quarta-feira, 17 de abril de 2013

Promessa do vôlei de praia, Ravel vê sonho olímpico virar drama familiar


Construção da TransCarioca, obra de mobilidade urbana para 2016, reduz a escombros casa de atleta da seleção sub-19 a três anos dos Jogos do Rio

Por Helena Rebello Rio de Janeiro e Saquarema, RJ

Um movimento único compõe a obra mais famosa de Maurice Ravel. O canto crescente e repetitivo, com solos alternados de diferentes instrumentos, tornou o Bolero conhecido mundialmente e fez sua melodia atravessar gerações. Bem longe do cenário em que viveu o compositor e pianista francês, um xará carioca, de apenas 17 anos, trabalha para que a repetição de seus movimentos com a bola de vôlei também o levem cada vez mais perto do sucesso. Os compassos da vida do jovem atleta, no entanto, ainda estão repletos de suspensões e paradoxos. No maior e mais recente deles, o bloqueador viu as Olimpíadas passarem de sonho de consumo em um futuro próximo a causa indireta de um drama familiar.

Ravel Gonçalves de Mendonça treina desde janeiro com a seleção sub-19 de praia no Centro de Desenvolvimento do Voleibol, em Saquarema, Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Foi depois de um treino matinal em uma das quatro quadras de areia do CT que uma ligação do pai o transportou de volta para a dura realidade de sua família. Pelo telefone, Rosinaldo se antecipou para tentar minimizar o susto e contou que a casa em que moravam estava reduzida a escombros.


ravel volei de praia Transcarioca (Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo)Ravel posa com a família na vizinhança onde a família morou até março (Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo)

O desejo de ter a casa própria, realizado cinco anos antes com a aquisição de um lote por R$ 15 mil, desmoronou com a notícia de que a compra era irregular. O terreno, assim como o de outras 65 famílias do bairro do Tanque, pertencia à Prefeitura. E, no local, o governo planejava construir um dos trechos da TransCarioca, via que ligará o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Barra da Tijuca para facilitar a mobilidade urbana na Copa e nos Jogos de 2016. Mesmo com a desapropriação e demolição iminentes, seu Rosinaldo resistiu no imóvel de 60m² por quase um mês, até meados de março. Assim negociou uma indenização melhor (a proposta inicial de R$ 18 mil saltou para R$ 40 mil) para comprar uma nova propriedade no mesmo bairro, o que permitiria a continuidade do tratamento do filho mais velho, autista.

ravel volei de praia Transcarioca (Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo)Com o irmão Juan e o pai Rosinaldo, ao lado dos
escombros (Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo)

O aviso do pai, mesmo duro de aceitar, de fato minimizou o impacto. Imagine que, no mesmo dia, na hora do almoço, o rapaz viu uma foto da mãe, ao lado do irmão mais velho, chorando, estampada no jornal. O bombardeio de informações que soavam tão irreais o deixou zonzo. Seria possível que as Olimpíadas, sonho de consumo de atletas de ponta ao redor do mundo inteiro, fossem justamente a causa de seu drama particular? Ver meta e vilão no mesmo sujeito fez com que o bloqueador de 2,01m questionasse seu futuro no esporte.

- Eu ouvia os boatos que talvez fôssemos sair do Tanque, mas nada concreto até a demolição. Fiquei bem confuso. Vim para a seleção com um pensamento de que abriria portas para eu chegar nas Olimpíadas, mas aí de repente me vi pensando que o lugar em que eu queria chegar é, ao mesmo tempo, algo que me atrapalha a ter sucesso e chegar neste ponto. Meu rendimento caiu muito e pensei em desistir, mas meus pais me disseram para usar isso para ganhar forças e virar a situação. O técnico aqui também me tirou de uns treinos para me preservar, porque via que eu não conseguia me concentrar, que estava sofrendo. Mas o psicólogo me ajudou muito a manter o foco, e agora estou conseguindo ter uma boa regularidade nos treinos.

