GloboEsporte.com abre especial e relembra passagem do jogador pelo clube gaúcho
Um astro celestial. Fernando Lúcio da Costa chegou ao Inter para se tornar uma verdadeira estrela e gerar uma guinada no rumo da história do clube gaúcho, assim como também a si próprio. Foi essa sinergia que fez ambos alcançarem o ápice simultaneamente. Há quem defenda que um não teria ido tão longe sem o outro. Era como se o destino conspirasse para que uma peça encaixasse na outra.
Em 7 de junho de 2014, Fernandão faleceu precocemente, ao se envolver em acidente de helicóptero, aos 36, em Aruanã, cidade do interior de Goiás. Um ano depois, o jogador que levou o Inter ao salto mais alto, com a conquista do Mundial de Clubes de 2006, já não se encontra mais entre nós, mas os feitos do Capitão América, a luz que o centroavante corpulento de 1m90cm de altura serão lembrados pela eternidade e, em parte, recontados pelo GloboEsporte.com, em conteúdos especiais diários que serão publicados desta segunda-feira até o próximo sábado.
O DESAFETO
Fernandão era observado desde a base do Goiás (Foto: Arquivo/Lailson Duarte/O Popular)
- Eu já o acompanhava há muitos anos, desde que era júnior no Goiás. Foi o Odair Hellmann (atual auxiliar-técnico fixo) quem indicou. Fiz como um desafio ao Wagner Cruz. "Pô, quer me trazer um monte de cabeça de bagre? Me traz o Fernandão" - lembrou Carvalho, ao GloboEsporte.com.
Formado no Goiás, clube em que empilhou gols entre 1995 e 2001, Fernandão já havia sido procurado pelo Inter, mas a negociação não foi adiante graças a um "não” dos goianos. Na metade de 2001, o atleta acabou negociado com o Olympique de Marseille, clube em que saboreou do destaque nas duas primeiras temporadas como meia-atacante. Em contrapartida, perdeu espaço no terceiro ano, quando o treinador Alain Perrin alterou o sistema tático, e amargou a reserva.
- No final da temporada 2002/2003, era o destaque do time. Nas últimas rodadas, machuquei a cabeça. Quando voltei das férias, o técnico mudou o esquema. Aboliu o meia de ligação e adotou uma linha de quatro. Aboliu minha função - confidenciou Fernandão ao jornal Zero Hora, na época, dias antes de ser contratado.
Acabou emprestado ao Toulouse, clube que sofria na lanterna do Campeonato Francês, mas que o possibilitaria voltar a atuar e recuperar ritmo. No clube, disputou 16 partidas e marcou três gols. Ajudou a equipe a escapar do rebaixamento e virou ídolo.
QUASE IDA AO FLAMENGO
Fernandão é contratado pelo Inter em 2004
(Foto: Robinson Estrasulas / Agência RBS)
- Consegui o telefone do Fernandão em Toulouse e falei com a Fernanda. Queria ver a possibilidade de trazê-lo para o Inter. Ela disse que "estava louco para vir embora” - conta o agente.
- O Fernando já queria voltar, já estávamos há um tempo na França. Recém tínhamos tido as crianças (os gêmeos Enzo e Eloá). Não tinha tido nada de concreto até o Wagner aparecer - explica Fernanda.
Os contatos entre agente e atleta iniciaram e ambos se encontraram em uma churrascaria de Goiânia, após o encerramento da temporada europeia. Na hora de apresentar a proposta, chamou a atenção de Fernandão a presença de Fernando Carvalho. Foi determinante para a escolha da mudança, o chamado "olho no olho".
Mas o Inter teve dois fatores que dificultaram a negociação. Ex-jogadores, os empresários Ranieri e Paulo Nunes tentaram levar o atacante para o Flamengo, clube que tinha desejo de atuar por conta de idolatria a Zico. O Olympique também desejava US$ 1,5 milhão para liberar o atacante.
Ao temer por um desfecho negativo, a direção gaúcha chegou a anunciar a desistência do negócio. Dias depois, o então vice de futebol Vitorio Piffero se encontrava com Fernandão no Rio de Janeiro para selar a transferência, oficializada em 15 de junho de 2004.
- Foi estratégia do Fernando em recuar na negociação. Quando viajei para o Rio, já estava definido - afirma Vitorio Piffero.
PREDESTINADO EM GRE-NAIS
A contratação de Fernandão foi respaldada na época pelo técnico Lori Sandri, com quem já havia sido treinado no Goiás. Embora tenha conquistado o tricampeonato do Gauchão naquela temporada, o mau futebol apresentado no Brasileirão causou a queda. Joel Santana assumiu a função.
