Sem gol do apoiador na última rodada do Brasileirão de 2009, possibilidade de título no domingo daria lugar a temporada agonizante na Segundona
Gum, Fred, Conca, Washington, Emerson… Candidatos não faltam para balançar a redes e garantir, diante do Bugre, a conquista após 26 anos para o Tricolor. Entretanto, nenhum gol será capaz de superar o chute de canhota proferido aos 26 minutos do primeiro tempo do empate com o Coritiba, no Couto Pereira, em 6 de dezembro de 2009 (assista ao vídeo acima). Neste instante, em cobrança de falta certeira, Marquinho se tornou o responsável por manter o Flu na Série A do Brasileirão e consumar o sucesso da arrancada de quem tinha 99% de risco de rebaixamento. Por tabela, permitiu que o pesadelo do torcedor se transformasse no sonho atual.
Marquinho se diverte com fotos em condomínio onde vive, no Rio (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
- Foi o maior passo da minha vida. É um dia que ficará para sempre na memória do torcedor. Até hoje, muitos que acompanham a equipe chegam e me abraçam. É algo muito gratificante. Além de ter possibilitado todo esse ano. Isso só engrandece mais esse dia para mim – revelou o apoiador.Com participação efetiva na campanha deste ano – foi titular na maioria dos jogos -, Marquinho observa como torcedor os últimos passos da caminhada tricolor. A fratura no braço sofrida na vitória diante do Vasco, pela 34ª rodada, porém, é amenizada com a certeza da importância para que a história atual possa ser escrita.
Por outro lado, a eternidade como herói da luta de um rebaixamento não satisfaz o apoiador. Aos 24 anos, ele não é do tipo de se deixa deslumbrar com o sucesso. Centrado, faz da dedicação e coletividade suas principais características. Com Darío Conca como exemplo, busca mais: quer ficar marcado como um jogador identificado com o Fluminense.
- Primeiro, tenho que me firmar como um jogador marcante na história do clube. Não quero ficar só um ou dois anos. Quero um espaço só meu – disse com personalidade.
Espaço que certamente será garantido em caso de título domingo. Uma conquista confirmada quase que exatamente um ano depois de seu gol mais importante. Em bate-papo, Marquinho relembrou em detalhes da tarde inesquecível que viveu no Paraná, falou sobre seu estilo de vida, planos para o futuro e garantiu: se tudo der certo, vai ignorar a fraqueza e o gesso no braço direito para erguer o troféu e gritar “É campeão!”.
Tudo isso que está acontecendo com o Fluminense agora se deve ao seu gol diante do Coritiba, no dia 6 de dezembro de 2009. Qual a importância dele para você? Foi o ponto mais alto da sua carreira?
Foi o maior passo da minha vida. É um dia que ficará para sempre na memória do torcedor. Até hoje, muitos que acompanham a equipe chegam e me abraçam. Dizem que não tiveram a oportunidade de cumprimentar pelo gol. É algo muito gratificante. Além de ter possibilitado todo esse ano. Isso só engrandece mais esse dia para mim.
Você chegou ao Fluminense após uma boa passagem pelo Figueirense e levou quase toda a temporada sem conseguir fazer gols. Acabou quebrando o jejum em Quito, contra a LDU, pela final da Sul-Americana, e, logo depois, fez novamente em um jogo tão importante. Diria que foi o gol da perseverança?
Marquinho durante entrevista no Rio de Janeiro
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Sempre acreditei que aconteceria na hora certa. Não tinha feito gols pelo clube, todo mundo perguntava, era um dos únicos sem marcar na temporada, ainda mais com minha característica de chutar bastante. Eu pensava: “Uma hora a bola vai entrar. Não é possível que não entre”. E deu certo. Hoje sou muito feliz por isso, por ter colocado meu nome na história e ter ajudado a acontecer tudo isso esse ano.(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Todo o desenrolar da história esse ano valoriza ainda mais esse lance? Você hoje está lesionado, não pode ajudar em campo, mas para e pensa que tudo só está acontecendo por conta daquele chute de canhota há um ano?