Com a cabeça no lugar, Ravel pôde finalmente se concentrar na preparação para o Mundial Sub-19 de vôlei de praia, de 11 a 14 de julho, em Larnaca, no Chipre. Se o jogador se mantiver na lista de convocados da Confederação Brasileira (CBV), disputará a primeira competição internacional da carreira. Será o primeiro prêmio pela rotina de sacrifícios em prol do sonho de viver do esporte.

Pelo vôlei, cerca de apenas 4h de sono

vôlei de praia Ravel Saquarema (Foto: Helena Rebello)Carioca no ataque: um dos treinos da seleção sub
19 no CT de Saquarema (Foto: Helena Rebello)

Desde que começou a jogar vôlei, há cerca de dois anos e meio, em uma quadra improvisada em sua vizinhança, o rapaz enfrentou uma dura rotina para crescer no na modalidade. Selecionado por um olheiro em um evento em Bento Ribeiro, foi jogar no Vasco. Com o fim do time masculino cruzmaltino, passou a atuar pelo Botafogo em duas categorias diferentes. Devido à habilidade, conseguiu uma bolsa de estudos em um colégio particular na Lagoa. Mas o casamento entre estudos e treinos foi atrapalhado pela falta de tempo – perdido no trânsito e que fez falta em horas de sono.

Após a jornada dupla de treinamentos no Botafogo, o jovem carioca chegava em casa quase meia noite e, no dia seguinte, precisava acordar às 4h da manhã para ir à escola. Exausto, passou a dormir nas aulas e não conseguiu acompanhar o ritmo da turma. Quando trocou a quadra pela areia, no meio do ano passado, pôde descansar um pouco mais. Mas as quatro horas diárias para ir e voltar da Praia do Leblon ainda pesaram e, sem conseguir render com os livros, terminou 2012 reprovado no 2º ano do Ensino Médio.

Matriculado agora em uma escola perto da nova casa, Ravel só vai cursar as aulas no segundo semestre, quando estiver liberado dos compromissos com a seleção. Pintor de paredes, o pai se emociona ao falar sobre a luta de diária para manter vivo o sonho do filho, e acredita que o investimento na carreira valerá a pena.

- Essa história toda da perda da casa atrapalhou bastante. Ele chegou a desabafar com a gente que não sabia se continuava, de tão tenso que estava. É muito ruim ver seu filho muito feliz de dar um passo importante e logo depois ver essa felicidade desaparecer, ver seu filho mal por uma situação que você não pode controlar. Continua sendo difícil, mas em vez de chorar ele vai fazer cada vez melhor. Com a ajuda de Deus o Ravel vai ter sucesso para poder nos ajudar no futuro.

vôlei de praia Ravel Saquarema (Foto: Helena Rebello)Em Saquarema, seleção tenta blindar Ravel dos problemas familiares no Rio (Foto: Helena Rebello)

A TransCarioca como legado olímpico

Batizado de TransCarioca, o corredor expresso ligará a Barra da Tijuca e o Aeroporto Internacional Tom Jobim. Com um total de 39 quilômetros de pista, cortará 14 bairros e será interligado aos sistemas de trem, metrô e o BRT da TransOeste, já em funcionamento. Segundo a prefeitura do Rio de Janeiro, a obra é considerada um dos principais legados de Copa e Olimpíadas no quesito mobilidade urbana e deverá reduzir em até 60% o tempo gasto atualmente no trajeto. Inicialmente, a construção da via foi orçada em R$ 1,3 bilhão.


A previsão é que o corredor seja concluído até o final deste ano, e que a operação comece nos primeiros meses de 2014. Enquanto isso, os cariocas convivem com engarrafamentos gerados pela interdição de pistas em algumas das principais vias da Zona Oeste, além do rompimento de tubulações de gás e água. E famílias como a de Ravel enfrentam a desapropriação de seus imóveis.

trajetos Transcarioca (Foto: Reprodução)A TransCarioca, apontada como um dos principais legados de mobilidade urbana (Foto: Reprodução)
   
FONTE:
http://globoesporte.globo.com/volei/noticia/2013/04/promessa-do-volei-de-praia-ravel-ve-sonho-olimpico-virar-drama-familiar.html

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