clube grande, de você segurar o jogador. No Coritiba foi feito um trabalho maravilhoso, o time encantou o Brasil. Jogava de uma forma coletiva como o Cruzeiro joga hoje, e o sistema era o mesmo, o 4-2-3-1. Uma coisa boa, que chamou a atenção dos outros clubes, aí começou a sair um para lá, outro para cá. Quando se viu, tinha uns sete jogadores vendidos, negociados. O Cruzeiro, nesse ponto, tem a vantagem do clube grande, que tem condição financeira para segurar os atletas, manter o plantel para este ano como manteve, da melhor qualidade. O Cruzeiro está com dois times. Agora, tem que ter sabedoria para trabalhar com esses jogadores. Tem um time B que é igual ao time A? Realmente, é verdade. Agora, a comissão técnica tem que estar muito atenta com o coletivo e o individual. O jogador mais velho às vezes não gosta de ser cobrado, tem que chamá-lo para um lado e conversar com ele.
Teve a história do Souza, que tinha que entrar no fim do jogo, ficou na bronca...
Tico: Ele não gostou. Aí já estava meio bicudo pela situação dele de não estar jogando. Vai embora, segue a vida, cara...
Houve uma discussão com o Léo num treino...
Tico: Situações de trabalho, do dia a dia, isso acontece em qualquer clube. Mas uma discussão com um atleta que teve que tirar o cara, o cara ser afastado, não teve ninguém. O nosso ambiente é muito bom. Estou no futebol há muitos anos, trabalhei em vários grupos, acho que esse grupo que está aqui agora no Cruzeiro, esse do segundo semestre, porque houve umas trocas no meio do ano, é o melhor grupo em que eu trabalhei na minha vida.
NELINHO (ex-jogador)
O Marcelo é calmo o tempo todo?
Nelinho: Ele é muito calmo, mas até pisarem no calo dele. Já teve casos dentro do Cruzeiro aí que todo mundo ficou sabendo. Na hora que o cara vai, retruca e não entende, ele vai para o choque. Ele não quer nem saber. E aí, o que acontece? O cara depois para e raciocina. "Pô, não dá para brigar com ele. O cara é muito correto. Ele não faz sacanagem com ninguém."
De uma certa forma, o jogador fica melindrado até de bater de frente...
Nelinho: Fica, porque os outros companheiros ficam lá como quem diz assim: "Pô, cara, você está brigando com o cara errado. É o treinador, ele tem o direito de fazer o que ele quer, não está prejudicando ninguém, só sendo profissional. Você pode não concordar, discordar, dialogar, ele dá espaço para o diálogo. O que não pode é chutar o balde com ele. Se chutar, amigo...
AGEU (auxiliar técnico)
Para você, qual é a maior virtude do Marcelo?
Ageu: A lealdade. O Marcelo é um cara muito sério, centrado no que faz, e com lealdade. A personalidade dele é a mesma quando ganha ou quando tem uma derrapada na competição. Ele não perde a linha. Quando você está vivendo um momento como este, não vê o Marcelo empolgado. E a gente segue a mesma linha. Fizemos um ótimo trabalho ano passado, mas 2014 está em andamento. Sabemos que não está nada definido e tem que se trabalhar muito ainda, mas com lealdade. Com essa lealdade o Marcelo sabe conduzir o grupo, um grupo forte, e a gente sabe que é só com o trabalho que vai chegar novamente.

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