segunda-feira, 23 de julho de 2012

Como Nascem os Campeões: pizza e disfarce para Maurren, tartaruga ninja

Campeã olímpica de 2008 já ganhou vestida de menino, vendeu pizza de patrocínio e quase encerrou a carreira por susto em halloween

Por Alexandre Alliatti São Carlos, SP

Maurren, vestida de menino, ganha prova de
ciclismo (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)
É rir para não chorar. É rir de uma menina que venceu até vestida de menino para não chorar por pensar que essa garota teve uma pizza por noite de patrocínio - e que por vezes vendeu essa pizza, em vez de comê-la, para ter algum trocado no bolso. É rir de uma atleta que esteve perto de ver a carreira encerrada ao quase matar uma colega de susto em um halloween - para não chorar ao perceber que ela mal via os pais, porque faltava dinheiro para o ônibus. É rir para não chorar ao parar e pensar que trancos e barrancos formaram uma campeã olímpica em um país que receberá os Jogos logo, logo, daqui a quatro anos, em 2016. Maurren Maggi, medalha de ouro no salto em distância em Pequim-2008, é o típico caso de atleta nascida do talento, da persistência, do apoio familiar - para chorar de rir ao subir em um pódio que sempre pareceu tão distante.

Como nasce um campeão em um país que tão pouca atenção dá ao esporte olímpico é uma pergunta que remete à infância de cada um deles. Maurren é um talento nato. Poderia ter sido ginasta, ciclista, jogadora de futebol, até piloto de automobilismo. Preferiu o atletismo - e assim foi germinada uma medalha de ouro para o Brasil.

E uma medalha repleta de curiosidades, de idas e vindas, de alegrias e dramas. Maurren, desde criança, soube rir das pontas de facas que teve de esmurrar. É uma história de pizzas e disfarces. É a história de uma tartaruga ninja.
Maurren, a Donatello

Maurren Maggi infância olimpíadas (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)Maurren era elástica: se dava bem em todos os
esportes (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)
 
De 13 para 14 anos, Maurren deixou São Carlos, sua cidade natal no interior paulista, para tentar a sorte em Ribeirão Preto, onde havia uma estrutura maior para a prática do atletismo. Foi lá que ela realmente começou a despontar como uma potencial grande atleta. Quem primeiro reconheceu comercialmente o talento da garota foi uma pizzaria. Mas o apoio era modesto: uma pizza por noite. Maurren, boa de garfo, aceitou.

A situação rendeu piadas. Ela passou a ser chamada de tartaruga ninja, em referência às curiosas personagens de um desenho animado - que adoravam comer pizza, moravam no esgoto, tinham um rato como mentor e, o melhor, eram batizadas com nomes de gênios renascentistas. Maurren, para algumas amigas, virou Donatello - as demais tartarugas se chamam Michelangelo, Rafael e Leonardo Engraçado? Nem tanto. A tartaruga ninja do atletismo brasileiro por vezes vendia a pizza que recebia. Era a forma de ter algum dinheiro no bolso, como lembra o pai dela, William Maggi.

- Ela tinha apelido de tartaruga ninja em Ribeirão Preto. Ela morava em um alojamento, e o único patrocínio que tinha era de uma pizzaria. O patrocínio era todo dia a pizzaria dar uma pizza para ela. As tartarugas ninjas, no filme, só comem pizza. O apelido dela na época era esse. Mas às vezes ela conseguia vender a pizza para ter esse dinheirinho no bolso dela - recorda William.

Foram tempos de dificuldades. Maurren, muito nova, sentia saudade de casa. E os pais não tinham dinheiro para visitá-la o tempo todo. A mãe, Ruth, professora e pedagoga, trabalhava para pagar as contas de casa em São Carlos. O dinheiro do pai, borracheiro, era direcionado para a atleta. E a distância machucava.

- Ela chorava. A gente ia para lá e dormia no carro. Ela só tinha uma passagem por mês. E era uma criança. Para a Maurren ser o que é, ela se privou de muita coisa na infância e na adolescência dela - comenta o pai da atleta.

As pizzas da tartaruga ninja são apenas uma parte da história. Antes e depois disso, ela tem mais causos de rir e de chorar.

Antes da pizza: vestida de menino para ganhar até no ciclismo
Maurren foi uma daquelas crianças polidesportivas. Era boa em tudo. Fazia qualquer atividade física com uma facilidade que assombrava as colegas. Ela começou a mostrar, no pátio do colégio, que não dava limites a seu corpo.

- Ela nasceu para o esporte. Tudo que você achava impossível fazer, ela fazia. Lembro que um dia ela chegou para a professora e disse que ia colocar o pé lá na parede e dar um mortal para trás. Foi e fez. A gente não conseguia de jeito nenhum. Ela tinha essa facilidade. Era natural, simples. O esporte corria nas veias dela. A gente percebia que ela gostava do que fazia, e fazia com praticidade - lembra Ana Paula Belmonte, amiga de infância e colega de escola de Maurren.

Maurren Maggi infância olimpíadas (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)Primeiros passos de Maurren foram na ginástica
(Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)
 
Mas os primeiros sinais não surgiram com o atletismo. Foi com a ginástica que Maurren começou a despontar. No colégio Cônego Manoel Tobias, em São Carlos, ela mostrou aptidão para todo tipo de exercício.

- Ela era muito flexível. Fazia uma ponte e chegava a colocar o pé na cabeça - comenta Ceres Ronquim, outra amiga de Maurren.

Maurren sobrava. E experimentou variados esportes: futebol, vôlei, ciclismo. Até substituiu o pai em provas de kart. Mas foi com a bicicleta que chegou ao cúmulo: acabou vestida de menino para o colégio poder ganhar uma competição. Como os garotos eram ruins, uma professora decidiu disfarçar a futura ginasta. Prendeu o cabelo da menina, colocou um boné nela e deixou que ela competisse. Adivinha? Maurren ganhou. Ela tinha dez anos.

