quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Dia de Operário em Itaquera: experiência ímpar para um repórter

Profissional do GLOBOESPORTE.COM trabalha por meio período na obra do Corinthians e conta todos os detalhes. Tiago Leifert participa
Por Leandro Canônico São Paulo

Trabalhar na cobertura de uma Copa do Mundo é considerado por muitos o ápice da carreira de um jornalista esportivo. Realizei este sonho em 2010, na África do Sul. Participar da construção de um estádio que vai ser a sede da abertura de um Mundial no seu país, no entanto, é algo inusitado. Raro. Uma experiência ímpar e gratificante que ficará marcada para sempre em minha memória.
Na última sexta-feira, 4 de novembro, troquei o bloco de papel, a caneta, o gravador, o computador e o ar-condicionado da redação pelas ferramentas, capacetes, botas e roupas de operário. Minha missão era trabalhar por meio período na obra do estádio do Corinthians, em Itaquera, Zona Leste de São Paulo. A jornada foi de poucas horas, mas senti o quão cansativo é esse digníssimo trabalho.
A minha imersão no mundo dos operários foi total. E começou cedo, bem cedo. Às 4h30m o despertador tocou, anunciando que o dia seria atípico – poucas vezes, nos meus 30 anos de vida, acordei tão cedo. Às 5h15m, acompanhado do vídeorrepórter Cássio Barco, deixei meu apartamento, no bairro de Mirandópolis, Zona Sul da capital paulista, a caminho da estação Praça da Árvore do Metrô.
Da minha casa até lá são dez minutos de caminhada. E de lá até a estação Corinthians-Itaquera mais 20 estações, com uma baldeação na Sé, para pegar o trem que leva até a Zona Leste. A viagem toda de Metrô levou 55 minutos. Dei a sorte de pegar o contrafluxo, porque aqueles que saem da Zona Leste para o Centro sofrem diariamente com o excesso de gente nos vagões. É impressionante.
Enquanto eu e Cássio fazíamos esse trajeto, o vídeorrepórter Renato Cury encontrava José Alves da Silva, 53 anos, em sua casa, no bairro de Artur Alvim, na Zona Leste paulistana. Zé Pretinho, como é conhecido na obra do Corinthians, seria o meu instrutor no “Dia de Operário”. Encontrei esse simpático baiano na catraca da estação Corinthians-Itaquera. Logo de cara gostei do bom humor dele.
O trajeto de Zé Pretinho foi bem mais curto do que o meu (de Artur Alvim a Itaquera, ele viaja apenas uma estação), mas o seu dia de trabalho seria bem mais longo. Enquanto eu ficaria na obra das 7h às 12h, o operário faria o expediente das 7h às 18h. Pesado. Na caminhada de dez minutos até o terreno do Corinthians, fomos conversando sobre como seria o meu dia. Estava claro que não seria fácil.
Por volta das 6h30m, no refeitório da obra, eu, Zé Pretinho e outras dezenas de operários tomamos café da manhã. Na minha bandeja, um pão com queijo e presunto, um pedaço de bolo de fubá, uma banana e um copo de suco de laranja. Valeu a pena ter me alimentado bem antes de iniciar o trabalho. Retomei recentemente os exercícios físicos e sabia que meu corpo sentiria fraqueza.

Operários 'tietam' Tiago Leifert
Terminada a primeira refeição do dia, eu e Zé Pretinho fomos nos vestir adequadamente para a missão. Calça, blusa de manga comprida, óculos, protetores auriculares, luvas, botas, capacete e protetor solar compõem o “kit operário”. Nesse momento, o apresentador do Globo Esporte de São Paulo, Tiago Leifert, se juntou a nós. Muitos pararam para pedir autógrafos e fotos com ele.
Assim como eu, Tiago não está nada acostumado a uma rotina pesada como essa. Mas estava igualmente disposto a curtir intensamente a missão que nos foi dada. Às 7h partimos eu, Tiago e Zé Pretinho para a preleção dos chefes da obra. É algo muito parecido com o que acontece no futebol. O mestre Pará é quem inicia, falando para os mais de 500 operários (no total são 675, divididos em três turnos) presentes como foi o dia anterior. Ele carrega uma bola do Corinthians, autografada pelos funcionários, como o sinal de quem tem a palavra
Pará termina e passa a bola para o engenheiro Frederico, que fala sobre a missão do dia e passa as principais metas. Na sequência falam o técnico em segurança e a responsável pela ginástica laboral dos operários. Achei que fosse pedir para parar já ali mesmo. Em clima de brincadeira, a garota passa uma sequência complicada de exercícios para um quase sedentário como eu. Polichinelo, alongamentos, corrida...
Ao meu lado, um operário percebe minha dificuldade e me orienta a fazer com calma, sem pressa. O mesmo acontece com Tiago Leifert. Enquanto isso, Zé Pretinho se diverte, prevendo que eu estaria morto ao fim da minha jornada. Terminada essa brincadeira (muito séria para mim), começa um momento religioso: todos rezam o “Pai Nosso” e desejam um bom dia, com segurança.
Acompanhados por todos aqueles de capacete azul (cor do grupo dos armadores), eu e Tiago Leifert, operários por um dia, fomos ao nosso primeiro desafio: ajudar na amarração dos ferros da estrutura de uns dos blocos de sustentação da arquibancada oeste do estádio do Corinthians. Zé Pretinho, então, me passa uma turquesa, ferramenta que entorta e corta arames.
Incomodado, eu tirei meus protetores auriculares nesse momento. Mas rapidamente um técnico de segurança exigiu, corretamente, que eu os recolocasse. O barulho em todos os cantos da obra é intenso, e a exposição aos sons pode fazer muito mal aos ouvidos. Devidamente protegido, eu recebo as instruções de Zé Pretinho. Com alguns metros de arame nas mãos, o escuto atentamente.
Operários na obra do Corinthians, em Itaquera. (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Operários trabalham na amarração dos ferros
(Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)

