A importância do espanhol Jofre Porta no cenário do tênis mundial pode ser ligeiramente compreendida em três histórias:
O
ano era 1982. O pai de Carlos Moyá, com só seis anos na época, pediu
encarecidamente para Jofre Porta dar uma olhada naquele menino em
quadra. A partir dali, começava uma parceria que levaria Porta – um
técnico jovem e ainda em ascensão – e aquele “tímido e talentoso” garoto
até a quadra central Phillippe Chatrier, em Paris.
Em
1998, um ano antes de ser tornar número 1 do mundo, Carlos Moyá
conquistou o inédito título de Roland Garros. O treinador dele na
época... Jofre Porta.
O “incrível” Nadal
O
ano era 1995. Toni Nadal e o sobrinho Rafael, de apenas nove anos,
viajavam cerca de 1 hora de Manacor (cidade natal da família) até Palma
de Mallorca, ambas localizadas nas Ilhas Baleares, paraíso espanhol no
Mar Mediterrâneo.
O
objetivo da dupla era treinar na Escola Balear de Esporte (EBE), centro
que tinha como diretor o técnico Jofre Porta. Durante os próximos oito
anos, Porta teria o privilégio de acompanhar e participar de perto da
formação de um dos melhores tenistas da história. O Masters 1000 de
Miami, em 2004 – quando Nadal derrotou Federer pela primeira vez na
carreira –, foi último em que os dois estiveram juntos em um torneio.
Global Tennis Team
O
ano é 2014. Hoje, Jofre Porta comanda o centro de treinamento “Global
Tennis Team”, em Mallorca. Segundo ele próprio, vive para “desenvolver o
tênis de elite”.Por isso, realiza palestras no mundo todo para passar
adiante seus ensinamentos. A última vez que teve no Brasil foi em 2012,
quando participou do 2º Workshop Internacional de Tênis, realizado pela
CBT.
Em
entrevista exclusiva (abaixo) concedida por e-mail ao “Nosso Tênis”,
Porta falou um pouco de tudo isso. Algumas ideias, metodologias e
histórias do treinador que já teve sob seu olhar o atual e o ex-número 1
do mundo.
Da equerda para a direita: Toni
Nadal, Carlos Moyá, Rafael
Nadal e Jofre Porta (crédito:
Arquivo Pessoal)
Nosso Tênis - Aos nove anos, Nadal passou a treinar com você em Mallorca. Aquele menino já mostrava um talento superior?
Jofre Porta
- A verdade é que sim. Mas o normal é que esses garotos tão
espetaculares quando novos acabem não confirmando toda expectativa mais
tarde. Carlos Moyá, por
exemplo, era um bom jogador, porém não se destacava a este nível. Um dos
segredos do “Projeto Rafa” foi não ter pressa – mesmo que tudo tenha
acontecido tão rápido – e não sacrificar nada por resultados, ranking,
etc.
Sabemos
que o tio e treinador Toni Nadal – sempre muito rígido – ajudou a
moldar a personalidade de Rafa. Hoje, o tenista é considerado talvez o
jogador mais evoluído mentalmente no circuito. Quando pequeno, ele já
tinha esse espírito vencedor impressionante?
Tudo
foi tramado para que desse certo. De um lado, o talento do jogador e
uma família espetacular, tranquila. Nosso centro também deu uma
colaboração. Mas, evidentemente, havia um tio/treinador com uma
inteligência esportiva fora do normal, disposto a sacrificar tudo pelo
projeto.
Você fala que o Nadal dos dias de hoje é psicologicamente insuperável. Poderia explicar por quê?
É
no sentido de deixar fluir sem haver retenção. Nadal atua desde o
inconsciente, por instinto. Ele usa a razão para as análises, mas atua a
partir do subconsciente.
Carlos Moyá você também treinou desde pequeno. Como foi participar da formação do menino que se tornaria número 1 do mundo?
Com
Carlos foi bem diferente do que com Rafa (Nadal). Eu aprendia muito com
ele. Minha experiência e conhecimento na época eram muito pobres e
dependíamos muito do nosso entusiasmo, nossa paixão pelo tênis.
Estávamos sempre inventando, era uma maravilhosa aventura.
Em
1998, após o título de Moyá em Roland Garros, você falou que aquele era
um momento de glória que durava pouco, por isso é mais importante
curtir o trabalho duro. Como assim?
É
assim que funciona. Seus êxitos e sensações devem durar pouco se não os
idolatramos. Sempre comento que devemos desfrutar o caminho até a
chegada do êxito, que é comprido e maravilhoso. O triunfo é uma explosão
e, como tal, efêmera no tempo.
A
Espanha é o país com o maior número de jogadores entre os melhores 100
do mundo no ranking da ATP (14). Em sua opinião, qual é o fator mais
determinante para essa supremacia?
