Amigo da família do treinador do Chelsea conta como o menino 'dono da bola' fracassou como jogador, mas, pela capacidade de observação, chegou ao sucesso
Como no Brasil, em Portugal, quase todos os garotos sonham ser jogadores de futebol. Uma porcentagem menor escolhe outros esportes, mas é difícil encontrar um menino que pensa em se tornar treinador. Com José Mourinho não foi diferente. O "Special One" cresceu sonhando com a carreira dentro de campo. Mas, ao contrário da maioria, mudou de ideia bem cedo.
Mou viu que seu potencial não iria render muito e sua vontade de vencer no esporte o levou a batalhar por uma carreira como treinador. A reportagem do GloboEsporte.com esteve em Setúbal, cidade natal do "Special One", e descobriu como é que, ainda menino, o luso desenvolveu as suas qualidades de técnico.
Tudo começou com a ambição de vencer de José Mourinho, que na cidade era conhecido como Zé Mário. O menino era filho do ex-goleiro e treinador do Vitória de Setúbal, Sr. Mourinho Félix. Morava num dos melhores bairros da cidade e no colégio fazia parte da "turma dos mauricinhos". Era quem levava a bola para o futebol. E tinha sempre a melhor delas, dizem os ex-colegas. Ainda criança, já recorria a uma estratégia polêmica para evitar as derrotas.
- Já em pequeno, ele não gostava de perder. O Zé Mário sempre tinha a bola de futebol melhor, e nós jogávamos com a bola dele. Mas quando o time estava perdendo por dois, três gols de diferença, ele agarrava na bola e dizia que tinha de sair porque a mãe o estava chamando. Só ele é que ouvia a mãe, mais ninguém ouvia, e depois escapava com a bola. Ele sempre arrumava uma desculpa para sair do jogo quando estava perdendo - conta Jorge Severino, de 52 anos, que estudou com o agora treinador do Chelsea no colégio.
FRACASSO COM A BOLA NOS PÉS
Foi no principal clube da cidade, o Vitória de Setúbal, que José Mourinho deu os primeiros chutes na bola, sem muito sucesso. Aos cinco anos, Zé Mário acompanhava o pai, que era o goleiro, para os treinos. O ex-meia do Sporting, Vitória de Setúbal e Leiria, Fernando Tomé, é um dos melhores amigos de Mourinho Félix, com quem dividiu o vestiário primeiro como jogador e depois sob as orientações técnicas. Ainda hoje, tem contato com a família e recorda as primeiras vezes que viu o pequeno Zé Mário nos treinos do Setúbal.
- Com 4, 5 anos de idade ele já vinha para aqui brincar com a bola, e nós (jogadores) gostávamos dele. Ele frequentava o vestiário e era o menino querido. Alguns anos mais tarde, o pai Mourinho foi meu treinador no União de Leiria, aí o Zé Mário já estava com 15, e demonstrava uma grande capacidade de observação. Analisava o jogo e relatava ao pai tudo o que tinha se passado em campo. Eu sempre voltava com os dois, de carro, para Setúbal, e aquele garoto era impressionante, ele sabia tudo sobre o nosso time e sobre os nossos adversários. Até o pai ficava surpreendido com ele - conta Fernando Tomé, durante entrevista no estádio do Bonfim, casa do clube de Setúbal.
Félix Mourinho, goleiro do Vitória de
Setúbal: pai é espelho para a carreira do
treinador (Foto: Arquivo Pessoal)
O garoto Zé Mário não gostava de perder, mas com a bola nos pés nunca alcançou muitos sucessos. Por isso, desde cedo, mostrou interesse pela carreira de técnico. Começou por ser um fiel observador do pai, que treinou alguns times portugueses, como Belenenses, Leiria, Rio Ave e Setúbal.
- O Zé Mário nunca foi um jogador top. Mas, em qualquer torneio em que participava, fosse de futebol, futsal, ele não gostava de perder, e transmitia esse espírito a todos os colegas do time. Nas férias do colégio, ele vinha para Leiria com o pai (temporada 78/79). Chegava, pousava a mala, e o pai nunca mais o via. O Zé Mário passava o tempo inteiro com os jogadores, era impressionante.