Vinte e cinco dias após ter desembarcado em Porto Alegre, Fernandão teria a chance de vestir a camisa pelo clube - utilizou a de número 18, na primeira vez. Quis o destino, então, brincar com o brilho do atacante. Seria justamente em um Gre-Nal histórico, no Beira-Rio. O clássico de número 360 ficaria conhecido como o "Gre-Nal do gol mil" (confira vídeo acima).
Era uma tarde fria de sábado no Beira-Rio. Passado um primeiro tempo morno, o Inter tentava ser mais incisivo na etapa final, principalmente quando Joel sacou o zagueiro Wilson para promover a estreia do novo reforço. Com poucos minutos em campo, Fernandão sofreu falta na ponta direita. Alex fez o cruzamento e o zagueiro Vinícius abriu o marcador no gol 999.
Mas era a tarde daquele centroavante cabeludo e ainda pouco conhecido dos gaúchos se mostrar para o torcedor. Aos 33 minutos do segundo tempo, Elder Granja avançou na ponta direita e fez cruzamento que entraria nos anais dos clássicos. Fernandão saltou 50 centímetros do gramado e voou imponente por cima da zaga gremista. Com desenvoltura, apresentava ao Beira-Rio uma das suas virtudes: o cabeceio. Na comemoração, caiu de joelhos no gramado, quando Sobis o cochichou ao ouvido o feito.
- Para tudo, meu povo, estamos no dia 10 de julho de 2004. São 34 minutos da etapa complementar. Fernandão, o rapaz goiano que veio da França está fazendo o gol mil em Gre-Nais. Gol que vai para a história. Estreia em Gre-Nais e vai para a história. Cabeceador, é por isso que foi contratado. O gol mil tem nome e é Fernandão, é predestinado - narrou Pedro Ernesto Denardim à Rádio Gaúcha.
INICIO DE UM LIDER
Jogo após jogo, Fernandão mostrava-se polivalente em campo e com qualidades, que enchiam o torcedor de otimismo. Afinal, o Inter tinha encontrado uma peça rara. Era um jogador com corpo de centroavante e ainda com inteligência de meia-articulador. Como plus, ainda era líder nato. A identificação da torcida com o jogador foi instantânea.
O Inter buscava reforços importantes para o time, como Tinga e Iarley. Na temporada de 2005, era Muricy Ramalho quem se tornou responsável por comandar a equipe. Foi quando a equipe alcançou novo patamar. Acabou vice-campeão de um Brasileirão repleto de polêmica - a competição teve 11 jogos anulados após o escândalo da arbitragem.
- Foi duro para todos nós. Nós ganhamos dentro de campo, todos ficamos sentidos, inclusive o Fernandão. Os caras que lideram, como ele, que são referência, têm que abraçar, acalmar os companheiros. O Inter estava em uma reformulação, formando uma nova mentalidade. E o Fernandão foi fundamental para esse reinício do Inter até ser campeão do mundo. Ele fazia a diferença - elogiou Muricy.
Fernandão era diferenciado dentro e fora de campo. Progressivamente, passou a ser seguido pelos demais atletas como se fosse um guia, uma referência. E os colegas acatavam, como lembra Edinho.
– Fernandão mudou muita coisa, foi um dos pioneiros.
Não só ele, a galera toda que participou. Era o cara. Não que tudo girasse em
torno dele, mas ele fazia com as coisas acontecerem. Ele era o guia. Ele falava
“direita, para frente, para trás”, e a gente ia – relembra.
Um líder não só
para os jovens, mas até os mais experientes, como foi com Tinga, quem viria a se tornar um dos grandes amigos de
Fernandão no futebol e na vida.
– Ele era o líder máximo por ser o capitão, mas não
se lidera nada sozinho. Era a figura máxima. Sabia conversar qualquer tipo de
assunto. É o cara que representava muito e era espelhado. Ele inspirava muita
gente pela maneira de conduzir as palavras – lembra Tinga. – O Inter era
outro antes de 2005. Tenho convicção de que o Inter era um quando
cheguei. Hoje, é outro clube. Se tornou o time respeitado no
mundo todo.
CAPITÃO AMÉRICA
Tinga, Fernandão e Abel em 2006 (Foto: Inter, DVG)
Mas faltava alguma coisa para o Inter ser campeão. Faltava o “torcedor acreditar”, como confidenciava Fernandão a amigos.
- Ele dizia que faltava o torcedor acreditar que iríamos vencer. Não ir para os jogos achando que seriam derrotados. O Fernando nunca falava que não iria conseguir. Ele dizia “nós vamos ser campeões, nós vamos conseguir” - revela Fernanda Costa.
Fernandão acabou como um dos artilheiros daquela Libertadores, com cinco gols. Somado a isso, ainda conseguiu sete assistências. Na final disputada contra o São Paulo, em 16 de agosto, abriu o placar aos 29 do primeiro tempo, enquanto ajeitou para Tinga completar aos 20 do segundo. O empate em 2 a 2 colocaria o Inter no topo da América pela primeira vez. A partir de então, nunca mais seria o mesmo Colorado sem renome que justificasse o nome "Internacional".
