quinta-feira, 12 de abril de 2012

A um jogo do adeus, Fernanda só pensa na volta à vida de mãe e esposa

Levantadora planeja viagem à França para pedalar com Bernardinho, tenta convencê-lo a desacelerar e brinca: 'Mas não quero um marido só meu, não'

Por Danielle Rocha Rio de Janeiro

O número 1 às costas remete ao início da carreira. Foi com ele que Fernanda Venturini começou sua caminhada na quadra. Ficou famosa com a 14, que no Rio de Janeiro já era de Fabi, mas era com aquela camisa que queria terminar. E desta vez, garante, que sem chances de recaída. A hérnia, o joelho e as filhas falaram mais alto. Só aceitou passar pela dura rotina de treinos e viagens outra vez porque Bernardinho precisava de uma levantadora. Aceitou sair da tranquilidade da vida de ex-jogadora pelo marido. Aos 41 anos, venceu as dores com visitas semanais a um quiroprata, se adaptou a um jogo mais veloz, levou dificuldade aos times adversários mesmo treinando apenas 50% da carga. Neste sábado, às 10h, contra o Osasco, fará seu último jogo, num palco que nunca atuou numa final. Quer que o adeus, o quarto, seja com um título. A galeria tem um lugar para o 13º. 

Fernanda Venturine Na Lagoa (Foto: Rafael Moraes/adorofoto)Fernanda sonha com título na despedida (Foto: Rafael Moraes/adorofoto)
 
Ganhando ou perdendo, uma pessoa  estará esperando por ela com sorriso no rosto. A contragosto de Júlia, a mãe deixou a aposentadoria. Ela, que antes já se queixava da ausência do pai em seus eventos, também deixou de ver o rosto de Fernanda durante suas apresentações de jazz. Em algumas delas, outros integrantes da família foram escalados para representá-los. Mas, daqui para frente, tudo será como antes. A levantadora quer acompanhar Júlia e Vitória em suas atividades. Espera também que Bernardinho desacelere um pouco o ritmo após os Jogos de Londres. Já pediu que ele repense a carreira, que ache um meio termo entre o clube e a seleção, que tenha ao menos um mês de férias. Algo difícil para alguém que tem uma agenda onde é raro emendar um domingo e uma segunda de folga.

Ela ri, sabe que apesar de o marido querer fazer cursos nos EUA não consegue se ver longe da rotina intensa. Por ora, já conseguiu convencê-lo a ir pedalar no sul da França. A paixão de sair subindo morros de bicicleta nasceu no ano passado, com direito a promessa paga pelo sétimo troféu da Superliga. Na ocasião, saiu da porta de sua casa na Lagoa e pedalou até os pés do Cristo, no Corcovado. Não, ele não é religioso e afirma que nunca envolveu Deus nas disputas esportivas. Mas sempre aceitou de bom grado as orações de quem faz isso por ele. Essa parte cabe a esposa. Fernanda reza toda semana numa igreja em Ipanema pedindo por saúde, proteção e para livrá-lo do olho gordo. Diz que há muita gente querendo derrubar o marido. Na quadra, no jogo, o objetivo do Osasco vai ser esse. Bater o técnico sete vezes campeão e suas comandadas, na oitava decisão seguida entre as duas equipes. Porém, a tirar pelo brilho nos olhos da experiente e competitiva Fernanda, terão muito trabalho para isso.

- Eu nunca fiz uma final no Maracanãzinho. É um palco perfeito, num dia 14, meu número de sorte. Agora é a gente entrar em quadra e jogar bem para ganhar - sorri.

Desta vez é a aposentadoria definitiva ou há chance de uma nova recaída?
É 200% definitiva!


Qual a diferença desta para as outras vezes que você voltou?
Só a idade mesmo. Nas outras vezes as dores no joelho não tinham aparecido ainda.


O que se aprende?
A respeitar o corpo. Não tenho mais 20 anos, a idade chega para todos. Por ter gastado tanto até os 35 anos tenho sequelas sérias que preciso respeitar. Meu quiroprata, que também é do COB e vai a Londres, cuidou de mim, colocou minha coluna no lugar. Tenho uma hérnia cervical séria. Toda semana ia lá, tinha horário fixo. Nesta quinta-feira, disse a ele que vai ser a última vez. Ele sempre me fala que não posso mais correr, que não posso me descuidar nem abusar.