A estrutura de ferro de um bloco de concreto tem de ficar bem firme. Por isso é necessário que não haja nenhuma folga entre uma barra e outra. Meu trabalho, portanto, era enrolar um pedaço de arame nos pontos com folga, dobrar com a turquesa até ficar bem firme e cortar. Fiz isso umas 20 vezes seguidas, e as mãos começaram a doer. Zé Pretinho percebeu e me avaliou como regular na missão.
Não desanimei. Parti para o passo seguinte sem baixar a cabeça e pedindo que Zé Pretinho não deixasse de me orientar. Fomos, então, ao local onde são montadas as estruturas de ferro para os blocos. Lá, o trabalho é mais pesado. Com os projetos espalhados na bancada, os armadores pegam as barras de ferro e cortam (ou dobram) nos tamanhos corretos. Cada bloco tem 3,5 toneladas do material.

E não é que ganhei até elogio?!
Nessa fase não pode errar. Qualquer centímetro a mais ou a menos pode interferir no produto final. Primeiro, eu e Tiago observamos os operários fazendo. E cada peça pronta era levada por nós ao caminhão. Depois de umas dez peças carregadas, recebo meu primeiro elogio. O colega que estava na caçamba do caminhão me chama e pergunta se eu já trabalhei em obra. Para mim, foi elogio.
Já com os braços pesados de tanto carregar ferro, nós somos chamados a colocar as barras na máquina para corte. É uma das fases mais complicadas, porque você tem de puxar uma só peça do meio de um monte deles. E elas são bem pesadas. O curioso é que a máquina corta uma grossa peça de ferro como se você partisse um pão com as mãos. Impressionante. Mais interessante ainda é o tranco que a máquina dá no ferro. Somos convocados a sentir e realmente parece um soco.
Vendo a minha dedicação, Zé Pretinho diz, enfim, que estou indo bem. Partimos em seguida para uma aula prática de nós com arame. O nó simples foi fácil, o rabo de macaco também, mas o X... não consegui fazer nenhum. Mesmo assim, meu amigo operário diz que sou inteligente e que pego rápido o serviço. Poderia ser contratado, né, Zé!? E olha que ainda não tinha chegado a hora do caranguejo.
O caranguejo é uma peça de ferro, com medidas milimétricas, que fica na base da estrutura de ferro. As maiores são feitas em máquinas especiais, e as menores, na mão. Foi esse que fiz. Com um giz e uma trena marco os centímetros e faço um dos mais perfeitos caranguejos da obra do Corinthians (as palavras foram de um colega). Tiago não vai tão bem nessa fase e também me elogia.

Pedi pra parar!
Terminada essa etapa, fomos para algo ainda mais pesado: assentar o solo. Com uma máquina barulhenta, pesada e difícil de controlar, eu passo apenas cinco minutos nessa tarefa e peço para parar. Os braços doíam. Quando desligo a máquina, outro colega explica que no dia a dia é proibido ficar mais de uma hora nessa função. É necessário (e fundamental) um tempo de descanso.
Já são mais de 11h, e o meu expediente está perto do fim. Mas ainda tenho uma última missão. Em um dos canteiros está sendo construída uma fábrica para a confecção de concreto na própria obra. Eu e Tiago, então, somos convidados a assentar dois tijolos. Percebo que esse trabalho é uma arte. Requer muito esmero e uma noção muito apurada de espaço. Consigo colocar a peça. Torta, mas consigo.
Zé Pretinho, que acompanhou todos os meus passos na obra do estádio do Corinthians, apenas ri de longe. E tira sarro, porque eu disse que minha intenção era perder alguns quilos naquela manhã (sim, estou pelo menos 15 acima do peso ideal). Foi depois disso que veio um dos momentos mais esperados: recebo das mãos do meu amigo Zé o “vale almoço”. Que bom!
Operários na obra do Corinthians, em Itaquera. (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Apresentador Tiago Leifert também colocou a mão
na massa (Foto:Marcos Ribolli / Globoesporte.com)

Deixamos nossos capacetes pendurados fora do refeitório, tiramos as luvas, lavamos as mãos e iniciamos uma ótima refeição. Além do copo de suco, coloco na minha bandeja dois pratos, um com salada e outro com feijão, farofa e linguiça. É bonito ver os operários almoçando juntos. Eles são muito unidos. Depois, alguns optam por conversar, outros por descansar e alguns pelo dominó e o baralho.
Eu, no caso, optei por fazer uma reflexão do meu dia. E cheguei à conclusão de que foi bem cansativo, mas gigantescamente gratificante. Em poucas horas como operário deu para sentir o orgulho de cada um daqueles trabalhadores, sejam eles corintianos, palmeirenses, são-paulinos ou santistas, em serem responsáveis por uma obra de Copa do Mundo. A união e a dedicação deles são comoventes.
Voltei pra casa satisfeito com o cumprimento da missão e emocionado por ter convivido com o incrível Zé Pretinho, a quem espero encontrar outras vezes em Itaquera. Afinal, muitas pautas por lá serão realizadas até 2014. E fica aqui uma sugestão ao Corinthians: deem ingressos para todos os operários assistirem ao jogo de inauguração do seu tão sonhado estádio antes da Copa. Eles merecem e ficarão muito felizes.
Obrigado a todos que participaram comigo e com o Tiago Leifert desse “Dia de Operário”. Certamente essa experiência ímpar não sairá da minha memória.

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