Teve uns dias desses, agora que estou parado, que estava pensando. Sou um cara que gosta de ajudar. Agora, fora da equipe, viajei para São Paulo nos dois últimos jogos, estou sempre presente, vou aos treinos apoiar... Mas sei que toda a história desse ano só elevou o gol do ano passado. Todo o grupo teve seu valor, deu sua parte. A minha foi no final. Por ser o último, sou lembrado. Sou extremamente feliz por causa desse gol e ter colaborado para colocar o Fluminense onde tem que estar.
Queria que você contasse detalhes daquele lance. Como ficou decidido quem bateria a falta? Conca, Fred, você... Diante de um Couto Pereira lotado, o lance foi justamente virado para a torcia do Flu. Isso te inspirou? Como foi a atmosfera naquele momento?
Dificilmente olho para torcida em campo. A concentração tem que estar sempre em alta. Quando eu era moleque, sempre tive desvio de atenção, às vezes sumia do jogo por olhar para uma coisa ou outra. Depois de um tempo, comecei a trabalhar isso para me concentrar. A ordem era: se a falta fosse próxima, batia o Conca. De longe, era eu. E o Fred era o furão. Nunca treinava, treinava só um dia e queria bater (risos). Combinei com o Conca de bater, e o Fred começou a querer entrar na frente, mas o Conca ajudou a convencer para eu chutar. O Fred acabou dispersando a barreira, rolou a bola e ela entrou no cantinho. Foi essa felicidade toda.
Naquela época, o Cuca revezava entre você, mais na Sul-Americana, e o Dieguinho, mais no Brasileirão, na ala esquerda. No jogo contra o Coxa, em especial, ele te manteve. Você crê em destino?
Sempre pensei que tinha, sim, algo guardado. Sabia que estava buscando isso há tanto tempo e não passaria em branco. O Cuca é um cara que crê muito nisso de destino. Ele sempre falava para eu manter o meu jeito de jogar. Até me tirou do jogo contra o Palmeiras e eu fiquei muito bravo. Foi uma tarde que teve uma festa bonita, com mosaico. Ele disse que me tirou porque eu estava cansado da maratona. Só que no último jogo me disse: “Você que vai jogar por estar merecendo isso. Com o Rodrigo Hefner na lateral, você tem muita força física e vai segurá-lo”. Foi essa a opção, mas acabou dando tudo certo. Por isso, fiz o gol e logo fui abraçá-lo. O Cuca fez uma aposta e deu certo.
Depois de ser muito criticado pela torcida no ano passado, você virou meio que um xodó em 2010. Aquele gol foi o início de uma grande volta por cima na sua carreira?
Todo jogador precisa de um período de adaptação nos clubes. No Figueirense, todo mundo sabia como eu jogava. Quando eu cheguei, foi diferente. O René (Simões) sabia como eu atuava, mas depois chegou outro, outro, outro... O jogador tem que se adaptar aos treinadores e ao clube junto. Isso foi ruim para eu desempenhar todo o meu futebol. Já no fim do ano fui coroado com esse gol que me ajudou bastante a ser lembrado. Em 2010, a confiança cresceu, a auto-estima, treinador deu moral... Tudo isso influência muito. Fico feliz pela volta por cima. E agradeço ao torcedor pela paciência. Joguei quase todos os jogos nesses dois anos e mostrei que queria evoluir.
Esse seu estilo de entrega máxima, de querer sempre ajudar seja em qual posição for, de guerreiro mesmo, te deu a certeza de que estava no caminho certo e uma hora as coisas iam se ajeitar?