Fernanda Venturini Rio de Janeiro vôlei Superliga  (Foto: Divulgação)Aos 41 anos, Fernanda está feliz com despedida num palco onde nunca jogou uma final (Foto: Divulgação)
 
É estranho voltar após três anos e meio e ver que, apesar das dores e de algumas limitações físicas, você ainda consegue fazer a diferença para um time?
É difícil fazer uma levantadora. Não é de um dia para o outro. Demora anos, uns 10 anos. Uma atacante você faz em um ano. Eu e Fofão ficamos muito tempo. Fabíola está se destacando com quase 30 anos. Demora mesmo a aparecer porque não tem uma quantidade grande. Eu, por ter sido uma das melhores, jogando 50% ainda sobressaio.

Nesta final, do outro lado da rede vai estar uma jogadora que teve de recomeçar várias vezes, não por desistir da aposentadoria, mas por conta de graves lesões. Como você vê essa trajetória de superação de Jaqueline?
É complicado. Uma torção no joelho foi uma coisa que nunca tive e sei que é coisa muito séria. Leva muito tempo para se recuperar. Um problema físico em qualquer esporte é o que prejudica um atleta. É preciso ter uma superação interior e ambição de jogar uma Olimpíada. Aquele que consegue não desistir está entre os mais fortes.


O que a sua personalidade forte ajudou e atrapalhou na carreira?
Eu sempre fui muito sincera, sempre muito de falar. As pessoas até me rotulam um pouco, falam que sou mascarada, ela é metida. Mas as pessoas que me conhecem sabem que eu não sou. Sou sim muito direta. Ou eu gosto ou não gosto. Não tenho mais ou menos. Eu sempre fui de falar, posso ter errado ter falado muito algumas vezes, mas nada que me deixou marcas.


Pelo que viu na Superliga, o que você espera da seleção feminina nas Olimpíadas?
Vai ser um campeonato bom, com grandes equipes. Já vi a convocação da Rússia para o Pré-Olímpico. Está voltando a Artamonova, que é da minha época. Só que ela é nova, tem 30 e pouquinhos anos, e vai vir com tudo. Estados Unidos com tudo e Brasil. Acho que são os três times. Mas tem aí a Turquia que está chegando. O Brasil tem que chegar bem, e as meninas precisam ter um tempo para se recuperar fisicamente. Elas chegaram do Japão e imediatamente entraram na Superliga. Acho que tinha que ter uns 10 dias pelo menos para elas descansarem para chegarem na seleção com o gás todo.


Quais são seus interesses, o que quer fazer quando voltar a ser ex-jogadora?
Muitas coisas. Quero levar minhas filhas para a aula de natação, tênis, ginástica e jazz. Quero que me vejam presente nas atividades. Quero entrar de cabeça nessa minha primeira franquia de academia. Estou pensando nisso desde o ano passado, mas tive que adiar. Fiz curso no Sebrae de administração para abrir uma empresa. Vira e mexe faço alguma coisa e agora vou fazer algumas outras para poder gerenciar a academia. Este ano vou viajar em maio, julho, setembro, dezembro. Em outubro também ouvi falar que Bernardo quer levar a mãe para Nova York. Vai ser um ano de acompanhá-lo. Está precisando de férias e vai tirar um mês depois de Londres. Há tantos anos ele não tem um mês de férias... Eu também quero viajar. Em julho, vou a Londres ver os Jogos Olímpicos e depois vou para o sul da França pedalar com o Bernardo. É, eu vou começar a pedalar agora, subir esses morros como ele faz (risos).


Que tipo de preocupações tem como mãe?
Sou uma mãe que exige muito da Júlia na escola. Ela tem 10 anos e já foi 12 vezes à Disney. A minha primeira vez lá foi quando eu tinha 15. Bernardo sempre fala que ela vive hoje uma realidade diferente da que nós tivemos na idade dela. Ela não pode achar que pode ter tudo o que quer porque hoje nós estamos muito bem, mas talvez amanhã não seja assim. Por isso, ela tem que estudar, aprender que as coisas não são tão fáceis e buscar ser ambiciosa na vida.


Acha que existe um olhar de cobrança maior sobre elas exatamente pelos pais serem tão vitoriosos em suas carreiras?
Acho que foi um pouco por isso que a Júlia não quis seguir no esporte. Mas pode ser que mude, porque o Bruno (levantador da seleção filho de Bernardinho e Vera Mossa) fez tanta coisa antes de optar pelo vôlei. A Vitória já mostra que quer alguma coisa no esporte. Ela é mais guerreira. A Júlia é uma sagitariana mais tranquila, não é competitiva como a irmã. Não vejo isso nela.