Na
Espanha, há uma combinação de fatores que produziram esse milagre. Não é
só no tênis, é no esporte em geral. Dos países que podem se permitir ao
tênis – infelizmente um esporte elitista –, a Espanha é onde há a menor
superproteção infantil. O mundo, no seu afã de proteger, se esqueceu da
formar, de estimular a capacidade de decisão do jovem, ou seja, suas
capacidades cognitivas (memória, atenção, percepção, raciocínio,
criatividade). Evidentemente, não é apenas isso. O clima, as quadras de
saibro, um magnífico calendário de competições e alguns técnicos muito
aplicados se somam a esse fenômeno.
Fala-se muito a respeito de um mesmo método de treinamento para os jogadores. Seria um dos segredos espanhóis?
É
o chamado “Spanish System” (Sistema Espanhol), que creio não existir.
Na verdade, comum por aqui é a maneira de entender o esforço por parte
dos treinadores. Acho que talvez sejam as quadras de saibro que nos dão
esse “plus”. Esse piso é fantástico para formar um jogador, sobretudo no
nível mental e tático. Nosso clima nos permite jogar todo ano nesse
tipo de superfície.
A
sua metodologia trabalha os lados técnico, tático, físico e mental
juntos. Por que esses quatro elementos são tão importantes e associados?
Para
nós o problema não é como associá-los, é como separá-los. Qualquer
tarefa na vida e no tênis tem uma carga física, mental, tática e
técnica. Se somos capazes de valorizá-las sem a necessidade de separar
cada uma, acreditamos que nosso trabalho está correto. A realidade é
descobrir a importância de cada uma e usar essa informação de forma
proveitosa.
Você costuma dizer que o seu principal objetivo de vida é trabalhar pelo “desenvolvimento do tênis de elite”. É por isso que a “Global Tennis Team” promove cursos e clínicas para treinadores do mundo todo?
Em
primeiro lugar, é o nosso negócio (risos). Mas a razão mais importante é
que compartilhar – que não é só ensinar – faz a gente crescer como
treinadores. Cada técnico que passa por aqui leva muita informação, mas
sempre deixa algo que nos ajuda a melhorar.
Efetivamente ou temporariamente, há três técnicos brasileiros na sua academia. Como você vê a chegada desses treinadores?
O
Vinícius Oliveira (foto ao lado) abriu a porta aos brasileiros. A
chegada dele foi obra do destino: nós nos encontramos em um campeonato e
ele me perguntou se poderia passar umas semanas para ver como
trabalhamos. Ele se encantou com a academia e agora é parte da alma do
nosso centro. Desde então, os brasileiros foram chegando. Eles têm algo
que faz parte da nossa filosofia: caráter e paixão pelo que fazem.
Apesar de toda experiência você ainda se considera um aluno do tênis. Ainda há o que aprender?
É
claro! Cada dia aprendo mais, e esse é o lado divertido da história. Se
um dia eu deixar fazê-lo não haverá mais sentido neste trabalho
apaixonante.
O
Brasil é um país que tem uma dificuldade imensa para formar bons
jogadores. Atualmente sequer temos um jogador entre os 100 melhores na
ATP. Como mudar essa realidade?
Estive
no Brasil em 2012, mas não tenho informações necessárias para opinar. O
que sei é que se deve ter claro que o processo é longo. Estão fazendo
coisas muito interessantes em todos os níveis como, por exemplo, os
projetos que viabilizam a
prática do tênis para pessoas de classes mais baixas. Isso é
maravilhoso. Quando falamos de tênis, sempre queremos nos lembrar de
nomes como Guga, Rafa... E acabamos nos esquecendo do valor educativo e
formativo do tênis. Pra mim, esses aspectos, sim, não podem ser
esquecidos.
Como será o confronto entre Brasil e Espanha no próximo mês de setembro pela Copa Davis?
Todos puderam comprovar no confronto entre Espanha e Alemanha (A Espanha perdeu o confronto por 3 a 0 e por isso joga a repescagem) que não há inimigo pequeno. Por isso, acredito que sempre, especialmente na Davis, não podemos ficar falando de favoritos.
Você
consegue imaginar, daqui a alguns anos, o futuro do tênis espanhol?
Pode sair da Global Tennis Team alguém para substituir Rafael Nadal?
O
certo é que sou cada vez menos nacionalista, talvez por termos aqui um
montão de jogadores não espanhóis tentando seguir uma carreira. Eu
ficaria muito feliz se alguns deles chegassem ao mais alto nível. Mas
não nos esqueçamos do principal: o tênis é um meio de formação.
http://globoesporte.globo.com/blogs/especial-blog/nosso-tenis/post/exclusiva-com-jofre-porta-ex-treinador-de-rafael-nadal-e-carlos-moya.html
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