O torcedor que lembra bem, o que vai a todos os jogos, sabe da minha dedicação. Essa minha coisa de pensar que se estiver mal tenho que correr mais para ajudar de alguma forma, contribuir. Me dou ao máximo, saio de campo com câimbras, dores, mas tenho que ser útil. Se não estou no dia de acertar tudo, estou no dia de correr. Para isso, nunca estou ruim. Quem vê tudo, sabe que, no mínimo, corri. Tudo isso só me ajuda a evoluir. Olho sempre VT´s de jogo para analisar. É tudo importante.
Você diria que hoje, no Fluminense, é o período em que mais está se sentindo em casa? Por toda a amizade entre os jogadores e tudo que aconteceu.
Em clima de Natal, Marquinho sonha com a estrela
do título (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Me sinto muito bem aqui. Da minha carreira, com certeza é onde mais me senti em casa. Fiquei pouco tempo no Figueirense e no Botafogo. Estive um período maior no Palmeiras, mas ainda era muito menino. Aqui no Flu tudo sempre foi muito aconchegante. O Rio é uma cidade muito boa para morar, as pessoas te tratam muito bem... Adoro o Flu. Muita coisa mudou recentemente. Não há mais atrasos, o patrocinador está junto, etc... É um clube que me faz sentir em casa. Por isso dou meu sangue mesmo.do título (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Desde que chegou ao clube, você ficou um pouco marcado por ser um cara que joga em muitas posições e se preocupa mais em ajudar. A fama de 12º jogador, no entanto, te irritou há pouco tempo. Agora, com o Muricy, você tem jogado mais na sua posição, como apoiador. É a hora de acabar com esse rótulo?
Até um tempo atrás, eu nunca tinha falado sobre esse rótulo. Até porque, vinha entrando direto no time. Não tinha o que falar. Não podia falar que não gosto de ser assim, mas depois, quando vi que ia ficar rotulado, resolvi dar uma brecada. Não quero isso. Toda vez que a equipe precisa, não sou só eu que entro, outros jogadores também decidem. O 12º é o torcedor. Esse, sim, está sempre em campo, sempre apoiando. Prefiro me ver como um jogador do elenco. Se tiver que jogar, vou jogar. Se não tiver, vou apoiar meus parceiros. Vinha jogando ultimamente e até foi bom para o Muricy a lesão, por não ter a dúvidas quando o Deco voltou. Era para ser assim. Fique triste com a lesão, mas, por outro lado, jogadores importantes voltaram.
Gostaria que você falasse sobre o início da sua carreira lá no Sul. Como foi sua trajetória até o Flu? Existiram muitos obstáculos? Qual o maior deles?
Comecei fazendo teste com 12 anos no Juventude. Fui aprovado, mas minha família achou que eu era muito novo e não devia ficar sozinho em Caxias do Sul. Voltei para Passo Fundo e joguei futsal por um ano, até jogar no Inter por um período. Depois passei pelo Grêmio, voltava para o interior... Era muito difícil não voltar para casa. No interior do Rio Grande do Sul é complicado, há essa cultura das pessoas ficarem muito enraizadas. Por isso, quando saí de verdade, com uns 15 anos, foi um marco. Não esqueço da imagem dos meus avós, da minha mãe, que é muito colada comigo, todo mundo chorando. Esse foi o maior obstáculo: deixá-los para trás. Ao mesmo tempo, foi uma motivação porque não podia sair em vão. Me deu forças. Até hoje, falo com eles todos os dias, existe muita saudade. Sou um cara muito família, reservado, e senti muito essa parte.
Mas acredito que agora, quando eles vêm você em um clube grande, com sucesso no Rio de Janeiro e próximo de um título do Brasileirão, o orgulho seja muito grande...