Bernado e Fernanda  (Foto: Luiz Doro / adorofoto)Bernardinho dá orientações para a levantadora e esposa (Foto: Luiz Doro / adorofoto)
 
Estamos num ano olímpico, que costuma ser mais tenso para atletas e técnicos. Que tipo de contribuição você procura dar para que seu marido fique mais tranquilo?
São poucos meses, né? A Superliga tinha que ser menor para poder preparar melhor a seleção para as Olimpíadas, mas aqui no Brasil é sempre ao contrário. Enfim... A Itália agora está acabando o campeonato mais cedo, fez um outro formato para dar mais tempo para a seleção. Eu vejo a preocupação dele. Pede para eu para gravar todos esses jogos agora porque quer ver, fica na dúvida de quem convocar, faz reuniões constantes com a comissão técnica dele para ver a melhor programação, pensando no bem dos jogadores. Eu tenho que dar apoio, força e estimulá-lo porque são poucos meses. Agora vai ter uma semana de descanso e na outra segunda-feira se apresenta e o que eu posso ajudar é sempre que puder levar as meninas para ir lá acompanhar, quando ele está em casa levar ele para relaxar, vamos para o cinema. Domingo fomos ver aquele "Habemus Papam", muito legal. A gente sai para jantar e sei que tenho que dar tempo para ele pedalar, que é o que ele ama fazer. Graças a Deus ele achou assim uma paixão e agora faz aula de alongamento com Orlando Cani, está superalongado porque a família sempre foi muito dura. Está se cuidando porque estar com 52 anos não é mole. Ele está curtindo. Sábado, domingo, ficar três, quatro horas pedalando, uma loucura. Eu agora é que tenho que entrar no ritmo dele.

Uma vez você disse que Bernardinho só entrou numa igreja no dia do casamento. A parte da fé, das orações fica por sua conta?
Eu é que vou toda semana na igreja de Nossa Senhora da Paz, rezo. Ele disse que pedalou até a Igreja dos Milagres, não sei nem onde é, lá no alto. Perguntei se ele tinha entrando e disse que não, que ficou na frente (risos). O professor dele disse que ficaram rezando do lado de fora. Eu peço proteção porque tem muito olho gordo em cima, que Nossa Senhora! Tanta gente querendo derrubar ele dali. E a gente segue firme e forte trabalhando. Peço só saúde. Acho que não é preciso pedir mais nada.


Acha que falta muito tempo para ter seu marido só para você, sem ter que dividi-lo com tantas pessoas e viagens?
Ah, mas também não quero um marido só meu, não (risos). A vida inteira acostumei, acho que, se tiver um marido 24 horas, 365 dias, acho que não dá certo. Acho que tem que diminuir o ritmo ou no Rio de Janeiro ou na seleção. Em alguma coisa tem que arrumar um meio termo. Porque não dá para estar 365 dias no vôlei. É um estresse grande. E ele está querendo fazer uns cursos nos Estados Unidos, ficar um mês lá pelo menos. Então, ele agora viu que está na hora de repensar. Passando essa Olimpíada, alguma coisa vai acontecer. Ele não me fala, mas eu cobro dele isso.


Teme pela saúde dele quando fica tão nervoso à beira da quadra?
A gente faz exames direto. Nas minhas férias, faz isso para tentar não correr tanto risco. Mas não tem jeito. Ele é nervoso. No feminino, acho que ele fica mais do que no masculino.


vôlei Bernardinho filha Vitória (Foto: Fernando Soutello / adorofoto)Bernardinho com Vitória, a filha caçula do casal
(Foto: Fernando Soutello / adorofoto)
 
Qual foi o momento mais difícil que atravessaram juntos?
Acho que momento difícil é saúde. A Júlia nasceu com uma infecção urinária e com 10 dias de vida tinha febrão e a gente não sabia o que era. E o meu pediatra estava viajando. Aí fomos para outro que falou que era para internar. Eu também perdi meu pai cedo, com 17 anos, mas não conhecia o Bernardo ainda. São momentos assim os mais difíceis. Lógico que derrota é chato, fica triste. Mas o problema é saúde, perder alguém muito próximo.

A pedido de Bernardinho, você saiu da sua vida tranquila para voltar às quadras porque ele precisava de uma levantadora no time. O que agora você vai pedir para ele?
(Risos) Já pedi que diminua o ritmo. Já senti, ouvi conversas dele aí, e vai fazer. É que ele gosta, é apaixonado pelo que faz e eu não posso privá-lo disso, contanto que tenha um mês de férias e que na época das férias das crianças possa ter uns 15 dias para a gente viajar. Acho que precisa estar com as filhas, porque fica muito ausente.

FONTR:
http://globoesporte.globo.com/volei/noticia/2012/04/um-jogo-do-adeus-fernanda-so-pensa-na-volta-vida-de-mae-e-esposa.html

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