Ele almoçava com os jogadores, brincava com os jogadores, conversava com todos. Foi aí que ele começou a conhecer de perto o que é ser jogador de futebol. Ele entendeu isso muito bem - explica Tomé, que nessa temporada representou o União de Leiria que ascendeu à primeira divisão portuguesa sob comando de Félix Mourinho.
Desde a temporada no Leiria que Mou nunca mais largou o pai. O garoto ia crescendo, e seus conselhos se tornavam cada vez mais úteis para o Sr. Félix, que precisava mais de Mourinho no banco que no gramado. Nos anos de 81 e 82, o "Special One" fazia parte do elenco do Rio Ave e depois do Belenenses, mas sobretudo foi assistente técnico do seu pai.
Felix Mourinho teve carreira bem diferente do filho: foram 11 clubes em 20 anos e quatro títulos conquistados - três da segunda divisão e um da terceira. As mudanças de clubes, os fracassos e os gastos do pai despertaram em José Mourinho o caráter e a personalidade forte que demonstra no futebol.
- O Zé Mário é filho de um jogador e treinador e de uma professora. Mas o pai era mais comedido do que ele, a mãe dona Julia é uma senhora de pulso. Acho que ele saiu mais à mãe. Mas foi fundamental o espelho do pai, que sofreu na pele alguns dissabores normais da carreira de treinador, algumas saídas de clubes, e o Zé Mário aprendeu o que deveria fazer para evitar essas situações e como reagir caso lhe acontecesse o mesmo no futuro - descreve Tomé.
SALTO DE LIBERDADE
Reportagem
de jornal luso da década de 1980 com José Mourinho como treinador dos
juniores do Vitória de Setúbal (Foto:
Arquivo Pessoal)
Foram muitos anos como observador, tradutor e assistente até que Mou se lançasse sozinho. Foi em 2000, no Benfica. O resto da carreira, já é conhecida e tem um saldo de 20 troféus em 13 anos. São títulos atrás de títulos, e tantas polêmicas pelo meio, sobretudo com jornalistas, mas também com alguns jogadores. Esse lado mais irreverente de José Mourinho faz parte da personalidade que ele próprio construiu para vencer no futebol, dizem os mais próximos. Do outro lado, está uma pessoa totalmente diferente, garante o amigo Tomé.
- Para mim, continua sendo o mesmo Zé Mário de sempre. Nós nos vemos várias vezes quando ele vem para Setúbal e falamos de tudo. Nas férias, ele não gosta de conversar sobre futebol. Mas é o mesmo menino de sempre, simpático, faz todo mundo rir. Mas quando chega ao futebol muda.
Ninguém falou para ele ser assim, é dele próprio. E posso garantir que não é arrogante.
José Mourinho no vestiário do Vitória de
Setúbal: proximidade para conhecer
rotina dos jogadores (Foto: Arquivo Pessoal)
TENSÃO NOS JOGOS DE MOU
José Mourinho ao lado do pai: auxiliar técnico do Sr. Félix (Foto: Arquivo Pessoal)
O pai de Mourinho mora num apartamento do lado do estádio do Setúbal, mas não quis falar com a reportagem. Todos os dias, o Sr. Felix toma café e lê os jornais no estádio do Bonfim, e o amigo Tomé conta que os dias em que os times do filho entram em campo são tensos.
- Quando o Zé Mário treinava o Porto, ele passou mal em um jogo que o Porto perdeu no campeonato. A partir daí, nunca mais assistiu aos jogos decisivos do filho. Algumas vezes, ele vai a Londres, até ao estádio, mas evita aqueles encontros determinantes. Ele sai de casa e fica cronometrando os minutos do jogo, dá um passeio e depois regressa quando já terminou. A mãe assiste a tudo, essa não passa mal, não perde nada - revela Tomé.
Se do pai, Mou seguiu os passos de treinador, foi da mãe que "Special One" puxou o caráter forte e destemido.
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-ingles/noticia/2013/12/de-ze-mario-special-one-trajetoria-de-mourinho-tem-pai-como-espelho.html
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