segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Herói em 2002, Fábio Costa abre o coração: frustrações, erros e acertos


Fundamental no histórico título, goleiro elege melhor defesa, momento mais difícil, fala de seu afastamento do Peixe e do acidente que matou um amigo

Por Marcelo Hazan Santos, SP

Pedaladas. Molecagens. Meninos da Vila. Diego e Robinho. Palavras e pessoas que remetem diretamente ao título do Santos de campeão brasileiro de 2002, que completou dez anos no último sábado. No entanto, o importante troféu, que tirou o time de uma fila de 18 anos sem títulos de expressão, não veio só com jogadas de ataque. E o nome que melhor resume a boa defesa da fase de mata-mata da competição é o de Fábio Costa. Em função de uma grave lesão no tornozelo direito, ele fez apenas seis dos 31 jogos da campanha vitoriosa - na primeira fase do campeonato, Júlio Sérgio foi o titular. A participação foi ainda mais evidente na final do dia 15 de dezembro, com vitória por 3 a 2 sobre o Corinthians, no Morumbi. Diante do bombardeio do Timão, o goleiro fez pelo menos três milagres. No vídeo, assista a lances de Fábio Costa no Brasileirão 2002.

Ídolo da torcida à época, Fábio Costa sempre teve quem o contestasse em virtude do seu jeito explosivo. O tempo passou e a carreira do jogador tomou outros rumos. Nos últimos dez anos, ele ganhou mais títulos pelo Santos, atuou pelo arquirrival Corinthians, retornou ao Peixe, time pelo qual não atua desde o dia 21 de junho de 2009, e ainda teve uma passagem pelo Atlético-MG - o último jogo como profissional foi no dia 23 de setembro de 2010, na goleada do Fluminense por 5 a 1 sobre o Galo, pelo Brasileirão. Apesar disso, ele se diz bem fisicamente e afirma que seu reflexo caiu um pouco, mas não perdeu o dom.


Desafeto declarado da atual diretoria do Peixe, Fábio Costa, aos 35 anos, está esquecido no clube e treina em horários separados do restante do elenco. Com contrato até dezembro de 2013, ele ainda não tem perspectivas de onde atuará na próxima temporada e aguarda uma proposta que agrade a ele e ao Alvinegro. Até o momento, nada compatível aos dois lados.

Em conversa de pouco mais de uma hora com o GLOBOESPORTE.COM, por telefone, Fábio Costa falou sobre tudo. O pior e o melhor momento no futebol, fez uma revelação sobre a saída para o Corinthians, em 2004, admite ser uma pessoa difícil e comenta sobre a atual fase de ostracismo.

Emocionado, o jogador falou ainda do acidente de carro que matou o motorista e amigo Fernando da Mancha de Carvalho, sofrido em maio, em Angra dos Reis. Fábio, que estava no carro, diz ter nascido de novo.

A seguir, os melhores lances do papo com o goleiro.

Fábio Costa, goleiro do Santos (Foto: divulgação/Santos FC)Afastado, Fábio Costa treina separado no CT Rei
Pelé (Foto: Divulgação/Santos FC)

Por ser uma pessoa explosiva, de poucos amigos, você sempre foi rotulado de estrela, marrento. Concorda com essa visão?

Sou um cara de difícil convívio, não sou político. Falo na cara. Nem todos gostam. Não faço e nem falo nada para agradar, mas, sim, dentro do que julgo correto. Se passei do limite em algum momento, também não tenho problema em pedir desculpas. É como diz o ditado: “Prego que se desprende da tábua toma martelada”. Quem toma atitudes diferentes é visto de outra forma por atletas e principalmente dirigentes. Eles não querem questionamento, só querem pagar o salário e que você trabalhe. Não querem um cara que questiona o motivo de se pegar um voo às dez da noite e chegar às três da madrugada se era possível viajar de manhã, com menos desgaste. É complicado. Uns falam, outros não. Cada um no seu perfil.

Esse seu jeito prejudicou a sua carreira?

Pode ser que sim. Depende da visão de cada um. Hoje poderia estar em um p... time, jogando com meu jeito de ser. Ou não. Hoje estou afastado no Santos. São opções. Respeito. Provavelmente, para eu jogar em 2002, alguém foi preterido. Hoje, para o Rafael jogar, estou sendo preterido, assim como o Vladimir e o próprio Aranha (reservas do Santos). São escolhas normais do futebol.

