Corredor brasileiro despeja fúria na reta final da prova e ignora o favoritismo do sul-africano, que havia criticado suas próteses nas eliminatórias da classe T44
Alan cruzou a linha de chegada com o tempo de 21s45, à frente dos 21s52 do sul-africano. O bronze ficou com o americano Blake Leeper, que fez 22s46. Com o ouro garantido, Alan nem chegou a abrir o sorriso. Com a fisionomia séria, foi cumprimentando os rivais, um a um. E o abraço tímido de Pistorius mostrou que o adversário não estava nem um pouco satisfeito com o resultado.
Alan Fonteles (à esq.) conquista o ouro e ofusca o favoritismo de Pistorius em Londres (Foto: Getty Images)
O clima de rivalidade nos 200m foi acirrado por Pistorius após as eliminatórias do sábado, quando o corredor sul-africano criticou as próteses que o brasileiro estava usando para competir em Londres. O “Blade Runner” chegou a sugerir que Alan poderia ser beneficiado com as novas próteses. O treinador da equipe brasileira de atletismo, Ciro Winckler, confirmou que o paraense está mais alto, com 1.81m, contra 1.76m no Mundial da Nova Zelândia, no ano passado. Na ocasião, Alan ficou com o bronze nos 100m T44 e Pistorius foi prata. Mas, apesar das críticas de Pistorius, a mudança é permitida pelas regras do Comitê Paralímpico Internacional.
‘Entrei para história do movimento paralímpico’
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De sorriso aberto, Alan Fonteles encarou um batalhão de jornalistas
para comentar o feito que surpreendeu e calou todo o Estádio Olímpico.
Enrolado a bandeira do Brasil, o jovem de 20 anos agradeceu o apoio do
compatriotas recebido pela internet e mostrou ter consciência da
grandeza de seu feito.- Estou muito feliz. Com certeza não vou dormir tão cedo. Recebi muitas mensagens de apoio, de força. Quero agradecer a todos. Quero também dizer para minha família que eu vim aqui, fiz o meu melhor, e entrei para história do movimento paralímpico.
O campeão deixou clara a decepção com as declarações de Oscar Pistorius, na véspera da decisão, que colocou em dúvida seu desempenho na semifinal.
- Não tenho o que falar. Estou dentro das regras. Isso que eu tenho que dizer. Não preciso falar para ninguém se devo estar pequeno ou grande. A pessoa que se incomodou com isso... Eu não posso fazer nada.
Fã de Oscar Pistorius, a quem sempre apontou como inspiração, o paraense disse ainda que tudo que foi dito o motivou ainda mais para prova deste domingo, apesar de também tê-lo entristecido.
- Me motivou. Ele queria jogar a responsabilidade para cima de mim de qualquer forma. Já tinha sido assim na coletiva (terça-feira passada). Para falar a verdade, fiquei um pouco triste com tudo que ele disse depois da semifinal. Mas isso para mim não importa. Vim para correr e fazer o meu melhor. Não vou ligar para o que atleta diz ou deixa de dizer. Entrei na pista para fazer essa história.
Após 24s21 na final dos 200m T44 em Pequim-2008, Alan cravou 21s45 em Londres (Foto: Divulgação/CPB)
Visivelmente frustrado com o que tinha acontecido minutos antes na pista do Estádio Olímpico, Oscar Pistorius cogitou esquivar-se da imprensa. Após conceder a entrevista obrigatória ao canal detentor dos direitos de transmissão, seguiu para o vestiário sob a alegação de que trocaria as próteses de corrida pelas de passeio, até que minutos depois funcionários da organização chegaram com o recado de que o sul-africano não retornaria. Diante dos protestos, ele apareceu e voltou a colocar em dúvida os méritos de Alan Fonteles.
"Estou decepcionado. Fiz uma prova fantástica. Não acho que foi
injusto, Alan jogou com as regras, mas ele nunca tinha corrido na casa
dos 21 segundos. Isso é um fato"
O sul-africano esclareceu que seus questionamentos não são a respeito da tecnologia utilizada por Alan – tema que ele tanto combateu para que pudesse disputar os Jogos Olímpicos -, mas o aumento de cinco centímetros do Mundial da Nova Zelândia, em 2011, para as Paralimpíadas.
- Não acho isso (ter sido injusto). Todos temos a mesma tecnologia, não há diferença neste sentido. Minha restrição é apenas por eles (Alan e Blake Leeper, bronze) se tornarem maiores nos últimos meses. Isso que temos que olhar. Alan é um grande atleta, tem tudo para se manter no topo. É um grande garoto, um grande atleta, mas nunca tinha corrido na casa dos 21.
Ao fim da prova deste domingo, o cumprimento discreto entre Alan e Pistorius (Foto: Getty Images)
- Fiquei feliz com o meu tempo. Eu estava invicto, nunca tinha perdido uma prova de 200m rasos na carreira. Nunca tinha visto alguém virar uma prova no fim após estar oito metros atrás. Nunca na minha vida. Obviamente estou chateado, mas eu tentei.
Em todas as respostas, no entanto, o maior nome dos Jogos de Londres ficou em cima do muro. Ao mesmo tempo em que criticava e colocava em dúvida os méritos do brasileiro, amenizava com elogios e declarações de quem Alan está dentro das regras. Questionado pelo GLOBOESPORTE.COM objetivamente se creditava a derrota mais ao aumento das próteses do que ao talento do brasileiro, no entanto, ele se irritou e se calou:
- Muito obrigado a todos – disse encerrando a entrevista.
Quem é o menino que venceu Pistorius?
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Alan Fonteles teve as duas pernas amputadas com apenas 21 dias de vida,
em conseqüência de uma série de manifestações graves causadas por uma
infecção intestinal. Em Marabá (PA), sua cidade natal, Alan passou a se
interessar por atletismo quando tinha apenas oito anos. A vontade de
correr era tão grande que o garoto começou a treinar com as mesmas
próteses de madeira que usava para andar, totalmente inadequadas à
prática esportiva.Mas Alan persistiu e, pouco depois de ganhar o primeiro par de próteses de fibra de carbono, chegou à primeira Paralimpíada, em Pequim. Com apenas 16 anos, o paraense ficou em sétimo nos 200m T44 (com 24s21) e viu o ídolo Pistorius levar o ouro com um recorde paralímpico (21s67). A medalha de prata no revezamento 4x100m, no entanto, já indicava que Alan estava apenas começando uma promissora carreira nas pistas mundiais.
Alan começou no atletismo com apenas oito anos e corria com próteses de madeira (Foto: Divulgação/CPB)
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