- Ela primeiro ganhou a bateria dela no feminino. Entre os meninos, não tinha nenhum bom. Era tudo fraquinho. A professora colocou boné nela, enrolou o cabelo e botou a Maurren na prova como se fosse menino. E ganhou! Hoje, se os meninos ficarem sabendo, vão ficar loucos - diverte-se o pai da atleta.

Aos poucos, Maurren começou a ser direcionada ao atletismo. Inclusive ao salto em distância. O pátio do colégio tinha uma caixa de areia. As meninas gostavam de ir correndo e pular dentro dele. Competiam para ver quem pulava mais longe.
- Digamos que a Maurren pulava bem longe... - ri Ana Paula.
Ainda na escola, a futura atleta focou em três vertentes do atletismo: o salto em distância, o salto triplo e os 100m com barreiras. Foi na primeira modalidade que persistiu. Mas depois de um bocado de dúvida. A verdade é que Maurren, enquanto morou em São Carlos, não gostava de treinar. Mas José Carlos Jaques, treinador dela naquela época, lembra que o talento era visível.

- Ela já fazia cinco metros e lá vai pedrada. Não é algo normal. Pelos resultados, dava para ver que ali tinha alguma coisa. Mas ela não gostava muito de treinar, não. Eu também dava um pouco de iniciação com barreiras, e ela fazia ótimos resultados. E também era muito boa no salto triplo. Aí ela percebeu que aqui o apoio era mais curto e foi para Ribeirão Preto - recorda o treinador.

Foi ao trocar de cidade que caiu a ficha de Maurren. Ela saiu da zona de conforto. Longe da família, passou a ver o esporte como núcleo da vida dela, não mais como uma diversão. Nisso, foi muito importante o treinador Nelio Moura, que trabalha com ela desde 1994. Foi ele quem focou a atleta no salto em distância.

De Ribeirão Preto, Maurren migrou para o Projeto Futuro, em São Paulo. Lá, ganhou a base definitiva para explodir. Mas tudo quase foi por água abaixo em uma madrugada. Uma madrugada de halloween.

Depois da pizza: o susto

Maurren Maggi infância olimpíadas (Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal)Maurren em um halloween: susto em colega quase
custou carreira (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)
 
A rotina de treinos não produzia cansaço suficiente em Maurren em São Paulo. Ela ainda tinha energia para gastar. E aprontava um bocado. Em uma ocasião, passou do limite. Era noite de halloween, e ela resolveu agitar o alojamento.

O alvo estava no andar abaixo do ocupado por Maurren. Era uma colega dela, daquelas medrosas, que se assustam facilmente, que não conseguem ver filmes de terror. A saltadora colocou uma máscara, vestiu roupas escuras, acendeu um par de velas e desceu. Mas não desceu pelas escadas. Preferiu escalar o parapeito do prédio e invadir a janela. O susto foi além do que ela imaginava. A menina desmaiou. Segundo o pai de Maurren, chegou a ter uma parada no coração.

- Ela correu um risco. Saiu do quarto dela, escalou e entrou pela janela do quarto da menina. Hoje tem grade lá por causa dela. Mas deu parada cardíaca na menina! Ela virou aquilo do avesso. Era madrugada. Deu ambulância e tudo. Ela pulou a janela e “buuuuuuuu”. Estrebuchou a menina! - lembra William.

A brincadeira custou caro. Maurren foi expulsa do Projeto Futuro. Fora, não saberia o que fazer. Não teria para onde ir. A carreira dela entrou em xeque.

Mas Nelio e William foram até o clube, falaram com os diretores, os convenceram a mudar de ideia. Maurren foi mantida. Anos depois, foi campeã olímpica.

- Se ela tivesse sido expulsa mesmo, o Brasil teria perdido essa atleta - resume o pai dela.
Sophia queria a prata

MaurrenMaggi brinca com a filha na preparação para o GP de atletismo (Foto: Jorge Wiliam / Agência O Globo)Maurren brinca com Sophia: frase dela comoveu
o país (Foto: Jorge Wiliam / Agência O Globo)
 
Maurren Maggi pulou de um pódio para outro. Ouro no Pan de Winnipeg. Ouro no Pan do Rio. Prata no Mundial de Valência. Pulou até, e contra a vontade, um pedaço grande de sua história. Ficou três anos afastada do esporte, dois deles como consequência de punição por doping. Em 2003, pouco antes do Pan-Americano de Santo Domingo, um exame detectou a presença da substância clostebol no organismo da atleta. Maurren alegou que foi por causa de um creme cicatrizante que ela usou depois de uma depilação. Mas foi punida mesmo assim.

No período de afastamento, ela gestou Sophia, filha também do piloto Antonio Pizzonia. A atleta não tinha grande interesse em retornar ao esporte. Unia a mágoa da punição com a curtição da filha recém-nascida. Mas havia uma chama dentro dela.

E a chama cresceu até tomar conta de todos os poros de Maurren. Ela voltou a treinar. Voltou a competir. Voltou a mostrar resultados. Até que chegou a Pequim para, com um salto histórico de 7,04m, conquistar a primeira medalha de ouro individual de uma mulher na história do Brasil em uma Olimpíada.

Maurren, no pódio, chorou. Chorou para não gargalhar de alegria. Depois da prova, ao falar rapidamente com a filha, ouviu uma frase que comoveu o país:
- Mamãe, eu queria a de prata...

Maurren Maggi medalha Pequim 2008 (Foto: Getty Images)A alegria: em 2008, depois de ficar três anos parada, Maurren é campeã olímpica (Foto: Getty Images)
 
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