Qual a grande diferença do grupo de 2001, que tinha vários medalhões, para o de 2002, formado por garotos e que foi campeão?
Em 2001, tinha uma vaidade normal de um grupo cheio de estrelas. Onde tem dinheiro, tem vaidade, mas não era problema. Só que não havia um entrosamento de grupo vencedor. Apesar da qualidade, não conseguimos reunir um objetivo de todos. Um estava pelo dinheiro, outro pelo título, enfim. Em 2002, era um time franco atirador, não tinha nada a perder. O máximo que poderia acontecer era brigar pra não cair. Todo santista devia pensar isso. Ninguém conhecia Robinho e Diego. Pensando nos dias de hoje, se você pega um moleque com 17 anos e coloca no Palmeiras, Corinthians, Flamengo ou Santos, todos olham com desconfiança. Como vai abrir mão de um Robert, jogador consagrado e com títulos, para dar prioridade ao garoto de 17 anos? Isso despertava desconfiança. Mas futebol é inexplicável.

Fábio Costa - Santos (Foto: Divulgação/Santos FC)Fábio Costa não disputa um jogo oficial desde setembro de 2010 (Foto: Divulgação/Santos FC)

O que passou na sua cabeça quando levou aquele gol do Ricardinho, do Corinthians, nos últimos segundos da semifinal do Paulistão de 2001?
Foi o meu pior momento dentro do futebol. Existia uma expectativa muito grande. Chegamos muito próximos. Todo mundo em sã consciência sabia que era uma final antecipada entre Santos e Corinthians. Quem passasse enfrentaria o Botafogo-SP, com jogadores de qualidade, mas sabíamos que seria muito difícil perder. Foi uma frustração enorme. Até os 47 minutos do segundo tempo tínhamos simbolicamente o título nas mãos. Mas Deus tem um propósito e não era nosso momento. Tivemos de esperar, reciclar e montar um time para a outra temporada.

Qual sua principal defesa no título de 2002?
São várias. A mais difícil foi uma bola desviada pelo Paulo Almeida para trás, chutada pelo Rogério. O tempo de reação foi muito curto. Uns dois metros de distância no máximo. Foi a defesa do campeonato, mais difícil e mais bonita.
Você acha que é valorizado como merece pelo que fez naquela conquista?
Sei da minha importância e do que representei para o Santos. Isso me basta. O reconhecimento é de cada um. Alguns têm vaidade de ser o mais importante, eu sou tranquilo. Tenho consciência do que fiz, do que sou e do que representei naqueles seis jogos (dos mata-matas, das quartas às finais). Ajudei o Santos a ser campeão. O Diego e o Robinho foram maravilhosos, mas há outros personagens tão importantes quanto eles. O Alberto ajudou muito o Robinho e o Diego com experiência. O Robert também. Nossa defesa era equilibrada. Em dez anos, nunca vi uma dupla de zaga se dar tão bem como André Luis e Alex. O Elano e Renatinho eram monstros no meio. Enfim, a valorização do Diego e do Robinho é natural, mas, analisando friamente, sempre achei que tínhamos jogadores tão importantes quanto eles. O próprio (técnico) Leão, apesar de eu ter algumas discordâncias com seu método, manteve o grupo focado no objetivo.
Sou uma pessoa de convívio difícil. Não sou político. Falo na cara"
Fábio Costa

Quais discordâncias?
Às vezes, ele era meio exagerado, com punições em momentos desnecessários, mas quem sou eu para questionar as convicções de qualquer um? Discordava de algumas coisas, mas só chegamos por causa dele. O time era jovem e tinha empolgação geral. Se um jogador chegava atrasado para o treinamento que começava às 8h, no outro dia o Leão iniciava às 7h. Teve dia de chegar às 6h30 no CT. Não concordava, mas achava necessário. Ele fez certinho. Apesar das críticas de que é ultrapassado e antiquado, eu discordo. Se não tivesse essa cobrança do Leão, o grupo poderia ter se perdido. Ele teve um feeling primoroso para segurar.