Fernandao levanta a taça da Libertadores (Foto: Agência Reuters)
O Inter estava pronto para um salto ainda maior. No final daquele ano, Fernandão comandou o time também na conquista do planeta, na vitória por 1 a 0 sobre o Barcelona, com gol de Adriano Gabiru. Afinal, o atacante havia mudado a mentalidade daquele grupo. Alterou a forma de pensar do clube, que passou a acreditar.
No
retorno a Porto Alegre, outro feito que o deixaria marcado. Dentro de
um Beira-Rio lotado e submerso em euforia por conta do Mundial, o
capitão pegou um microfone e cantou cânticos da torcida, o "vamo, vamo,
Inter", como se fosse o mais comum dos torcedores.
Se o Inter saboreou do melhor vinho das vitórias em 2006, entrou em ressaca no ano seguinte. A equipe não conseguiu nem mesmo se classificar para as fases decisivas no Campeonato Gaúcho. Na disputa da Libertadores, outra decepção: queda na primeira fase.
Se o Inter saboreou do melhor vinho das vitórias em 2006, entrou em ressaca no ano seguinte. A equipe não conseguiu nem mesmo se classificar para as fases decisivas no Campeonato Gaúcho. Na disputa da Libertadores, outra decepção: queda na primeira fase.
MAL-ENTENDIDO
- Foi um mal entendido. Eu não ia viajar para a Copa Suruga (em 2009). Quando o Fernandão me ligou, meu telefone não estava pegando. Mandei um e-mail para ele ligar para o Chumbinho (diretor de futebol). Ele se ofendeu, achou que estávamos fazendo pouco caso e acabou acertando com o Goiás. Deu um ruído desnecessário - admite Fernando Carvalho.
Mas o Inter pós-Fernandão se tornou um clube maior, havia aprendido a se tornar vencedor. Em 2010, voltou a ser campeão da Libertadores, agora com D’Alessandro como principal jogador e Bolívar com a braçadeira como herança. O General havia aprendido a ser líder com o melhor dos exemplos.
- Se eu sou um capitão da maioria das equipes em que passei, aprendi com o Fernandão. Sempre prestava atenção, ele sempre passava muita dicas de liderança, de como ser um cara competitivo e que precisava buscar seu limite todo tempo. Na verdade, ele era o carro-chefe. Se você tem uma inspiração do teu lado, isso contagia - exalta Bolívar.
VOLTA AO INTER
Fernandão comanda primeiro treino no Inter
(Foto: Diego Guichard/GLOBOESPORTE.COM)
Em 20 de julho do ano seguinte, Fernandão iniciou a carreira de treinador, ao assumir a função de Dorival Júnior, então demitido. Mas o sucesso como técnico não foi o mesmo do que como atleta do clube. Quatro meses depois, também não resistiu ao cargo. Conseguiu nove vitórias, oito empates e nove derrotas, um aproveitamento de 44,8%. Na segunda despedida, se lavou em emoção e se deixou levar pelas lágrimas (veja abaixo).
Fernandão se afastou do clube, deixou Porto Alegre e voltou a viver em Goiás, onde acabou falecendo no ano passado. A perda do ídolo causou comoção entre torcedores, que lotaram o Beira-Rio com presentes, devoção e lágrimas.
ETERNIZADO
No próximo dia 7 de junho, data que marca um ano da morte de Fernandão, o Inter prepara uma série de ações para homenagear o ídolo. A principal ação é um mosaico que será formado durante o jogo com o Coritiba, no mesmo dia, além da realização de missa em frente à estátua, no período da manhã.
Arco-Íris se coloriu o céu na inauguração da
estátua de Fernandão (Foto: Mônica
Casarotto/Grupo Gigante Para Sempre)
Para muitos, a morte de Fernandão ainda “não caiu a ficha”. É como se o jogador permanecesse entre os demais.
– Eu fico tentando buscar alguma palavra, mas fico muito emocionado. As lembranças que tenho dele são vivas, do dia a dia, da concentração. Há pessoas que não poderiam morrer. O Fernandão não podia ter morrido – lamenta Edinho.
Na verdade, a luz daquele jogador segue mais forte do que nunca. Se o Inter está em uma semifinal da Libertadores, com grandes chances de ser campeão, também se deve aquela estrela chamada Fernando Lúcio da Costa que não chegou ao clube por acaso, que seguirá inspirando colorados dentro e fora de campo. Jamais será esquecido.
*Colaborou Eduardo Deconto
FONTE:
http://glo.bo/1cu1axQ?utm_source=link&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar
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