Marquinho espera tirar o gesso neste sábado, antes da final (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
O orgulho é enorme. Mal acaba o jogo e todo mundo já me liga. Falam: “Que coisa louca esta partida”. Ficam mais empolgados do que eu. Acabo tendo que acalmá-los. Falo que não acabou, ainda restam alguns jogos, agora só um, e digo que está chegando a hora. É importante segurar porque são empolgados demais e deixam todos ansiosos na cidade. Mas eles me ajudam bastante. Está todo mundo vindo para o Rio para a última partida. Eles que colocam na minha cabeça a grandeza que será esse título. Falam: “Vocês têm noção de que podem ser do melhor time do Brasil? Que você vão ficar na história de um clube?”. A dimensão disso tudo é muito grande, e às vezes quem está vivendo isso não tem ideia. Vai ser um marco.E como é o Marquinho pessoa, fora dos gramados? O que você gosta de fazer nos momentos de lazer?
Sou um cara hiperativo, gosto muito de me mexer. Esse negócio aqui (aponta para o gesso) está me matando. Mas com a rotina de treinos, procuro ficar mais tranquilo. Quando tenho uma folga, vou para praia descansar, renovar as energias. Gosto muito de mar. Também curto muitos filmes. Moro com minha noiva, que é minha parceira e me leva para tudo quanto é lado. Saímos para jantar, vamos a alguns barzinhos à noite. Nada demais. Quando dá, eu saio e me divirto. Quando tem que descansar, descanso. Procuro me reservar. Sou sossegado.
Já que gosta tanto de filmes, há algum que você possa comparar ou que tenha ligação com o momento atual do Fluminense?
Não há algo específico, mas sempre que vejo um filme, seja o gênero que for, procuro tirar alguma lição para minha vida. É normal pensar: “Nossa, isso já aconteceu ou pode acontecer comigo”.
E se fosse para escolher uma música para ser a trilha dessa arrancada? Há alguma que te marque?
Sou um cara que gosta muito de rap nacional, hip hop, essas coisas. Antes de jogos escuto sempre uma música do MV Bill que fala para sempre manter a cabeça em pé. “Não importa o que vier, mantenha sempre a cabeça em pé. Venha de qualquer jeito, sempre a cabeça em pé”. Então, é isso que sempre procurei para me motivar. Por mais que estejamos mal no jogo, com pensamentos ruins, é importante manter sempre a cabeça em pé.
O maior sonho do Marquinho no momento é ser campeão brasileiro. E para o futuro? Você tem muito exemplo bem sucedido por perto, como Deco e Belletti. Pensa em um dia ser como eles?
Cara, não tenho esse sonho de jogar na Europa, fazer um bom campeonato e partir. Cada jogador tem uma caminhada. Não posso querer seguir os passos do Deco ou do Belletti. Primeiro, tenho que me firmar como um jogador marcante na história do Fluminense. Não quero ficar só um ou dois anos. Quero um espaço só meu. Não digo ser um titular absoluto, porque isso não existe. De repente, só o Conca é assim, e é um exemplo. Quero ser um cara reconhecido pela galera e identificado com o Flu. Depois, vou buscar um padrão de vida. Quero que meus filhos tenham tudo e valorizem as coisas boas com a cabeça no lugar. Sem futilidades. Mas que eu possa dar as alegrias que eles vão querer buscar.
Você é o típico gaúcho? Daqueles que tem chimarrão em casa.
É muito difícil. No Rio quase não faz frio, é muito calor. Só quando meus pais vêm para cá, minha mãe principalmente. Ela não fica um dia sem o chimarrão, pode ser com 50°. Aí, procuro acompanhá-la.
Para fechar, esse braço fraturado vai ter força para levantar o troféu na segunda-feira se tudo der certo?
Já estou treinando em casa, levanto devagarzinho, sem a ajuda do outro braço, para conseguir erguer a taça. Mas, se Deus quiser, neste sábado farei um raio-x para tirar o gesso. Já melhorei muito, a dor já passou, mas perdi muita força no braço, que afinou bastante. Só que de qualquer forma, se tudo der certo, vou entrar em campo para ajudar a levantar essa taça aí.
Marquinho simula gesto que espera repetir com troféu do Brasileirão (André Durão / Globoesporte.com)
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