O Diego nos contou que, certo dia, jogaram suas roupas no ventilador de teto e você ficou irritadíssimo. Como era esse clima de molecagem no vestiário de 2002?
Eu ficava p... da vida, mas era normal do nosso vestiário, nada da maldade. Isso era legal, bacana. Não era para rasgar a roupa, mas para sacanear. Sabiam que eu ficava nervoso e faziam mesmo para provocar. O Robinho e o Diego enchiam o saco do André Luis e ele queria matar os dois. Por isso, o Leão foi primordial, pois sabia segurar quando a brincadeira passava do limite. Na minha humilde opinião, o Leão foi mais importante até do que os jogadores, pois disciplina é fundamental.

Você se considera ídolo do Santos?
Sou ídolo para a minha família. Alguns torcedores me admiram, outros me rejeitam. É normal. Depende muito. Naquele momento, fui ídolo do Santos, fui importante. Se continuo? Depende de cada um. Sei que ajudei e atrapalhei, mas sempre buscando o melhor para o Santos.

E a ida para o Corinthians, em 2004? Acha que foi um erro?
Não. Foi uma escolha do Leão, não achava importante eu ficar no clube. Apareceu a proposta e aceitei. Não foi uma escolha minha, mas do clube. Não me queriam e eu precisava trabalhar. Alguns torcedores que não gostam de mim me chamam de mercenário, mas, ao contrário do que pensam, fui para lá ganhando menos do que recebia no Santos. Era a única proposta concreta no momento. Fui para jogar. Nunca fiz contratos de um ano e lá tinha estabilidade, foram dois anos. Fui feliz lá, ganhei títulos, e voltei. Tanto que depois conquistei títulos no Santos, o que mostra a minha importância para o time na história. A verdade é essa, o que acham é problema de cada um.

Acha que vai voltar a jogar futebol em 2013?
Vivo um dia após outro. Não fecho nenhuma ideia na cabeça. Tenho um ano de contrato com o Santos. A porta que Deus abre ninguém fecha. Tive uma prova clara de que Deus está olhando por mim, pois perdi uma pessoa que amava muito no acidente. O carro estava irreconhecível e o local onde eu estava sentado ficou intacto. Sempre que entrei em campo para treinar ou jogar com a camisa do Santos, dei 110%. Talvez não seja bom para algumas pessoas, mas o que eu tinha para dar eu dava. Estou com a consciência tranquila. O Santos cede um lugar para treinos e eu cumpro minha parte. Se você tem um carro e não quer usá-lo, é um direito seu. O Santos tem essa prerrogativa, prefere que eu não esteja no grupo. 

Eu sei da minha importância para o Santos em 2002. Isso me basta"
Fábio Costa

O que mudou na sua vida depois desse acidente?
Tinha uma amizade especial com o Fernando. Só Deus sabe o porquê de ele ter ido e eu não. Foi uma perda grande, era um cara que me completava e me ensinou muito. Quando fui afastado do grupo, conversava muito com ele. Foi traumático. Você questiona tudo nessas horas. Mas tenho certeza que Deus está cuidando de mim. Isso me basta. Profissionalmente é algo que não passa só por mim. Ganhei uma nova vida, nasci de novo com certeza.
Você tem alguma proposta?
No passado, vieram algumas interessantes para o Santos, mas não para mim. Outras boas para mim, mas não para o clube. Não conseguimos casar os interesses. No momento certo, vamos resolver algo bom para todos. Não programo nada, porque em um mês tudo muda muito. Tenho vontade de jogar, mas agora é trabalhar. Vamos ver o que aparece.

Há dez anos você era um goleiro promissor e muito elogiado. Hoje está esquecido. Onde acha que errou?
Errei e acertei em vários momentos. Não acho que seja só por um ou outro erro que estou afastado do grupo. Não acredito que seja por isso. Não fui o primeiro jogador a fazer coisas boas e ruins, nem o primeiro a realizar coisas importantes e também prejudicar. Todos vivem de erros e acertos. Tenho a consciência tranquila, pois jamais fiz nada de caso pensado, sempre tentei o melhor. A decisão do clube não me diz respeito. Não tenho contrato com Marcelo Teixeira ou com Luis Alvaro (ex-presidente e atual, respectivamente), mas com o Santos. Honro isso.

FONTE:
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2012/12/heroi-em-2002-fabio-costa-abre-o-coracao-frustracoes-erros-e-acertos.html

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